o título dessa postagem foi o primeiro que pensei para esse trabalho. achei "genial" o mashup de 007 e jair rodrigues, mas depois caí na real, vi que estava um tantinho hermético e o deixei de lado pra poder resgatá-lo aqui no esforçado. já o título que saiu no yahoo é uma brincadeira com uma reportagem clássica de gay talese, "frank sinatra está resfriado" (1965), no qual o jornalista americano traçou um perfil do cantor sem conseguir entrevistá-lo.
PRÍNCIPE HARRY NÃO ESTÁ RESFRIADO
Última checagem antes de partir. Mochila com máquina
fotográfica, celular carregado, bloco de notas, caneta funcionando, cigarros,
tudo ok. Pegar a Rodovia dos Bandeirantes até a saída para Monte Mor (SP),
coisa de uns 114 km ,
dois pedágios. Mais uns 7 km
até o Haras Larissa, sendo que os últimos 3 km em estrada de terra. “A entrada deverá ser
feita pela portaria de serviço do Haras”, diz o comunicado à imprensa.
Chegando lá, por volta das 10 da manhã, a entrada de serviço
se mostra um funil para, de um lado, a fila de carros e vans da imprensa e, do
outro, os caminhões com os cavalos para o jogo de polo que terá o Príncipe
Harry, filho caçula de Charles e Diana, como grande estrela. Seria uma ótima
metáfora ter jornalistas e cavalos lutando por espaço nesse evento para poucos
até uma das organizadoras falar com um segurança: “Segura aqui, por favor, que
os cavalos precisam entrar antes”. Fica claro de quem é a preferência.
Aumentando a confusão, um carro havia atolado numa vala,
travando um dos sentidos da estrada de terra e nele três moças, fãs do Príncipe
Harry, tentavam entrar sem credencial. “Você não tá entendendo! Quase bati a
cabeça no vidro do carro. A gente precisa entrar!”, diz uma delas aos risos.
Mas não adianta rir, muito menos chorar, pois os cavalos entraram e elas não
têm a mínima chance (nem após tirarem o carro atoleiro). É que esse último dia
de compromissos de Harry no Brasil não terá contato popular de nenhum tipo,
muito diferente do furdunço festivo que aconteceu no Rio de Janeiro. Aqui, no
Haras Larissa, tudo é exclusivo, para poucos, diferenciado. A nobreza agradece.
Enquanto um intenso vaivém de helicópteros ocorre ao lado do
campo de pólo, os cerca de duzentos jornalistas credenciados vão tomando seus
postos em uma área carinhosamente chamada pelos profissionais de
“chiqueirinho”, tudo ao som de músicas do Queen ou versões jazzificadas de hits
ingleses como “Can’t Buy Me Love”, dos Beatles. Deve ser para entrar no clima,
mas o clima, na verdade, é de mormaço brabo, sendo que a única sombra possível
é afastada dos acontecimentos e a água mais próxima (bem como refrigerantes e
lanchinhos) fica ainda mais distante. “Nesses eventos o melhor é ser
motorista”, suspira uma jornalista de salto alto no misto de grama e areia que
cobre a área de imprensa.
Bem, hora de receber o cronograma dos acontecimentos
futuros. Aproximadamente quinhentos convidados começarão a chegar a qualquer
minuto e em uma hora e meia o Sr. Álvaro
Coelho da Fonseca trará o Príncipe numa carruagem.
Depois tem hino, apresentação dos jogadores e às 13h10 está previsto o início
da partida entre as equipes de Sentebale e St. Regis, o que deve durar pouco
mais de uma hora. Após a premiação da terceira edição do Sentebale Royal Salute
Polo Cup, os jornalistas estão convidados a dar no pé, afinal o almoço de US$
1000,00/convite não é para os seus bicos. O montante arrecadado não é divulgado
pela comitiva do Príncipe, mas o dinheiro será doado para a Sentebale,
organização criada por Harry para ajudar crianças carentes em Lesoto, pequeno
país incrustrado dentro da África do Sul.
