PODE OSTENTAR, PODE RIR DE MIM
A palavra “funk carioca” é xingamento dos mais graves para
muitos brasileiros. O som então, nem se fala. Em um dos primeiros textos que
fiz aqui no Yahoo! (“Não tem papo, não tem alô”) senti o ódio imenso desse povo que, se pudesse, sairia
dando tiro em todo mundo que faz ou ouve funk. Na semana passada, em “O samba sem putaria de Mr. Catra”, apareceram alguns malucos que preferem
excluir e xingar que entender e dialogar. Aí fiquei pensando o que essa turma
acharia da onda do “funk ostentação”, no qual se fala de carros, motos,
bebidas, relógios, roupas e baladas com área vip, e nada de crime ou sacanagem
(quer dizer, sempre tem alguma, né?).
Criado na Baixada Santista no final dos anos 2000, o “funk
ostentação” tem muitas origens
possíveis. Uma é econômica, pois uma grande parcela da população de baixa renda
realmente melhorou de vida nos últimos dez anos (a tal “nova classe C”), o que
fica claro em um dos versos de “Pode vim que tem” (MC Bruxo): “O que eu não tenho eu tô querendo”. Novas demandas
geram novas rimas.
A outra é de sobrevivência. Nos últimos anos muitos
funkeiros da Baixada Santista foram assassinados em uma batalha silenciosa e
pouco investigada entre o PCC e a Polícia Militar (vejam reportagens no Farofafá
e no Fantástico).
O que eles faziam nesse fogo cruzado? Cantavam poder, roubos, diversão,
mulheres e as coisas que o dinheiro pode comprar. Alguns deles estiveram no
mundo do crime e foram salvos pelo funk, mas seguiam rimando a realidade de
familiares, vizinhos, amigos. De uma forma ou de outra, morreram de morte
matada MC Primo, MC Careca, Duda do Marapé, MC Felipe Boladão, DJ Felipe da
Praia Grande e o empresário Japonês do Funk, entre outros.
Essa música em especial (“Espada no dragão”) fez a transição
entre o gangsta e a ostentação, além de ter marcado a estreia de Konrad “Kondzilla” Dantas, o jovem e
autodidata diretor de videoclipes que criou o universo de imagens do funk
ostentação. Em dois anos Kondzilla virou os olhos de uma nova geração que pegou
os proibidões da Baixada e tirou tudo que (aparentemente) tivesse relação com o
crime. Era preciso saltar fora desse círculo vicioso de mortes e a saída foi
uma equação universal a atemporal: dinheiro (de uma forma genérica, sem
precisar revelar a fonte), poder de consumo, diversão e mulheres.
Surgiram assim artistas como MC Boy do Charmes (“Onde eu chego paro tudo”, o “Chega de saudade” do gênero), MC Guime, Rodolfinho,
Menoh do Andaraí, Guto, Nego Blue, Léo da Baixada, Neguinho do Kxeta, Juninho e
Dimenor DR, todos com clipes dirigidos por Kondzilla. Os milhões e milhões de
visualizações desses vídeos no YouTube expandiram seu público para fora da
Baixada Santista, o que trouxe muitos shows para todos (olha o dinheiro aí) e
influência sob novos nomes da periferia de São Paulo e até – as voltas que o
mundo dá – no Rio de Janeiro. Aliás, esse movimento é muito bem explicado no
recente e ótimo documentário Funk Ostentação, o Filme (Konrad
Dantas e Renato Barreiros, 2012).
Todas as músicas são parecidíssimas e os clipes idem, tudo
um monótono desfile de marcas de roupas, bonés, carros, motos, relógios,
perfumes, bebidas e o diabo a quatro. Não vai durar muito como toda moda que se
preze. Mas esse consumismo funkeiro faz parte do mesmo “espírito de shopping”
de quem acha que funk é tipo xingar a mãe. Como será que o ressentido que vive
reclamando da “pouca vergonha” se vê nesse espelho que a periferia colocou
diante de si?
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