terça-feira, 28 de maio de 2013

mexidão #10 e #12

vivo cada vez mais distante do futebol, das torcidas, dos campeonatos, de tudo que gira ao redor da bola. mas a copa do mundo que acontecerá aqui no ano que vem tem sido uma cascata inesgotável de assuntos para quem gosta de pensar o país. acabei então, por força do noticiário, falando da copa em dois textos do mexidão. o primeiro foi sobre o autoritarismo interventor da fifa e o segundo sobre a polêmica caxirola "criada" por carlinhos brown como instrumento-símbolo da copa do mundo do brasil (e ontem o instrumento foi banido da copa das confederações, que começa agora em junho, por causa do incidente em salvador descrito no texto).



AH, QUE É ISSO? A FIFA ESTÁ DESCONTROLADA

Tem algo de muito errado no mundo quando um sujeito solta, tranquilão, a seguinte frase: “Vou dizer algo que é maluco, mas menos democracia às vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo. Quando você tem um chefe de estado forte, que pode decidir, assim como Putin poderá ser em 2018, é mais fácil para nós organizadores do que um país como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentes níveis”. O tal sujeito é Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, e essa asneira foi dita durante um simpósio ontem, 24 de abril, em Zurique, sede da organização que organiza a Copa do Mundo.

Lida sobre outro prisma, a asneira de Valcke é um elogio ao Brasil. Durante o mesmo evento ele falou sobre o país nos seguintes termos: “A principal dificuldade que temos é quando entramos em um país onde a estrutura política é dividida, como no Brasil, em três níveis: federal, estadual e municipal. São pessoas diferentes, movimentos diferentes, interesses diferentes e é difícil organizar uma Copa nessas condições”. Pois é, meu caro francês maluco, democracias são assim, um acordo entre diferentes, e é bom que assim sejam.

Mas pelo jeito, o pessoal da Fifa não está se contentando apenas com elogios a países ou líderes autoritários, eles querem mesmo se tornar um. É que hoje apareceu uma notícia tão absurda no site do jornal Tribuna da Bahia que por algum tempo achei que fosse uma piada do satírico Piauí Herald. A manchete grita que a “Fifa proíbe São João em Salvador”. Acuma? Isso mesmo, segundo a reportagem a prefeitura da cidade recebeu ordens da Fifa para não liberar alvarás para festas de rua durante o mês de junho deste ano, época que Salvador será uma das sedes da Copa das Confederações. E antes tinham tentado impedir (sem sucesso, felizmente) a venda de acarajé no entorno do estádio para não ferir os sentimentos do McDonald’s.

Nunca fui do time anti-Copa. Claro que o Brasil está pronto (ou está ficando) e um evento como a Copa injeta muito dinheiro na economia do país, mesmo que, como sempre, seja mal distribuído ou desviado. Porém, desde a violência que aconteceu na Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, comecei a ter certeza que a coisa está fora do controle. Na certeira definição de @viniciusduarte, “sediar Copa do Mundo é um cavalo de Tróia”, é colocar o inimigo para dentro.

A Fifa é como a enigmática e fechada Coreia do Norte, só que transglobal, cheia de grana e muito influente. Com a promessa de carradas de dinheiro e visibilidade, a organização entra nos países e vai corroendo durante um tempo suas soberanias, violando direitos sociais, pintando o sete geral a seu bel prazer (com o conluio do governo federal, Estados e municípios, todos embevecidos pelo canto da sereia da bola redonda). Mas a Copa vai acontecer, de um jeito ou de outro, e o que dá para fazer agora é ficar atento a tudo porque já deu essa história do dinheiro passar por cima das pessoas. Perdemos Aldeia Maracanã, vencemos a Batalha do Acarajé, e isso é só o começo.


MAIS CAXIXI, MENOS CAXIROLA

Não pensei que iria voltar a tratar da Copa tão cedo. Sinceramente. Só que poucos dias após ter publicado “Ah, que é isso? A FIFA está descontrolada” aconteceu a Revolta das Caxirolas e uma coisa assim não pode passar em brancas nuvens pelo Mexidão. Bem, a essa altura do campeonato quase todo mundo já está nervoso de saber o que é a caxirola, mas não custa fazer um flashback rápido...

