ARTE QUE DESMANCHA NO AR
A notícia correu durante o dia de ontem como fogo morro
acima. Um gigantesco painel-mural feito pela dupla Os Gêmeos em 2009 tinha sido apagado. Ficava
na lateral de um prédio que era a sede do Sindicato dos Comerciários e era um
oásis de beleza no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. Mas a justa
indignação pelo sumiço de mais um exemplar de arte urbana numa cidade tão
carente de cores em espaços públicos acabou levando muita gente a colocar a
carroça (no caso de São Paulo, o carro) à frente dos bois. Em tempos que
“exigem” de todos opinião sobre tudo e que esta, ainda por cima, precisa ser
gritada aos quatro ventos, uma coisa básica foi esquecida: checar a história.
Ah, e antes que me esqueça, não, não é preciso ter opinião sobre tudo como
muito bem refletiu Alexandre
Matias no Estadão.
Mas enfim, quando repercuti a notícia ontem tive o cuidado
de não sair culpando ninguém, a não ser o espírito destrutivo da própria cidade,
afinal ainda não sabia direito da história. Escrevi isso: “e quando São Paulo
pode se orgulhar de ser a terra natal d'Os Gêmeos, alguns dos artistas mais
importantes mundiais do mundo, a cidade lhe retribui assim”. No entanto, e com
algum motivo, a maioria saiu tacando pedra na prefeitura, em Gilberto Kassab,
na política higienista do PSDB e quetais, na falta de cultura do brasileiro e
assim por diante. Só que não demorou muito para que recebesse uma mensagem de
Pedro Busko desvendando um pouco dos bastidores do acontecido.
Sim, o painel foi apagado porque o prédio será demolido, Os
Gêmeos sabiam disso desde o início e “parece que” tinham pedido para apagar o
grafite antes da demolição para evitar o pouco investigado, mas muito rentável,
mercado negro de arte urbana (uma obra dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo
vale muito, principalmente na Europa). Posteriormente, numa reportagem
na Folha de S. Paulo, quase tudo isso foi confirmado oficialmente. A única
informação que ficou faltando foi se os irmãos pediram para apagar o painel
antes da demolição. O assunto não foi tocado em comunicado
publicado no site deles hoje de manhã.
A partir daí a maré virou e os artistas, que há pouco eram
vítimas, foram criticados por alguns por essa, digamos assim, “mesquinharia”.
“A arte urbana não é efêmera?”, perguntavam. Claro que é, ainda mais em São
Paulo, cidade que se canibaliza todo santo dia. Os Gêmeos sabem disso, bem como
outros grafiteiros famosos da cidade como Nunca, Nina Pandolfo, Bugre, Vitché,
Alexandre Orion, Titi Freak, Speto, Zezão e Herbert Baglione. Tanto sabem que
todos estão aliados a fotógrafos que registram suas obras, caso a cidade, tanto
na figura da administração pública quanto da iniciativa privada, as engula em
nome do progresso.
Em 2006, Gustavo Pandolfo me disse o seguinte, em entrevista
para um perfil
publicado na extinta TAM Magazine: “Acho que [nossos personagens amarelos]
podem sim [melhorar a cidade], mas a cidade precisa ser organizada primeiro.
São Paulo é a cidade mais desorganizada que conhecemos. É uma cidade que ao
mesmo tempo tem lei, mas não tem lei.” Como se vê, pouca coisa mudou de lá para
cá e essa combinação de uma prefeitura que não liga para a população e uma
população que só se interessa pelo próprio umbigo despreza uma arte cuja
finalidade não é ganhar dinheiro (por isso, falar de “mesquinharia” não
procede).
Numa cidade como São Paulo e em tempos bicudos como esses, a
arte solitária do grafite (entre outras intervenções urbanas) é o único de
jeito de colorir o invisível, mesmo que por alguns instantes.
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