uma coisa certa nessa vida: tom zé é foda. hoje com 76 anos, o artista segue produzindo a mil por hora, experimentando, olhando e pensando sobre o presente e o futuro da cultura e da música popular, e com bom humor, sem parar, sem parar. as críticas que surgiram com sua participação em uma propaganda da coca-cola o fizeram criar um de seus trabalhos mais interessantes e divertidos dos últimos anos, o EP tribunal do feicebuqui. lá no yahoo falei dessa resposta-musical que ainda contou com a participação de uma boa turma de jovens músicos paulistanos - o terno, emicida, tatá aeroplano, trupe chá de boldo e filarmônica da pasárgada - sob curadoria do jornalista marcus preto. de seus discos dos anos 2000 gosto muito de estudando o pagode e jogos de armar, gosto de estudando a bossa, imprensa cantada e pirulito da ciência, achei danç-êh-sá muito chato e ainda não entendi direito o tropicalismo lixo lógico. só a partir dessa listinha é possível ver o muito que o baiano produziu nos últimos anos e sempre muito intensamente. quer dizer, você pode não entender, pode até não gostar, mas é impossível não respeitar um cara apaixonado como ele e que ainda faz tanto pela música e pelo brasil... após ter lançado tribunal do feicebuqui deu ótima entrevista no programa roda viva e pagou um esporro federal durante show no circo voador (porque alguém jogou um copo de cerveja no palco).
O ARROTO GOSTOSO DE TOM ZÉ
Foi no início de março deste ano que apareceu na TV e na
internet uma propaganda da Coca-Cola narrada por Tom Zé. Rapidamente, como sempre nos tempos
de hoje, apareceram um tanto de comentários críticos à participação do artista
na publicidade do refrigerante. “Tom Zé, seu vendido” foi o mantra repetido ad nauseam nas redes sociais.
O baiano de Irará, 76 anos, é um dos maiores artistas da
música brasileira (e, consequentemente, do mundo). Também é um dos mais
irrequietos, originais e coerentes. Por tudo isso ele já merecia um pouco de
mais maturidade nas críticas, mas Tom Zé nunca fez sucesso (em sucesso leia-se,
no caso, dinheiro) na vida, apesar de ser referência para centenas de artistas
brasileiros e internacionais. E durante cerca de 15 anos, do final da década de
1970 ao inícios dos anos 1990, passou por profundas dificuldades financeiras
que quase o fizeram desistir da carreira.
Mas os mimados
da internet se acham no direito de julgar e apontar o dedo – quem destes
comprou um disco dele ou foi em shows? – e tanto fizeram que Tom Zé publicou um
texto
em seu blog. Genuinamente preocupado, afirmou o seguinte: “É curioso que
quando fui consultado sobre o anúncio nem pensei nessa probabilidade [das críticas negativas]. No ano passado
meu disco [Tropicália Lixo Lógico] fora
patrocinado pela Natura e como eu nunca tinha recebido patrocínio desse tipo –
nem de nenhum outro – , cara, eu me senti como um artista levado em conta!”.
Não tem nada de errado na propaganda da Coca narrada por Tom
Zé. Tem uma graça e um otimismo pelo Brasil que são típicos dele. Mas certos
fãs que ainda acreditam que o refrigerante é o “líquido negro do capitalismo”
ou algo parecido não lhe perdoaram (e, veja bem, a Natura, que é bem
brasileira, não é nada
santa). E não adiantou o compositor de clássicos como “Angélica, Augusta,
Consolação” falar que o dinheiro ganho será reinvestido em sua própria música
(nada de carrões, iate, cobertura de luxo, etc).
“Atualmente sinto paixão pela retomada do projeto dos instrumentos
experimentais de 1972. Com a eficiente colaboração do engenheiro Marcelo
Blanck, começamos a desenvolver alguma tecnologia, mas com recursos parcos,
insuficientes. (...) Aí entrou o anúncio da Coca-Cola que, mesmo sem ela saber,
patrocinaria boa parte da pesquisa”, disse no blog. Humildemente ainda
perguntou: “Será que o uso dos recursos obtidos com o anúncio muda a avaliação
de vocês?”. Olha o tamanho da fofurice e da atenção do sujeito! Eu já teria
mandado todo mundo catar coquinho na ladeira.
Só que Tom Zé é mais, muito mais. Nesse meio tempo ele se
reuniu com um grupo de jovens artistas de São Paulo (Emicida, O Terno, Tatá
Aeroplano, Filamônica de Pasargada e Trupe Chá de Boldo), gravou e acabou de
lançar o EP Tribunal do Feicebuqui
para dowload gratuito em seu site oficial.
Nas cinco faixas do disco, Tom Zé dá um tapa com luva de
pelica nos patrulheiros da vida alheia. Estão lá versos irônicos como “Que é
que custava morrer de fome só pra fazer música?” (em “Tom Zé Mané”) ou “O povo,
querida, com pedras na mão voltadas contra o imperialismo pagão / E na
cerimônia do beija-pé / Papa Francisco perdoa Tom Zé / No Feicebuqui da Santa
Sé / Papa Francisco perdoa Tom Zé” (em “Francisco perdoa Tom Zé). É isso, meu
caro Tom Zé, arrota melhor quem arrota melhor.
p.s.: seguem abaixo as cinco músicas do tribunal do feicebuqui.
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