outro frila deste fim de ano foi um perfil do jogador kléber, o gladiador, para a revista oas. a entrevista foi por email, já que o atacante está morando agora em porto alegre e não houve tempo hábil para rolar o encontro, mas gostei do resultado e o texto virou matéria de capa. agradecimentos a humberto peron, bróder dos tempos da revista monet, que me ajudou com seu conhecimento de causa futebolístico (coisa que não tenho, obviamente).
GLADIADOR DE CARA NOVA
Após conquistar títulos e desafetos pelos times que passou, como São
Paulo, Palmeiras e Cruzeiro, o atacante Kléber vive a serenidade de uma nova
fase ao defender o Grêmio
Kléber
Giacomance de Souza Freitas não aparenta os 29 anos que completou no último 12
de agosto. Muito menos ser pai de três meninas. Talvez por causa da cara de moleque
ou da timidez nas entrevistas. Mas
Kléber se transforma com a bola nos pés e tem sido assim desde que, ainda moleque,
jogava nas ruas de terra do bairro Jardim Novo Osasco, em Osasco, Grande São
Paulo.
“Ele é um
jogador muito voluntarioso que não desiste nunca das jogadas. É um atacante que
os zagueiros não gostam de enfrentar, pois tem força física para resistir aos
encontrões com os defensores e não tem medo de cara feia”, explicou Humberto
Peron, colunista de futebol da Folha.com. Isso porque, entre quatro linhas, ele é o Gladiador, apelido que recebeu na sua vitoriosa
passagem pelo Dínamo de Kiev, o segundo time que jogou profissionalmente.
Nos quatro anos que morou na capital da Ucrânia, país que fica entre a
Polônia e Rússia, Kléber foi figura central nos cincos títulos que o time
recebeu entre 2004 e 2007. “Foi difícil no começo
porque não falava nada. Tinha um tradutor, mas ele só ajudava nos assuntos do
clube. Na rua, a gente tinha que se virar. Na época tinha 20 anos, e só havia
morado com os pais, mas foi uma baita experiência. Não me arrependendo de nada.
Aprendi a dar valor a muitas coisas. Só que o frio é muito intenso”, explicou
Kléber em entrevista exclusiva.
Além dos ucranianos, outros torcedores já exaltaram a raça de Kléber.
Primeiro foram os são paulinos – que o viram nas categorias de base e quando se
profissionalizou em 2003 - e depois os palmeirenses, cruzeirenses e, desde
novembro de 2011, os gremistas. “Nunca pensei em
outra coisa que não fosse jogar futebol. Tentaria até onde desse. Se não
rolasse, aí sim pensaria em outra coisa”, disse com sua habitual sinceridade.
Se a raça é uma das características do jogador em campo, a sinceridade é
uma das mais notáveis extra-campo. Uma sinceridade quase suicida, afinal Kléber
é de uma espécie cada vez mais rara de boleiro: o que pensa e fala o que pensa. Já se indispôs com dirigentes
e técnicos, mas ultimamente ganhou a consciência de que “é o resultado
de campo que prevalece [sobre qualquer crítica]. Sou um cara
bastante esclarecido nesse sentido. Sei que as críticas fazem parte da vida de
um jogador de futebol. Me expresso contrariamente quando vejo necessidade, mas
sempre com respeito. Claro que às vezes isso tem um preço, mas é normal”.
A combinação de
raça e sinceridade ocasionalmente também ganha forma de botinadas e expulsões
durante as partidas. “O grande problema é que o Kléber ainda perde a cabeça e
muitas vezes toma cartões vermelhos bobos que prejudicam a equipe. Também fala
sempre o que pensa, o que muitas vezes, deixa os companheiros ressabiados”,
explicou o jornalista Humberto Peron.
No entanto,
este ano em Porto Alegre acabou lhe dando mais tempo para refletir sobre si
próprio e a carreira. Não foi sua intenção, na verdade, mas a fratura da fíbula
em março e uma consequente cirurgia o tiraram de combate durante o final do
Campeonato Gaúcho e o início do Campeonato Brasileiro deste ano. Resultado:
ficou mais tempo em casa, junto da família e ouviu até um pedido surpreendente
de uma das filhas (“Pai, para de ser
expulso”). Ele ri toda vez que se lembra da frase.
