VALE CULTURA OU É POR QUILO?
Lançado em julho de 2009 pelo então presidente Lula, o Vale
Cultura passou por uma longa via crucis em Brasília até finalmente ser
aprovado pela Câmara dos Deputados, em 21 de novembro último, e no Senado,
ontem. O último passo agora, e o mais previsível deles, é a aprovação da
presidenta Dilma Roussef. Os R$ 50 mensais servirão a trabalhadores em regime
de CLT, e que ganhem até 5 salários mínimos, “para entrar em teatros, cinemas,
comprar livros, CDs e consumir outros produtos culturais”. Segundo o Ministério
da Cultura, o número de trabalhadores beneficiados pode chegar a 12 milhões.
Na época de seu lançamento , o projeto recebeu críticas
reveladoras tanto da oposição, liderada pelo então senador & amigo de
bicheiro Demóstenes
Torres, quanto pela grande imprensa. Em editorial, o Estadão afirmou que o
“mais grave é o risco de que grande parte do dinheiro, em vez de ajudar na
formação dos trabalhadores de baixa renda, vá para produtos e eventos culturais
de grande apelo popular, mas com escasso teor educativo, como shows de axé,
livros de autoajuda e comédias de gosto duvidoso protagonizadas por atores de
televisão”. Notem, por favor, os exemplos pinçados pelos senhores
editorialistas (axé, autoajuda e comédias com atores de TV).
No mesmo dia, na Folha de S. Paulo, Gilberto Dimenstein
afirmou algo parecido: “Não é elitismo querer que dinheiro público não
patrocine espetáculos de shows de música funk, sertaneja ou pagode. Ou que vá
para autores de livros de autoajuda ou filmes de violência. Assim como
obviamente, não tem nada de errado que as pessoas se divirtam como quiserem”.
Quer dizer, não tem nada de errado se a patuléia quiser o mesmo que você, né
Sr. Dimenstein-Sabe-Tudo-do-Bom-e-do-Melhor?
Críticas assim, de um elitismo galopante e descarado, dizem
mais sobre quem as faz do que sobre o que é criticado. Poderiam dizer que R$ 50
é muito pouco ou então que esse esquema de renúncia fiscal é passível de
corrupção. Não, nada disso. A simples ideia de garantir acesso à cultura (qualquer
cultura) aos mais pobres, mesmo que timidamente e com riscos de falta de
adesão, parece uma ofensa na cabeça dessa gente fina, elegante e nada sincera
que se acha melhor que os outros.
Não importa se a pessoa usar os R$ 50 para comprar um livro
do Padre Marcelo Rossi, um DVD sertanejo, um ingresso para o filme novo do
Bruno Mazzeo ou uma coletânea pirata de funk. Aí vai de cada um e é preciso
respeitar (coisa rara nesse tempo de ditadores de regras). Cultura é movimento
e produção, acesso e distribuição, variedade e necessidade, uma coisa puxando as
outras. Se o Vale Cultura vai dar certo são outros quinhentos, mas é certo que
pelo menos se procure uma ou mais iniciativas para diminuir a desigualdade de
acesso a um dos bens mais importantes da vida humana, coisa que o Ministério da
Cultura, na gestão Ana de Hollanda, não vinha fazendo (assunto tratado no texto
“Estamos
perdidos?”).
p.s.: e por falar em Vale Cultura, acho que o pessoal da
redação da Veja está precisando do benefício. A mesma revista que definiu como
“idiota moral” um dos maiores historiados do mundo, Eric Hobsbawn (1971-2012),
disse ontem, por meio de seu principal articulista raivoso, que Oscar Niemeyer
(1907-2012) era “metade idiota”. Quando dois gênios que contribuíram
imensamente para a cultura mundial são chamados de idiotas por uma publicação
acho que fica bem claro de que lado é melhor ficar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário