O CULTUADO ANONIMATO DE RODRIGUEZ
Conheci a música de Rodriguez
– ou Sixto Rodriguez
ou Jesus Rodriguez – uns três anos atrás por causa de um relançamento de seu
primeiro disco, Cold Fact (1970). Não
sou fã de folk music, gosto de uma coisa aqui e outra ali, mas tinha algo de
muito urgente em suas crônicas urbanas sobre despossuídos como ele (viciados,
moradores de rua, trabalhadores braçais, etc.). Sem falar que canções como
“Sugar Man”, “Inner City Blues”, “Crucify Your Mind” e “Rich Folks Hoax”
ganharam arranjos inspiradíssimos criados pelos produtores-músicos Dennis
Coffey e Mike Theodore.
Mas não sabia nada sobre sua vida e de sua carreira só tinha
conhecimento que havia lançado outro disco, Coming
from Reality (1971), e depois que este também não fez sucesso nos Estados
Unidos ele sumiu do mapa. Então surgiu o longa Searching for the Sugar Man (2012), do diretor sueco Malik
Bendjelloul, com uma história tão absurdamente fantástica que nenhum
ficcionista poderia ter imaginado. O filme acabou ganhando, este ano, o Oscar
de Melhor Documentário.
É que enquanto sua terra natal o ignorava solenemente – e ele
voltava a trabalhar, sem crise, na construção civil de Detroit –, Rodriguez se
tornou objeto de culto na distante África do Sul. Segundo a lenda, uma
americana levou o disco para o país nos anos 1970 e jovens brancos (os afrikaners descendentes de holandeses)
começaram a fazer cópias e cópias em fitas K-7. Foi a época mais violenta do apartheid e toda a comunicação era
controlada por um dos mais autoritários e segregacionistas Estados do século
20. A crítica social nas letras de Rodriguez caiu como uma luva nos corações
daqueles que viam o absurdo de ver a grande maioria negra e nativa ser perseguida,
brutalizada, sem nenhum direito.
Só que Rodriguez não sabia de sua fama na África do Sul, do
quanto influenciou a juventude e de que possivelmente seu disco Cold Fact vendeu cerca de 500 mil cópias
por lá. Também não sabia que outra lenda
afirmava que ele tinha suicidado em pleno palco e as versões variavam entre um
tiro na cabeça e o ateamento de fogo em seu próprio corpo. Esse desconhecimento
mútuo durou até 1997 quando um fã sul-africano criou uma página na internet
para tentar descobrir o paradeiro do ídolo (já sabendo que ele estava vivinho
da silva). Não demorou muito para que uma das três filhas do compositor de
origem hispânico-indígena entrasse em contato girando a roda viva de um
emocionante reconhecimento tardio. Flores em vida, diria Nelson Cavaquinho.
De lá para cá, Rodriguez voltou a fazer shows e ganhou
reconhecimento em seu país, sem nunca deixar de ser um cara que canta a dor das
ruas, um trabalhador-artista meio louco e muito lúcido. Ouvindo Rodriguez e sua
história tão bem contada em Searching for
Sugar Man acabei lembrando uma passagem de A Lebre da Patagônia, livro de memórias do cineasta e escritor
Claude Lanzmann: “(...) os humanos só são humanos porquê tem a capacidade de
transformar num valor aquilo que os oprime e sacrificar-se por ele. Isso é a
humanidade em si, mas também pode ser chamado de tradição, como vimos, e mais
ainda, de cultura” (pág. 272). Podiscrê.
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