qual a origem de "vou te encher de birinight"?
quando foi escrita?
a música nasceu como a maioria das minhas canções,
inventando histórias no computador com o violão em punho. não foi inspirada em
nenhum fato ou acontecimento específico. foi composta, gravada e lançada em
2007.
você já tinha tido algum problema com a música antes da
calourada da usp? alguém tinha te falado algo sobre ela?
nunca tinha tido problema algum. na verdade quando viemos
pra são paulo em 2008 e começamos a fazer shows por aqui, essa era uma das
músicas mais pedidas, uma das favoritas da galera que acompanhava os shows.
favorita até de gente que tá falando mal hoje, mas é compreensível e nas
perguntas seguintes eu falo mais sobre isso.
como foi no show [realizado em 27.02.13]? na hora houve algum protesto?
no show foi tranquilo. não houve nenhum protesto além de uma
garota muito alcoolizada pedindo pra tocarmos chico buarque do começo ao fim do
nosso show, mas nós não atendemos.
o pessoal do dce entrou em contato com você depois?
o dce não entrou em contato comigo. um dos membros mandou um
e-mail para meu produtor comentando que algumas pessoas acharam o conteúdo
dessa música estranho e que se conhecessem o artista não chamariam, mas nada
foi falado além disso conosco. fica a curiosidade: como alguém contrata um show
que desconhece?
como você ficou sabendo da moção
de repúdio às "músicas opressoras" de rafael castro? o que achou
dela?
ficamos sabendo por compartilhamentos alheios no próprio
facebook; não nos avisaram em nenhum momento sobre essa moção. eu achei
despropositada e precipitada, porque eu estaria disposto a dar entrevista ou
participar de debates se convidado pelo pessoal do dce, para esclarecer
qualquer mal entendido ou me desculpar com quem houvesse se ofendido.
na moção (onde ninguém assina, permanecendo até agora um
texto anônimo) há várias acusações levianas das quais não pude me defender,
mesmo tendo mandado um texto pedindo “direito de resposta” que não foi nem
respondido nem publicado. além disso, o sistema de moderação de comentários não
permite nenhuma resposta no site onde a moção foi publicada, vetando
completamente qualquer opinião de quem a leia.
participação de tulipa ruiz no show de rafael castro durante
a calourada da usp-sp, agora em fevereiro de 2013
como você acompanhou os desdobramentos pró e contra sua
música na internet?
achei interessante, pelo bem ou pelo mal, a música chegar
onde chegou. como eu disse em um comentário, a música promoveu um grande debate
sobre arte, política, sociedade, machismo, violência, liberdade de expressão,
etc. mesmo sofrendo algumas condenações, achei que esses desdobramentos não
poderiam ser melhores porque os temas levantados são de suma importância, ainda
mais nos tempos que vivemos agora no brasil.
quando a gente conversou no facebook você disse que estava
preocupado com a gritaria [palavra minha] dos dois lados (pró e contra). que
isso estava fazendo com que um não entendesse o outro, que um enfraquecesse o
outro. pode explicar melhor?
o que acontece é o seguinte. tanto as pessoas que condenam a
canção quanto quem me defende, no frigir dos ovos, acaba generalizando muito as
coisas. as pessoas que leram a moção acabam ficando com uma impressão de que
deve existir o julgamento artístico entre certo e errado, entre permissível e
reprimível, um pensamento com um viés maniqueísta onde o artista não deveria
retratar uma violência sem uma crítica fácil de entender ou uma “lição de
moral”. isso enfraquece a arte. por outro lado as pessoas que defendem essa
liberdade de criação, acabam atacando ferozmente os movimentos e as lutas,
ridicularizando-as, diminuindo o trabalho dessas pessoas e dificultando um
diálogo que é muito importante – neste caso a violência contra a mulher. acaba
virando um bate boca desgastante sem qualquer objetivo além da própria polêmica
e isso só faz enfraquecer os dois lados. eu sou a favor dos dois e, para que
conste, sou contra qualquer violência, seja à mulher, ao trabalhador ou à
liberdade, sou a favor da existência urgente de movimentos e lutas sobre essas
e outras questões que ano após ano são reprimidas pelo nosso governo. é
ridículo que isso seja posto em questão por causa de uma obra de ficção.
em um nota
que escreveu no facebook você deu sua interpretação da música falando em
crítica social. essa interpretação mudou conforme o tempo? quando começaram a
aparecer leituras diferentes da música que a sua você se preocupou? o que
achou? pensou em reescrevê-la?
na interpretação que eu escrevi ,eu ainda estava tentando
manter o bom humor e explicar a canção pros amigos da rede social de um ponto
de vista onde poderiam haver variáveis na própria história, tipo “advogado do
diabo”. eu disse que a crítica social estava no comportamento, pessoas que
precisam beber pra se comunicar e pra aceitar outras pessoas, e que a tragédia
seria uma consequência desse comportamento típico dos oprimidos social e
sexualmente. de uma forma mais ampla, eu acho que quando você expõe um problema
do cotidiano em uma obra de arte, este simples fato já é uma crítica social,
porque ela pode agredir, pode gerar reflexões, pode trazer assuntos importantes
pra serem debatidos. eu não me preocupo com leituras diferentes porque a arte é
mutável e suas interpretações também. se compuséssemos a canção da “cabeleira
do zezé” hoje, em tempos onde felicianos e afins querem implodir e exterminar
toda a causa homoafetiva, este compositor talvez fosse hostilizado por alguns
movimentos. em outros tempos, em outros contextos, a canção pode servir como
uma celebração bem humorada da diversidade. eu acho que o ódio e a repressão
artística de tempos em tempos recaem no reflexo do contemporâneo, do medo que
as pessoas sentem, com razão.
olhando em retrospecto você acha que errou em algo ou que
faria diferente? ou está de consciência tranquila?
talvez alguns desgastes pudessem ser evitados se eu não
tivesse dado importância para a tal moção que circulava num circuito muito
restrito antes de ser publicada por mim, mas estou de consciência tranquila
porque é conversando que a gente se entende e o assunto era pertinente. espero
que as pessoas tenham percebido que debater é bom e crucificar é inútil.
o que fazer com essa música agora? como você a vê hoje?
há tempos eu não toco essa música ao vivo, porque eu e o
pessoal da banda já tínhamos enjoado dela, de tanto que pediam. na usp a gente
ressuscitou a canção porque uma das nossas participações especiais, o pélico,
gosta. não pretendo mais tocá-la ao vivo por enquanto porque o tom da música
não está conversando com esses tempos de repressão e medo, além de ter se
desgastado com a polêmica. eu continuo achando que os artistas devem expressar
aquilo que eles querem do jeito que eles querem, mesmo correndo o risco de
serem mal interpretados ou acusados disso ou daquilo. talvez seja justamente
esse tipo de coisa que está faltando. e pra quem pensa que ficar perseguindo
artistas ajuda em alguma coisa, eu sinceramente recomendo que olhem o brasil
pelo buraco mais embaixo.
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