quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

casal 20

em outubro de 2009 completei três anos de revista monet, mas só agora em janeiro assinei a primeira matéria de capa (quase aconteceu uma outra vez, em junho de 2007, com o encontro de selton mello e lázaro ramos, que está aqui). dessa vez foi outra dupla, tony ramos e glória pires, protagonistas da franquia se eu fosse você. entrevistei o casal antes e depois de uma sessão de fotos com jorge bispo (que também tem flickr) e foi uma baita experiência boa. por ter conseguido reuní-los - glória, que está morando com a família em paris, estava de passagem pelo brasil e com agenda lotada -, mas acima de tudo por ter conversado com atores que respeito e acompanho faz tempo e que são a cara dessa figura admirável que é o artista-trabalhador. a minha reportagem abre um especial sobre cinema brasileiro, no qual editei perfis de outros figuras influentes no cenário atual (fernando meirelles, wagner ramos, lázaro, leandra leal, andré abujamra, etc.) assinados pelos colaboradores carol nogueira, chantal brissac, wilson weigl e maria emília kubrusly, além do próprio editor-chefe & bróder luis alberto nogueira. segue o meu texto na íntegra.

à esquerda, a capa da edição de janeiro que está nas bancas e com os assinantes; à direita, um estudo anterior cuja foto acabou sendo a que abre a reportagem na versão impressa (era para ser o contrário); fotos de jorge bispo

TONY PIRES & GLÓRIA RAMOS

Pense em um cenário: Copacabana, a verdadeira cara do Rio de Janeiro. Morro, asfalto, praia, malemolência, tudo junto e misturado. Purgatório da beleza e do caos, pode acreditar. É todo um resumo da cidade ali, de ponta a ponta, do Leme ao Forte. E no primeiro dia do último mês do ano de 2009, o bairro estava do jeitinho de sempre: lindo e congestionado. Mas em um de seus mais célebres edifícios, fincado à beira daquele mar desde 1923, o tempo escorria de um jeito diferente. Pelo hall principal do Copacabana Palace, o vaivém de hóspedes e funcionários parecia saído de um musical colorido e luxuoso dos anos 1950 ou de uma cena festiva de
Se Eu Fosse Você 2. Pelo menos, nesse último caso, Tony Ramos e Glória Pires, o casal de astros da comédia dirigida por Daniel Filho, estava presente. E cada um rodopiava a seu modo pelos corredores do hotel.

Principal lançamento do mês na Rede Telecine, com pré-estreia em HD, a sequência de
Se Eu Fosse Você levou mais de 6 milhões de espectadores aos cinemas e consolidou a dobradinha Tony-Glória como uma das mais populares da recente filmografia nacional.

Mas onde estávamos mesmo? Certo, o casal a rodopiar pelo hotel em Copacabana. Enquanto Glória Pires, em passagem rápida pelo Brasil e de agenda cheia por causa dos lançamentos nos cinemas de
É Proibido Fumar e Lula, o Filho do Brasil, seguia bailando freneticamente de compromisso em compromisso, Tony Ramos chegava tranquilo, apesar do “trânsito infernal”, dirigindo seu próprio carro. Sem assessor, assistente ou nada parecido. Subimos rumo a uma das principais suítes (“é a que a Madonna ficou!”, confidencia uma gerente orgulhosa), cenário reservado pelo hotel para entrevista e sessão de fotos. Glória ainda demoraria um pouquinho.

ARTE É OFÍCIO - “Só vou sair da linha do Sol, vamos lá”, disse o ator de 61 anos se arrumando na cadeira. “Já no primeiro Se Eu Fosse Você percebemos que o roteiro não era e nem podia ser apenas uma sucessão de gags. Pra fazer isso não precisa gastar celulóide; faz um vídeo, coloca na internet”, brinca. “Com o segundo tivemos essa mesma preocupação e o novo roteiro foi bem trabalhado para tratar de outros assuntos: o desgaste do relacionamento do casal, uma gravidez indesejada e inesperada da filha [interpretada por Isabelle Drummond], e por aí vai, mas ainda exercitando o grande barato dessa licença poética da troca de corpos, que é o que as pessoas esperam.” Tony gosta de falar, é franco e simpático, acessível e discreto, extraordinariamente normal e preciso. Não é à toa que, após 46 anos de carreira, seja um dos atores mais queridos e respeitados por companheiros de ofício e seus milhares de fãs.

