foto: bruno veiga
O CÉU QUE NOS PROTEGE
Desde que o mundo é mundo, um teto é muito mais que a segurança de que o céu, o sol e a chuva não desabem sobre nossas cabeças. “A história da humanidade está relacionada ao uso dos tetos como suporte para o registro de hábitos, ideologia e crenças do homem ao longo da sua história. Ao estudar a intervenção humana nos tetos, a partir dos primeiros registros nas cavernas até o uso de tecnologia atuais, pode-se conhecer a maneira como vive ou vivia determinada civilização. Como pensavam, no que acreditavam, seus hábitos e seu cotidiano”, explicou Renata Lima, coordenadora editorial de Tetos do Brasil – Origem, História e Arte (Editora Babel).
Experiente produtora cultural que vem se dedicando
ultimamente ao mercado editorial, Renata teve a ideia deste trabalho numa
viagem a Lisboa, em 2010, quando pesquisava sobre calçadas portuguesas para o
livro-ensaio Tapetes de Pedra (19
Design). “Quando pensei em fazer o livro dos tetos tinha certeza que, pelo que
já tinha visto mundo afora, teríamos material suficiente para um livro de referência
sobre assunto. É que nosso patrimônio é riquíssimo. Basta entrar em qualquer
igreja em Salvador ou passear por Brasília, olhar para o alto e perceber que o
Brasil vem contribuindo há séculos nessa fina arte”, disse.
Numa edição luxuosa com 240 páginas, o livro traz belos
ensaios fotográficos assinados por Bruno Veiga (coloridas) e Cristiano Mascaro
(preto & branco) com os mais importantes tetos preservados de edificações
brasileiras, e ainda os relaciona, em textos escritos por especialistas, com o
momento histórico e estético em que foram realizados. Sem esquecer, claro, das
especificidades e misturas da nossa arquitetura tropical.
foto: bruno veiga
É que desde que os primeiros carpinteiros e pedreiros
portugueses aportaram por essas bandas, quando o Brasil ainda nem era chamado
assim, a influência da metrópole foi sendo revista pelo clima, topografia e
materiais disponíveis na colônia. “A austera e sombria casa peninsular
portuguesa perdeu sua discrição e aspereza no Brasil e o uso da varanda externa
forneceu a necessária integração com o mundo exterior”, afirmou o arquiteto
Altino Caldeira, professor da PUC-MG e um dos convidados a escrever em Tetos do Brasil.
O conhecimento técnico dos índios também não era nada
desprezível, como muitos experts acharam por bastante tempo, e sua discreta
sofisticação fica patente no depoimento que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha
deu ao livro. “Ele desenhou o teto de uma oca e comparou com o interior da
catedral de Florença. Impressionante como a estrutura é similar. O que parece
simples é na verdade de uma engenhosidade genial”, revelou Renata sobre uma das
surpresas pessoais que teve durante a pesquisa.
De qualquer forma, igrejas e prédios públicos sempre foram
os primeiros a ganharem construções mais esmeradas e seus tetos serviam como um
fecho de ouro, ou uma carta de intenções, de tudo que estava relacionado à
ostentação de seu próprio poder (religioso, político, financeiro, etc). Estão
no livro exemplos muito bem preservados da arquitetura do Brasil Colonial em
Salvador (Nossa Senhora da Conceição), Olinda (Mosteiro de São Bento) e Sabará
(Nossa Senhora do Ó), por exemplo. Mas não há como negar que foram cidades
mineiras como Ouro Preto, Diamantina, Tiradentes, Sabará e Congonhas, por causa
do Ciclo do Ouro no século 18, que mais se beneficiaram de tanto esmero. “Igrejas
e casario demonstram em suas particularidades os resultados de uma arte que
unia sentimento, devotamento e grande qualidade expressiva”, resumiu Caldeira
sobre o barroco mineiro e seus tetos recheados de anjos e eventos, religiosos
ou mundanos.
No início do século 19, com a chegada da Família Real (1808)
e a Independência do Brasil (1822), foi a vez da então capital Rio de Janeiro
ganhar mais sofisticação em suas construções. E enquanto esse século chegava ao
fim, outras cidades e regiões eram beneficiadas por novos ciclos e boom
econômicos: São Paulo e o Vale do Paraíba com o café, Manaus e Belém com a
borracha. “Dos últimos momentos do Império herdamos os tetos das fazendas do
café, das Casas de Misericórdia e dos palácios, onde se concentraram as
riquezas que sobreviveram ao tempo do Brasil Colônia”, relembrou Caldeira. No
livro, essas heranças são exemplificadas nas fotos das casas de fazenda da
região de Bananal (SP) e no impressionante Real Gabinete Português de Leitura
no Rio de Janeiro.
Também no final do século 19 ocorreu a primeira grande leva
de imigrantes não-ibéricos, o que estabeleceu outros contatos e influências do
Brasil com o resto da Europa. De um lado veio o ecletismo, uma mistura de
inúmeros estilos arquitetônicos de épocas diferentes, que já estava espalhado
pelo Velho Mundo e virou moda nas grandes cidades brasileiras. Por outro, a
chegada da luz elétrica e de novas tecnologias que conseguiam moldar mais
facilmente ferro e vidro ampliaram os horizontes da então jovem arquitetura
brasileira. E os tetos ganharam novos adereços. Assim nasceram o Teatro Amazonas
em Manaus, o Teatro Municipal e a Confeitaria Colombo no Rio de Janeiro, e a
Estação Júlio Prestes em São Paulo.
foto: cristiano mascaro
Mas foi no século 20, após o fim da Primeira Guerra Mundial,
que as mudanças começaram a acontecer mais rapidamente na arquitetura. O que
era rebuscado foi se tornando cada vez mais direto, minimalista e
(enganosamente) simples, muito por causa do concreto. “Acrescentando um novo
repertório aos tetos, que puderam ser simplificados ao extremo, a tônica dessa
época foi a limpeza de ornamentos. O modernismo brasileiro enxugou nossa
arquitetura das frivolidades e exageros do século 19, buscando novos
significados para os espaços de convivência públicos e privados”, explicou
Caldeira.
O modernismo de Oscar Niemeyer, cujo auge acontece entre a
década de 1940 e a de 1960, aparece em diversas ocasiões no livro, além de
alguns herdeiros como Décio Tozzi (Orquidário Ruth Cardoso) e Paulo
Mendes da Rocha (Museu Brasileiro de Escultura). É que ninguém no mundo
desenhou curvas e retas no concreto com tanta doçura e malemolência quanto o nosso modernismo; o que diz muito sobre quem o faz.
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