Do nada, a FIFA e o Ministério dos Esportes vieram a público apresentar o instrumento musical símbolo da Copa das Confederações e da Copa do Mundo no Brasil. Criação do multi-instrumentista Carlinhos Brown, a caxirola é um chocalho de plástico feito a base de cana-de-açúcar produzida pela Brasken. O músico baiano registrou sua nova obra – contratada não sabe-se como e em quais termos pelo governo – e vendeu os direitos de fabricação e distribuição para a multinacional The Marketing Store. Os valores dessa gigantesca transação não são revelados (o valor de R$ 1,5 bilhão foi estimado aqui e ali), mas o preço sugerido ao torcedor é R$ 29,90.

Daí que logo na estreia oficial do instrumento, domingo passado, 28 de abril, o reformulado Estádio da Fonte Nova viu uma revoada de caxirolas rumo ao gramado. Eram torcedores revoltados do Bahia protestando contra seus dirigentes, enquanto o time perdia para o rival Vitória por 2 a 1. Foi o bastante para o pessoal da grana ficar de orelhas em pé prevendo novas manifestações não-musicais já agora na Copa das Confederações. Bateu um medinho e estão pensando em colocar uma bula para ensinar ao brasileiro como usar o instrumento com responsabilidade.

É isso que dá pensar só em dinheiro e não nas pessoas que fazem e sustentam o espetáculo. Porque, será mesmo que eles acham que ninguém perceberia que a caxirola não passa de um caxixi de plástico? E que é um completo absurdo privatizar um bem cultural tradicional? Ou então que a caxirola não tem relação alguma com o futebol brasileiro? Só mesmo Galvão Bueno e Tadeu Schmidt, os porta-vozes futebolísticos da Globo, para defenderem tal disparate.

Direto ao ponto, o jornalista José Trajano afirmou durante o programa Linha de Passe (ESPN) que o torcedor tem o direito de jogar a caxirola onde bem entender. Na Copa da África do Sul as vuvuzelas podiam ser (e eram) um inferno para os ouvidos estrangeiros, mas eram genuínas integrantes da cultura do futebol no país. E a caxirola? Até quinze dias atrás ela nem existia! Porque diabos deveríamos aceitar algo imposto por essa dobradinha poder público/iniciativa privada e que provavelmente foi gestado em algum reunião de brainstorm com publicitários de sapatênis?

Mas nada disso me surpreende, na verdade. Agora, o papel de Carlinhos Brown nessa tragicomédia... como é que pode um sujeito assumidamente ligado à cultura popular pegar um instrumento tradicional (alô pessoal da capoeira!), dar um tapinha e registrar como criação sua?! Sou fã de Brown e o defendi em março do ano passado no texto “Quem tem medo de Carlinhos Brown?”, mas prevejo que a chuva de garrafas que tomou na cabeça durante o Rock in Rio em 2001 vai ser pinto perto do tsunami de caxirolas que se avizinha por aí. Olha, a Revolta da Caxirola virou até cordel.

Essa apropriação privada de um instrumento popular é o mais grave desse caso, mais até do que a imposição de um símbolo (o pessoal da grana que se vire com o encalhe das caxirolas). Em texto contundente, o antropólogo Henrique Parra tem uma sugestão para minimizar o absurdo dessa situação: “Se o governo está interessado em criar um símbolo, bem poderia indicá-lo e deixá-lo livre, como são os símbolos, ao invés de transformá-lo em propriedade privada. (...) Diversas fabricantes nacionais poderiam produzi-lo, diversos comerciantes locais poderiam distribuí-lo e aquelas corporações interessadas em fazer o produto circular em “outras esferas” (produtos especializados para consumidores endinheirados) poderiam recolher uma taxa específica cujos recursos poderiam ser destinados ao apoio de milhares de escolas de capoeira e grupos culturais espalhados pelo País”. Isso sim é um Brasil de todos.

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