Paranaense de Arapongas, mas com um sotaque que mistura seus anos de São Paulo com os muitos anos de Rio de Janeiro, Antônio de Carvalho Barbosa Ramos filmou
Se Eu Fosse Você 2 em 2008 entre as novelas Paraíso Tropical e Caminho das Índias. De lá para cá foi dirigido outras duas vezes por Daniel Filho – Tempos de Paz, com Dan Stulbach, já foi lançado e Chico Xavier chega aos cinemas em abril. Começou também a se preparar para outro batidão folhetinesco, Passione, próxima novela das 8 e que leva assinatura do amigo Silvio de Abreu. Nos últimos anos voltou a trabalhar nesse pique acelerado, alternando TV e teatro, além de reaquecer sua tímida filmografia (cujo destaque anterior foi o premiado drama Noites do Sertão, em um distante 1984). “Sinto que o que me move no trabalho são idéias que possam me dar um certo comichão no corpo, porque sei que isso também vai inquietar o espectador. Agora, é bom deixar claro que o espectador não é ingênuo. Ele é ou não é um grande cúmplice. E ele só será cúmplice se o roteiro lhe agradar, e se de alguma forma houver conflito e interesse.”

Essa complexa e milenar relação entre arte popular e público é muito bem resolvida em sua cabeça pragmática de pai de dois filhos (um médico e uma advogada) e avô de dois netos, frutos de um casamento que já cobre quatro décadas. “Sou um artista popular e nunca tive problemas com isso, porque o artista popular é um operário, possui um ofício. Tive grandes mestres, hoje grandes amigos, gente como Elias Gleiser, Lima Duarte e Laura Cardoso. Ficava ouvindo eles, prestando atenção nas atuações, na conduta com a carreira, no comportamento com a família. E foi muito claro pra mim que entrei pra uma turma que exerce um ofício e que não consiste em fazer capa de revista. Capa é consequência e não objetivo.” O objetivo é trabalhar, trabalhar muito em busca de bons papéis, e aprender com os ruins ou pouco inspirados.

DO HUMOR SE FAZ COMÉDIA – A tarde vai caindo sob os rumores de Copacabana e Tony segue articulando pensamentos. Nem liga quando é informado que Glória ainda vai demorar mais um pouco. Todo o resto está pronto, é isso que importa. Será que existe algum segredo para ser tão boa praça? “O humor. Pra mim, o humor é o grande condutor do ser humano. As pessoas às vezes confundem com deboche ou falta de responsabilidade, mas estou falando de um humor que vem na alma.” Sua cabeça não para, afinal o assunto humor lhe é muito caro, e lembranças de seus anos de formação começam a ricochetear pelas paredes do cômodo.

“Sou filho da Atlântida. Comecei a ir ao cinema com uns 5 anos pelas mãos de minha mãe e vi muita coisa, você não faz idéia. Foi ali que vi o que queria ser, através de Oscarito e de sua arte circense, a precisão dos gestos e do tempo da piada”, e sua memória abre um sorriso de orelha a orelha. “Pontuei minha vida a caça desses grandes atores de comédia.” Recorda então outros mestres: nacionais como Chico Anísio, Renato Aragão, Ronald Golias e Walter D’Ávila; internacionais de escolas distintas como Jerry Lewis, Cantinflas, Totó e Steve Martin. “E depois de tantos personagens dramáticos nas novelas sou surpreendido com
Se Eu Fosse Você 1 e 2 na minha vida e volto a me reencontrar com a comédia.” Seu prazer ao falar dessa busca pelo riso é evidente, e taí seu personagem, o workaholic e esquentado Cláudio, que não lhe deixa mentir. Mas nada chega aos pés da diversão que foi interpretar a colega Glória Pires.