A lesão/afastamento da principal e mais cara contratação de um time no
ano geralmente acarreta mal estar do atleta com dirigentes e torcida, mas
aconteceu o contrário com Kléber, o Grêmio e os gremistas. “Desde que cheguei fui tratado de maneira maravilhosa por todos. A lesão
acabou até fortalecendo o laço, principalmente com a torcida, que esteve do meu
lado durante toda a recuperação. Ficar algum tempo parado prejudicou um pouco
porque o problema não é a lesão em si, mas o pós-lesão. Enquanto os demais
estavam ‘voando’, eu tive que começar do zero. Mas hoje sei que estou ajudando
o grupo em busca dos nossos objetivos”.
E faz questão
de frisar a sintonia com a torcida do Grêmio. “Você tem que ter raça e vontade
para conquistar o torcedor do Grêmio. Essas características são muito
valorizadas aqui. A torcida me apoia muito, o que acaba me incentivando ainda
mais”.
O jornalista
Humberto Peron concorda com a avaliação de Kléber: “Ele fez um bom campeonato
brasileiro e seu estilo guerreiro está agradando a torcida tricolor. Acho que
ele deve ficar um bom tempo no Grêmio. No próximo ano, com o time jogando a
Libertadores, ele deve brilhar mais”.
O Campeonato
Gaúcho e a Libertadores serão os primeiros desafios de Kléber em 2013. O
Brasileirão fica para o segundo semestre. São todos títulos inéditos na
prateleira do jogador, que ganhou o Paulista em 2008 e o Mineiro em 2009. Mas
fora esses títulos inéditos existe uma outra importante lacuna na carreira do
Gladiador, a Seleção Brasileira.
Em 2003, Kléber
esteve, ao lado de Nilmar e Dagoberto, na seleção que ganhou o Mundial Sub-20.
No entanto, por essas obras do destino, nunca foi chamado para a principal. “Ele
é um jogador com bons recursos técnicos e que consegue jogar tanto como um
homem fixo entre os zagueiros ou atuando pelos lados do campo, o que se chama
de segundo atacante - penso até que nessa função ele rende mais. Porém, as
chances deles na seleção são remotas, mesmo tendo condições técnicas para
jogar. Acho que pesa contra ele a concorrência. Hoje ele teria que brigar por
uma vaga com nomes como Neymar e Lucas”, explica Humberto Peron.
Quando o
assunto é a “amarelinha”, o jogador sai pela tangente para evitar futuras
portas fechadas. “Seleção Brasileira é o sonho de todo jogador e comigo não é
diferente. Mas nesse momento não penso nisso. Penso em ser campeão pelo Grêmio
e marcar época no clube nesse momento tão importante de saída do Olímpico e ida
para a Arena”, resume diplomaticamente.
Por isso nem
cogita o que vai fazer quando parar de jogar. Comentarista de TV? Técnico?
Dirigente? Nada disso o interessa no momento. Ao mesmo tempo sabe que uma hora,
pela idade ou por lesões, terá que se aposentar. Pelas beiradas, Kléber tem se
mostrado um versátil homem de negócios com direito a uma pousada no litoral
norte de São Paulo e uma série de lojas em um shopping de sua Osasco natal. “Meu pai é formado em Administração e
meu irmão em
Contabilidade. Tenho estas facilidades. Eles tomam conta de
tudo”.
Enquanto não
pendura as chuteiras, o jogador segue determinado a ganhar títulos com sua raça
de sempre aliada a uma recém-descoberta serenidade. Sabe que sua categoria não
é muito unida e que o dinheiro fala sempre alto, mas que também é preciso
admitir os avanços do futebol nacional na última década. “O futebol daqui
evoluiu bastante. Os clubes também estão se estruturando mais e isso reflete
dentro de campo, pois hoje vemos grandes nomes jogando aqui, algo que não
acontecia há pouco tempo”.
Mas Kléber não
seria Kléber sem deixar de apontar criticamente o que ainda pode melhor. “Temos
um problema com o calendário. Vamos terminar 2012 com quase 80 partidas na
temporada. Isso não existe na Europa, por exemplo”. Então, de repente, quase é
possível imaginar um futuro no qual o jogador seja presidente da CBF. E com a
mesma cara de menino de agora. Quem sabe?