Esse será o lado beneficente da viagem de Harry pelo Brasil,
pois na parada no Rio de Janeiro o objetivo era divulgar uma tal Campanha
GREAT, “um convite para descobrir e compartilhar tudo o que torna o Reino Unido
um país ainda mais grandioso em 2012, visto que o país celebra o Jubileu de
Diamante da Rainha e é sede de um dos maiores eventos esportivos do mundo, as
Olimpíadas”. Em outras palavras, mostrar para o Brasil uma série de possíveis
investimentos e investidores ingleses, tal como a British Petroleum,
responsável em 2010, no Golfo do México, por um dos maiores acidentes
ecológicos da história, e que agora está de olho na exploração do pré-sal
brasileiro. O cantor Morrissey, inglês como Sua Majestade, disse na semana
passada, durante show no Rio de Janeiro, que Harry “veio pegar o dinheiro de
vocês. Por favor, não o deem para ele”. É, não tem mais bobo na realeza.
O mormaço vai assando lentamente esse tanto de informações. Nada de cadeiras no chiqueirinho e nada de
parar. Os primeiros convidados começam a chegar e passam lenta e orgulhosamente
diante de um painel com os patrocinadores do evento. “Quem é essa aí?”,
pergunta um fotógrafo. “Provavelmente ninguém”, responde outro. “Bem que podia
ter uma plaquinha eletrônica pra identificar essas pessoas, heim?”, sugere,
sonhadoramente, uma jornalista. Alguns casais passam mais rápido, ele de gel
escorrendo na nuca, ela ansiosa para ser parada pelas câmeras, mas o desfile
não pode parar rumo à área VIP e sua dança de bandejas com champanhe e whisky,
vestidos esvoaçantes e um mar de chapéus panamá cedidos por um dos
patrocinadores.
“As pessoas são o que são pelos seus acessórios”, comenta
uma jornalista de revista de celebridades. Afirmação um tanto enigmática
levando-se em conta que a mulher usa um crucifixo prateado gigante pendurado no
pescoço combinando com uma bota de crocodilo. Mas a frase fica mesmo solta no
ar, pois um frenesi toma conta dos fotógrafos com a chegada de outra estrela do
evento, o playboy e jogador de polo profissional Rico Mansur. “Já joguei contra
o Príncipe Harry em outra ocasião, em Nova York, e ganhei. Hoje não vai ter
moleza não”, e estufa o peito e sorri magnânimo. No comunicado entregue à
imprensa, o polo é descrito como o “esporte dos reis”. Rico Mansur acredita nisso.
Faça chuva, faça sol, e mesmo sob esse mormaço.
De vez em quando, alguém importante é trazido para junto do
cordão branco que cerca o chiqueirinho. Um gerente de marketing aqui, um CEO
acolá, até que surge John Doddrell, o Cônsul Geral Britânico em São Paulo. “O
dia de hoje é um momento muito importante para nós”, começa a explicar, em
inglês mesmo, até que alguém gritou ao longe: “Olha a carruagem, o Príncipe tá
chegando!”. Foi o que bastou para uma desabalada carreira de câmeras e blocos,
enquanto o cônsul seguiu falando palavras de release para as três repórteres
que permaneceram ao seu lado. Mas não, não era o Príncipe Harry. Ele só viria
quatro carruagens depois.
Antes. Alguns minutos antes chegaram, em outra carruagem, a
jornalista Glória Maria e a modelo Fernanda Motta, ambas também apresentadoras
de TV. Tiraram de letra a difícil descida com salto, posaram cheias de dentes e
abriram caminho para a atração principal. Então veio Príncipe Harry levando a
sua carruagem ao lado de Álvaro
Coelho da Fonseca. Nada de parar antes para fotos, nada
de falar coisa alguma, nada disso. “Não podia ser mais devagar?”, lamentou uma
fotógrafa. E lá se foi o nobre inglês para perto dos seus.
A essa altura do campeonato, a área VIP tinha gente saindo
pelo ladrão, mas poucas pessoas eram cobiçadas para entrevistas. Uma delas
certamente era a estilista Daniella Helayel, brasileira radicada há duas
décadas na Inglaterra e uma das preferidas de Kate Middleton, cunhada de Harry.
