O MAL E AS MÁS
É possível entender como funciona a cabeça de um autor de
novelas pelas vilãs que cria. Mocinhas não interessam, são todas iguais mesmo.
Também não importam muito os vilãos e mocinhos, afinal são as mulheres que
fazem as tramas girarem (igual na vida, ora pois). Andei pensando nisso após
assistir aos primeiros capítulos do novo folhetim global das 9, Avenida Brasil. O que Carminha (Adriana
Esteves) pode dizer sobre seu criador João Emanuel Carneiro? E o que Tereza
Cristina (Christiane Torloni), da recém-acabada Fina Estampa, pode revelar sobre Aguinaldo Silva? Fico apenas com
esses exemplos mais recentes – tirando assim Gilberto Braga e Manoel Carlos da
jogada – para que a prosa não se estenda por demais.
Tal como Flora (Patrícia Pillar), de A Favorita (2008), Carminha é um poço de sentimentos conflitantes. É
capaz de amar uma pessoa aqui e outra ali, porém, e ao mesmo tempo, se sente
mais à vontade ao explodir em violência física e/ou psicológica rumo aos seus
objetivos de vilã (vingança, ascensão social, etc). Tem ainda um passado
dolorido, um presente esquizofrênico (boazinha em público, má em todo resto) e
um futuro incerto. Tudo temperado com um humor muito afiado. Cortante mesmo.
João Emanuel Carneiro sabe que o folhetim televisivo é uma
arte popular muito sofisticada no Brasil e, exatamente por isso, não subestima
o espectador. Tanto em A Favorita
como no início dessa Avenida Brasil,
os personagens são sombrios, o clima é tenso e até as mocinhas nem são tão
mocinhas assim. Nada é de mão beijada, muito menos os clichês. E isso não é à
toa, pois Carneiro foi um dos roteiristas de Central do Brasil (1998), longa protagonizado por Dora (Fernanda
Montenegro), uma mulher dura, cruel e amorosa (de formas meio tortas).
Já Tereza Cristina foi uma versão ainda mais histriônica e
cartunesca de sua progenitora direta, Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) de Senhora do Destino (2004). Não havia uma
explicação para sua maldade, ela simplesmente existia assim. Também não era uma
vilã do tipo adulta, maltratada pela vida, e mais parecia uma adolescente
birrenta totalmente obcecada pela mocinha. Em uma novela (Fina Estampa) que mais se assemelhava com um cruzamento de Zorra Total com Malhação, no qual todos os personagens eram tremendamente imaturos
e forçadamente cômicos, Tereza Cristina era o retrato estampado de seu autor.
Uma pena que o veterano Aguinaldo Silva, co-autor de
clássicos noveleiros como Roque Santeiro
(1985) e Vale Tudo (1988), tenha
virado esse xerox borrado de si mesmo e justamente no terreno onde era
especialista: a comédia. Quer dizer, suas novelas continuam fazendo sucesso com
um público que gosta de bordões para soltar no dia seguinte na padaria, mas
quem acompanha a história da teledramaturgia brasileira sabe que hoje em dia a
verve de Aguinaldo Silva está toda nas “polêmicas” (virtuais) com jornalistas e
outros autores. Tereza Cristina pode fugir para onde quiser, driblando assim a
morte, prisão e/ou loucura destinada aos maus (ai, que revolucionário, Seu
Aguinaldo), mas ninguém ligará mais. Inevitável esquecer uma vilã tão vazia e
interpretada de modo cafajeste por Christiane Torloni (e a Renata Sorrah, a
eterna Nazaré, desperdiçada ali de canto). Já Carminha, em composição cheia de
nuances e agressividade a cargo de Adriana Esteves, veio para ficar e
aterrorizar suas noites. E ela está só começando...
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