sábado, 30 de agosto de 2014

miniperfis feirantes

quatro feiras-livre, quatro regiões, quatro personagens, uma série de miniperfis que fiz pro feicebuque da prefeitura de são paulo. a ideia partiu da efeméride '100 anos da regularização das feiras na cidade' e, como escrevi pouco esse ano, foi bacana ir pra rua com esse objetivo: falar com pessoas, escrever sobre elas. renata assumpção, que me ajudou a definir as feiras, me acompanhou nas manhãs semi-frias desse final de agosto e talvez pinte um vídeo. beijão pra ela e pra valorosa e divertida equipe das redes sociais da prefeitura de são paulo [no twitter é @prefsp] que traz ainda bia abramo, fábio vanzo, laíssa barros e ana clara ferrari. tá muito massa esse trabalho nosso.


Carminha
Praça Benedito Calixto 
Pinheiros, Zona Oeste

Maria do Carmo de Moura, a Carminha, não gosta muito de conversa. Diz que o trabalho não deixa “tempo pra essas coisas”. E, pensando na sua rotina, ela tem toda razão. Trabalha em cinco feiras por semana há pouco mais de 40 dos seus 74 anos, e acorda todo dia às 3 e meia da manhã em Ermelino Matarazzo, zona leste, para conseguir chegar às 5 e montar sua barraca com ervas, temperos, batatas, cebolas, alhos, palmitos enlatados, tapioca, e assim por diante.

Às terças está com uma filha ou um sobrinho na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, zona oeste, logo em frente ao caminhão de peixes. “Antes de me casar eu trabalhava em casa de família, mas nunca gostei de receber uma vez por mês. Na feira é bom porque mesmo com pouco movimento todo dia tem algum dinheiro”, diz enquanto atende uma cliente que leva quatro cabeças de alho por 5 reais. 

Foi seu marido que a levou por esse caminho de cheiros, barulhos e cores das feiras livres. Por mais de quatro décadas estiveram juntos na lida, mas oito meses atrás ele morreu. “Ele me disse, pouco antes de morrer, que eu não podia ficar parada, nem ficar triste, e que tinha que seguir com a barraca. Foi essa profissão que ele me deixou, né? A gente não pode desistir”, e dá uma limpadinha na mesa onde rala côco, um gesto que parece dizer que o tempo de conversa fiada já deu. 


Adriano
Rua Dr. Gabriel Piza
Santana, Zona Norte

Nascido em Pesqueira, interior de Pernambuco, Adriano mora em São Paulo desde 1989. Veio com a família ainda pequeno e foi conhecendo a cidade pelas feiras livres. Hoje, aos 38 anos, afirma orgulhoso que trabalha como feirante há 20 anos e fez sua vida ao redor das frutas que vende [recentemente comprou, na planta, um apartamento próprio em São Mateus]. Mas sua vida profissional teve início com limões ao lado do pai no Parque Dom Pedro II. Depois passou a trabalhar sozinho e em outras bancas. 

Montou sua própria banca há seis anos e nela vende laranja, morango, caju, pera, manga, maçã e kiwi. “Tudo é interessante na feira. As pessoas, as conversas, um dia é diferente do outro. O ruim é acordar cedo”, e então começa a relatar seu cotidiano que tem início à meia-noite. Como trabalha com frutas frescas precisa acordar essa hora para se abastecer no Mercadão e lá pelas quatro da manhã chegar a uma das cinco feiras que faz semanalmente. 

Geralmente tem ao seu lado sua mulher e um amigo vizinho, mas em feiras livres maiores chama outros ajudantes e também muda as frutas que leva. Adriano entendeu rapidamente as particularidades de algumas regiões da cidade e, por exemplo, na feira que trabalha no Jardim América ele leva mais frutas importadas. “Tem outra diferença... esse pessoal com maior poder aquisitivo é meio cismado e não conversa muito. Às vezes só deixam uma lista e pedem para entregar em casa”, diz enquanto olha para os dois lados da feira em busca de algum possível cliente. “Daqui umas duas horas isso aqui está cheio e aí só gritando mesmo para ser visto. É a disputa da feira, né?”.


Nilton
Rua Irmã Carolina
Belém, Zona Leste

“De pai para filho desde 1950” é o que está escrito nas costas do uniforme de Nilton Rutkowski, 59 anos. Neto de poloneses e morador da Penha, ele foi o único que herdou do pai bucheiro o gosto pela feira livre e pelas carnes vermelhas, frangos e miúdos. Mas além de ser o único, ele também sabe que será o último, pois a filha e o filho, formados e com suas próprias famílias, não manifestaram nenhum interesse pela labuta feirante. 

De uma forma ou de outra, Nilton já está planejando sua aposentadoria pra daqui uns cinco anos. Afinal, montou sua banca própria em 1978 e desde então segue na firme rotina de cinco feiras por semana, todas na zona leste, com o dia começando às 3 da manhã. “No começo a gente trabalhava tanto que não tinha tempo pra pensar, mas hoje a feira está tranquila porque existem mais mercados e as pessoas tem mais acesso a alimentação, então já dá pra descansar”.

Teve uma época, uns dez anos atrás, que tentou sair da feira e virou fornecedor de carnes para feirantes. “Sei vender, não sei cobrar. Aí já viu, né? Não deu certo”, e interrompe uma história que lhe deu dores de cabeça e dívidas para mostrar ao longe uma cliente que vem na sua banca desde os tempos de seu pai. “Eu amo a feira por causa da freguesia. É uma coisa saborosa o contato que a gente tem, as conversas, os amigos”. 


Alexandre
Rua Conceição Veloso
Vila Mariana, Zona Sul

É uma das muitas tradições da centenária feira livre paulistana: onde queres legumes e verduras, tens japonês. É que desde sua chegada ao Brasil, a colônia japonesa criou sua própria rede de circulação de produtos, do cultivo a venda. Alexandre Nakamassu não fugiu a essa regra. Sua família trabalha no ramo há cerca de 50 anos e sempre com vistas a rabanetes, cenouras, nabos, alfaces, rúculas e quetais. Mas nos últimos tempos a responsabilidade ficou com Alexandre, que acorda às 3 da manhã e se manda para bairros como Vila Mariana e Ipiranga [ele faz quatro feiras por semana, todas na Zona Sul]. E depois ainda pega estrada até Suzano para comprar produtos frescos para o dia seguinte. 

“Não gosto de trabalhar [em lugar] fechado. Nunca gostei. Então vou seguir nas feiras até aguentar, afinal sempre trabalhei com isso, com esse contato direto, cada dia diferente do outro”, mas faz questão de deixar claro que sua filha, ainda criança, não seguirá os passos do pai. “Quero que ela estude pra ter uma vida mais tranquila”.

Esse desejo “por uma vida melhor” para a filha também está relacionado com o que vê todos os dias nos seus lugares de trabalho. Aliás, todos os feirantes sabem disso muito bem, pois o movimento nas feiras livres realmente vem caindo nos últimos anos por causa, principalmente, dos supermercados. Mas mesmo assim Alexandre tem certeza que as feiras nunca acabarão. “O atendimento é o diferencial, é personalizado, né? Em um supermercado não tem isso, não tem com que reclamar se a mercadoria não tiver boa. Feira é olho no olho”.

Um comentário:

Adriana disse...

Linda matéria, retratando gente de verdade... parabéns, Dafne, pela escolha do tema e o cuidadoso olhar sobre os entrevistados; parabéns aos feirantes pela forma que se dedicam à nobre função.