Depois de alguns gritinhos de duas repórteres, Daniella se aproxima da área de
imprensa e, mais uma vez, recebe na lata alguma pergunta sobre como é vestir a
nobreza ou algo próximo. Instantaneamente fecha a cara, dispara que não comenta
sobre nada disso, vira as costas e dá no pé (devagar, afinal estamos falando de
salto e grama). Tudo acontece tão rápido que as repórteres não tiveram tempo de
reformular a pergunta, algo sobre a crise na Grécia ou a nomeação de um bispo
como Ministro da Pesca. Ficaram lá, bocas e blocos abertos. “Um oferecimento
Royal Salute, o whisky de luxo número 1 do mundo”, diz o comentarista do jogo
que já vai começar logo após o hino.
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas um jogo de quatro
tempos de quinze minutos, quatro jogadores-cavalos pra cada lado, uma bolinha,
um juiz-cavalo e um campo grande. “Que jogo disputado!”, diz o comentarista no
melhor estilo Galvão Bueno de inflacionar expectativas. Mas não dá pra perceber
nada disso. Corre para um lado, corre para outro, trombadas equinas ocasionais,
faltas por terem passado a tal linha imaginária (seria um impedimento?) e de
repente saem dois gols para o Sentebale, o time do Príncipe. “Vai,
Corinthians”, grita um fotógrafo.
E então, momento tenso. O paquistanês Bash Kazi, do St.
Regis, literalmente cai do cavalo e se estatela na grama. O príncipe, muito
gente, é um dos primeiros a ir a seu socorro, enquanto o comentarista embarga a
voz de preocupação e solta um “se tiver uma ambulância...”. Claro que tinha,
estava ao lado do campo o tempo todo. Todo o processo de atendimento, com
direito a substituição do paquistanês (entrou um Klabin em seu lugar), matou o
segundo dos quatro tempos, mas quando o jogo recomeçou o St. Regis rapidamente conseguiu
empatar. Teve até um “golaço”, dizem. No mais, Bash Kazi passa bem, obrigado.
Metade do jogo se foi e o placar está empatado em 2 a 2.
Então a bola rola novamente e o comentarista decide então ser imparcial:
“Infelizmente faltou um pouco de pontaria nessa jogada”. Pouco depois, ainda
mais crítico, diz que tem “algo de errado com o taco do príncipe, está um pouco
sem direção”. Olhares de consternação cruzam a área de imprensa. E agora?
E agora que o sol decide mostrar sua cara mais altiva e
dissipa um pouco do mormaço com calor de verdade. Não consigo mais acompanhar o
jogo na beira do campo e recuo até a sombra mais próxima onde, claro, não é
possível ouvir a narração e nem saber o que está acontecendo no certame (quer
dizer, só quando algum debochado fala “uhhhhhhh” no caso de uma bola que sai
pela linha de fundo). E então, do nada, o placar de 2 a 2 se transforma em 3 a
2, 3 a 3 e, tcharam, 6 a 3, para o time do Príncipe Harry, que não fez um gol
sequer, mas mostrou “disposição”, palavras do narrador.
colegas jornalistas de olho no "jogaço"
Rapidamente, um pódio é montado no gramado e uma grande área de exclusão é aberta e cercada por seguranças para impedir qualquer fã VIP ou jornalista enxerido de se aproximar de Sua Nobreza. Então, os prêmios são distribuídos por Fernanda Motta, a taça da Sentebale Royal Salute Polo Cup é levantada e o Príncipe Harry exibe orgulhoso um par de bochechas rosadas de calor.
os de camiseta azul clara são da equipe do príncipe e falando com ele o paquistanês que caiu do cavalo no início do jogo
Acabou e Harry segue direto, sem falar com ninguém, ao carro que o levará a trocar de roupa e se preparar para o almoço. No cardápio, picadinho na ponta da faca, pastel, couve, ravioli, brownie com sorvete de creme, tudo pré-aprovado pelo Palácio de Buckingham. Sinceramente, achei meio simples por 1000 dólares/cabeça, mas a nobreza pode achar exótico, vai saber. De qualquer forma, nada mais importa, pois é hora de ser tangido. Resolvo sair antes para evitar novo engarrafamento na estrada de terra e ao ligar o carro, pegando fogo ali parado, vejo que o tanque está na reserva e o posto mais próximo fica a 7 km na cidade de Sumaré (SP). Essa sim uma situação muito real.
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