Existe um fato muito curioso sobre a dobradinha Tony-Glória. Nove entre dez pessoas tem a mais absoluta certeza que eles trabalham juntos desde sempre. Nada disso. Apesar de se cruzarem pelos corredores da TV Globo desde a década de 1970, Tony e Glória só foram dividir o mesmo set de filmagem em 2005 quando, por uma dessas coincidências do destino, foram chamados para fazerem par na novela
Belíssima, de Silvio de Abreu, e em Se Eu Fosse Você (os dois também estiveram, em 1997, na comédia romântica Pequeno Dicionário Amoroso, mas foram pequenos papéis e nunca junto em cena). O sucesso na novela e no filme levou o par a encarar outra novela em 2007, Paraíso Tropical, e mais um sucesso na química. A sequência de Se Eu Fosse Você era apenas uma questão de tempo. “Glorinha é um encanto de pessoa, de humor e de disciplina. É uma parceria muito legal, inteligente, entre profissionais muito práticos e absolutamente dedicados ao trabalho.” E, quase como uma deixa, a campainha da suíte toca e Tony sorri mais uma vez: “Oi, garotinha!”. É Glória que entra no palco.

TROCANDO AS BOLAS – Durante a sessão de fotos, um inquieto Tony soltava piadas, grunhidos e expressões hindus aprendidas durante Caminho das Índias. Glória, muito concentrada, segurava a boca para não gargalhar. Nem sempre conseguia. Pouco depois, após a partida do ator rumo a um compromisso, a carioca deu um diagnóstico sobre o elétrico colega. “Tony vive contando piadas e fazendo graça porque, na verdade, é tímido demais. Isso eu saquei com o tempo. Em qualquer situação nova, com uma pessoa nova, ele vem com todo seu repertório. É uma defesa. Ele é muito engraçado, muito humano, o Tony.”

Atenciosa e simpática, apesar de uma tosse seca insistente e bocejos ocasionais devido ao batidão midiático, Glória Maria Cláudia Pires de Moraes tem sua energia renovada ao falar do colega. “Sempre achei o Tony um ator genial e ele deve ter comentado que minha mãe tinha uma vontade louca que trabalhasse com ele. ‘Não entendo porque você nunca está nas novelas do Tony Ramos!’ [risos] Era um sonho dela. Acabou que não viu aqui, mas está vendo lá de cima e com certeza vibrando.” É palpável sua emoção ao lembrar da mãe, principalmente por causa dessa conexão com Tony, mas logo retoma as rédeas do pensamento e define o colega como “educadíssimo, agradável e generoso, um sonho de parceiro. Imagine que a gente se encontrou pela primeira vez, para trabalhar juntos, no set do
Se Eu Fosse Você, e já fazendo essas maluquices todas [risos].”

Maluquices que são ainda mais malucas para Glória que, apesar dos 41 anos de carreira (e 46 de vida), pouco fez comédia e não se considera uma profissional do gênero. “Olha, eu queria mesmo era interpretar o Tony [risos], e acho que nesse segundo fica mais claro que nós estamos um brincando de interpretar o outro. A curtição é essa. Mas comédia tem um tempo dificílimo e sei que não domino esse tempo. Quer dizer, tenho ótimo humor, sei rir de mim [risos], e sou disponível, entendeu? Então, quando a gente faz uma comédia sem pudores, principalmente no caso de Se Eu Fosse Você que o humor vem das situações hilárias, a graça vem, né?”.

A atriz já estava em seu autoexílio francês – ao lado do marido, o cantor Orlando Moraes, e dos filhos mais novos – quando recebeu o chamado de
Se Eu Fosse Você 2. “Fiquei interessada de cara porque isso [uma comédia ter sequência] nunca tinha sido feito aqui, mas fiquei feliz mesmo por Daniel e os roteiristas terem encontrado o mote pra essa segunda aventura. Não era fácil.” É a voz da experiência da atriz que não tem bagagem nenhuma de teatro (como Tony tem), mas muita de cinema (só para citar alguns dos filmes que fez desde o início da década de 1980, temos Índia, a Filha do Sol, Besame Mucho, O Quatrilho, A Partilha e Primo Basílio, sendo que os dois últimos dirigido por Daniel Filho, figura onipresente na carreira tanto de Glória quanto de Tony).

CAI O PANO - Enquanto a vida do casal segue agitada nos embalos do ofício – Glória volta de seu autoexílio no meio do ano para a novela de Gilberto Braga que sucederá Passione, a próxima de Tony -, os planos de um terceiro Se Eu Fosse Você começam, lentamente, a ganhar corpo. “Já existe uma sinopse do terceiro”, confirma Tony. “O lógico, pensando na predisposição do mercado [risos], é que role, mas tem muita coisa envolvida. Agora, se tiver um terceiro acho que vai ser ótimo. Eu topo! [risos]”, diz Glória. Parece que ela pegou gosto por ser Tony Ramos.

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