MÚSICA POPULAR DE ESTUPRO
O que Henrique Costa, cantor sertanejo de Nobres (MT), tem
em comum com Rafael Castro, natural de Lençóis Paulistas (SP) e uma das
revelações da nova música independente paulistana? Músicas, digamos assim,
polêmicas. Uma de cada, na verdade (o assunto aqui, portanto, não são os
artistas e sim essas músicas e o que elas representam). Vamos às provas...
PROVA 1 - “A noite tudo pode acontecer / Traz a tequila pra
ela enlouquecer / Um black, um red, um blue e fica no grau / Se bebe tudo elas
liberam geral” (“Então se Joga”,
Henrique Costa). Adaptação livre de “Psycho Killer” do Talking Heads, a música
“Então se Joga” ficou mais conhecida em fevereiro deste ano após o lançamento
de seu clipe. Mas, curiosamente, boa parte das críticas negativas acusou o
jovem de 18 anos de estragar o clássico do Talking Heads (Como se uma música
tomasse lugar da outra, baita bobagem).
PROVA 2 - “Se você bobear eu vou te encher / de birinight /
até você me achar jóia e a gente sair daqui / (...) Depois eu tiro sua roupa, /
te amo sem você ver. / Você é tão quente quietinha, / me faz derreter...” (“Vou te Encher de Birinight”, Rafael
Castro). Essa música de Rafael não é de agora, mas acabou voltando aos
holofotes após um show que fez para a Calourada da USP deste ano, o que motivou
uma estranha nota do Diretório Central dos Estudantes (a tal “Moção
de repúdio às músicas opressoras de Rafael Castro” foi divulgada mais de um
mês após o show).
Nos dois casos, a ideia central é bastante clara: embebedar
garotas para conseguir sexo. Em entrevista ao site do jornal O
Globo, Henrique Costa pediu “desculpas se alguém entendeu errado, mas eu
quis mostrar alegria e festa, só isso”. Já Rafael Castro publicou em sua página
no Facebook a sua própria (e longa) interpretação da letra, no qual enumera
“repressão sexual, julgamento de valores, depressão, baixa auto-estima e
alcoolismo se degladiando numa aproximação entre um casal que deveria ser muito
mais simples que isso. Nesse caso há uma crítica social implícita e é ela quem
vai conduzir nossa tragédia”.
E é disso mesmo que estamos falando, da tragédia que é a
violência (física, sexual, psicológica, etc) contra a mulher no Brasil. Não
adianta falar que “a música estimula apenas a diversão” ou que é uma “crítica
social” quando isso não está claro na letra. A jornalista Kátia Abreu foi
justamente nesse nó interpretativo em seu texto “Amigos,
amigos; cretinices à parte”: “O argumento mais comum é o de uma suposta
ironia na canção [de Rafael Castro]. Ora, se a intenção de uma obra não é
compreendida pelo público há de se pensar que o problema está no emissor e não
nos receptores da mensagem. Alegar ‘não entenderam a piada’ é se igualar ao
discurso de caras como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, quase unanimemente
criticados por aí”.
Meus caros, se vocês deixaram brecha para interpretarem suas
músicas como “apologia ao estupro” é porque algo vocês fizeram errado na
composição (em tempo, “Então se Joga” é do mineiro Gui Bittencourt, Henrique
Costa é apenas o intérprete). E não é possível deixar brechas quando o assunto
é estupro (aqui ou em qualquer outro lugar). Segundo o Anuário
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2010), foram registrados –
repito, registrados, o que significa que o número é maior –15704 casos de
estupro em 2008. O número saltou, em 2009, para 22477. Isso sem contar tentativa
de estupro e atentado violento ao pudor. É coisa séria, nada pop. Então, fica a
dica de Alex Castro no indispensável “Feminismo para homens, um curso
rápido”: “Para um homem, simplesmente ouvir as mulheres, sem interpelar
grosseiramente nem minimizar as agressões sofridas, já é grande parte do
processo”.
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