quarta-feira, 1 de maio de 2013

mexidão #07

fui percebendo com o tempo que a mistura de cultura e política se tornou um dos principais tópicos da minha vida profissional. mais ou menos evidente em tudo que escrevo, mas principalmente no yahoo. então, por exemplo, dei um tempo das polêmicas quentes do cotidiano lá no mexidão para falar do cantor e compositor rodriguez e da sua história contada magnificamente pelo documentário searching for sugar man. obviamente a política acabou se metendo lá pelas tantas... coisas da minha vida, minha nega, e de mais um monte gente.


O CULTUADO ANONIMATO DE RODRIGUEZ

Conheci a música de Rodriguez – ou Sixto Rodriguez ou Jesus Rodriguez – uns três anos atrás por causa de um relançamento de seu primeiro disco, Cold Fact (1970). Não sou fã de folk music, gosto de uma coisa aqui e outra ali, mas tinha algo de muito urgente em suas crônicas urbanas sobre despossuídos como ele (viciados, moradores de rua, trabalhadores braçais, etc.). Sem falar que canções como “Sugar Man”, “Inner City Blues”, “Crucify Your Mind” e “Rich Folks Hoax” ganharam arranjos inspiradíssimos criados pelos produtores-músicos Dennis Coffey e Mike Theodore.

Mas não sabia nada sobre sua vida e de sua carreira só tinha conhecimento que havia lançado outro disco, Coming from Reality (1971), e depois que este também não fez sucesso nos Estados Unidos ele sumiu do mapa. Então surgiu o longa Searching for the Sugar Man (2012), do diretor sueco Malik Bendjelloul, com uma história tão absurdamente fantástica que nenhum ficcionista poderia ter imaginado. O filme acabou ganhando, este ano, o Oscar de Melhor Documentário.


É que enquanto sua terra natal o ignorava solenemente – e ele voltava a trabalhar, sem crise, na construção civil de Detroit –, Rodriguez se tornou objeto de culto na distante África do Sul. Segundo a lenda, uma americana levou o disco para o país nos anos 1970 e jovens brancos (os afrikaners descendentes de holandeses) começaram a fazer cópias e cópias em fitas K-7. Foi a época mais violenta do apartheid e toda a comunicação era controlada por um dos mais autoritários e segregacionistas Estados do século 20. A crítica social nas letras de Rodriguez caiu como uma luva nos corações daqueles que viam o absurdo de ver a grande maioria negra e nativa ser perseguida, brutalizada, sem nenhum direito.

Só que Rodriguez não sabia de sua fama na África do Sul, do quanto influenciou a juventude e de que possivelmente seu disco Cold Fact vendeu cerca de 500 mil cópias por lá. Também  não sabia que outra lenda afirmava que ele tinha suicidado em pleno palco e as versões variavam entre um tiro na cabeça e o ateamento de fogo em seu próprio corpo. Esse desconhecimento mútuo durou até 1997 quando um fã sul-africano criou uma página na internet para tentar descobrir o paradeiro do ídolo (já sabendo que ele estava vivinho da silva). Não demorou muito para que uma das três filhas do compositor de origem hispânico-indígena entrasse em contato girando a roda viva de um emocionante reconhecimento tardio. Flores em vida, diria Nelson Cavaquinho.


De lá para cá, Rodriguez voltou a fazer shows e ganhou reconhecimento em seu país, sem nunca deixar de ser um cara que canta a dor das ruas, um trabalhador-artista meio louco e muito lúcido. Ouvindo Rodriguez e sua história tão bem contada em Searching for Sugar Man acabei lembrando uma passagem de A Lebre da Patagônia, livro de memórias do cineasta e escritor Claude Lanzmann: “(...) os humanos só são humanos porquê tem a capacidade de transformar num valor aquilo que os oprime e sacrificar-se por ele. Isso é a humanidade em si, mas também pode ser chamado de tradição, como vimos, e mais ainda, de cultura” (pág. 272). Podiscrê.

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