terça-feira, 8 de abril de 2025

é preciso dar um jeito, meu amigo

o segundo texto que fiz pra edição de abril da Monet foi também a capa da revista e trata da jornada premiada de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, o primeiro filme brasileiro a ganhar um Oscar. participação especial da colega Flávia Guerra.

TOTALMENTE PREMIADO

Em um dos muitos eventos pré-Oscar, Ralph Fiennes, em campanha por Conclave, deixou a inibição inglesa de lado e interpelou Fernanda Torres, em campanha por Ainda Estou Aqui. “Você é fabulosa”, disse o ator. A carioca tijucana baixou na atriz que pegou as bochechas de Fiennes e disparou “Repete!”. “Você é maravilhosa”, acrescentou. “Obrigada, já ganhei a noite”, finalizou, toda surpresa e orgulhosa. Mas tanto Fernanda Torres quanto Ainda Estou Aqui ganharam muito mais que uma noite de elogios. Ambos tomaram o mundo de uma forma nunca vista antes por um filme brasileiro - nem com Central do Brasil, dirigido pelo mesmo Walter Salles, 25 anos atrás -, e ainda levaram, por exemplo, um prêmio em Veneza, um Globo de Ouro e um Oscar. 

Mas a história de Ainda Estou Aqui teve início em 2015 quando Walter Salles leu o recém-lançado novo livro do amigo Marcelo Rubens Paiva. As famílias Salles e Paiva se conhecem desde a década de 1960, e as crianças iam de uma casa para outra, no Rio de Janeiro. Então toda a ambientação do livro era muito próxima a Walter, que também conhecia a macro história da família, principalmente sobre o desaparecimento, tortura e assassinato do congressista Rubens Paiva, pai de Marcelo, pelo braço forte e mão amiga da ditadura, em 1971. O que Walter não sabia era da história íntima de Eunice Paiva, a mãe de Marcelo.

Porque o livro é sobre a história da família, mas é, acima de tudo, a odisseia de como Eunice, viúva com pouco mais de 40 anos e mãe de cinco filhos, ultrapassou uma tragédia, manteve a família unida, tornou-se advogada e trabalhou pelos direitos humanos dos desaparecidos durante a ditadura civil militar e seus familiares e pela causa indígena. Estoica, silenciosa e discretamente. “As mulheres vão sempre muito mais longe do que os homens. Então, minha tendência é gravitar em torno de filmes com protagonistas femininas, porque elas representarem uma forma de inteligência e uma vivência de mundo que me atrai muito mais do que o universo masculino”, disse Walter em entrevista para o Valor, em janeiro deste ano.

Já Marcelo decidiu escrever o livro, pois era necessário preservar a memória de quem a estava perdendo. De um lado, a própria Eunice, que foi diagnosticada com Alzheimer no início dos anos 2000 (ela morreu em 2018, aos 89 anos). Por outro, o próprio país que, em 2015, começou a ver certos setores da sociedade tentando relativizar ou mesmo glorificar a ditadura. Esse encontro-choque-reconstrução da memória, tanto de uma família quanto de um país, acabou virando o cerne de Ainda Estou Aqui.

O roteiro do filme começou a ser desenvolvido em 2017 por Murilo Hauser e Heitor Lorega para a VideoFilmes de Walter e, em 2021, foi apresentado ao mercado no Festival de Cannes. A expectativa por um novo filme de Walter Salles filmado no Brasil – seu longa brasileiro anterior foi Linha de Passe, de 2008 – resultou na fácil pré-vendas dos direitos do filme para distribuidores independentes de 21 territórios, compromisso da Sony Classics para distribuição nos Estados Unidos, e parcerias com a Globoplay, RT Features e três produtoras francesas. Todo esse movimento financiou parte dos custos de uma produção independente que não utilizou nenhum recurso público e foi assim que as 16 semanas de filmagem de Ainda Estou Aqui tiveram início em meados de 2023.

Walter Salles por Matt Sayles

A MEMÓRIA E O PRESENTE

Filmado cronologicamente em locações no Rio de Janeiro, Ainda Estou Aqui marcou o terceiro encontro de Walter Salles com Fernanda Torres (os anteriores, Terra Estrangeira e O Primeiro Dia, são do início e do final dos anos 1990) e o primeiro do cineasta com Selton Mello. E tudo ocorreu na maior tranquilidade, apesar do tema duro e urgente. Então, num piscar de olhos, o filme teve sua estreia mundial na mostra competitiva do Festival de Veneza em setembro do ano passado, ganhou uma emocionante salva de palmas de 10 minutos e levou um prêmio para o seu roteiro. Foi o pontapé inicial para uma montanha russa de emoções, viagens ao redor do mundo, jetlags, entrevistas, exibições, noites de gala, prêmios e festivais que sugaram o trio Walter-Fernanda-Selton por cerca de seis meses.

“Como disse o próprio Walter na coletiva que mediei em Los Angeles, a campanha de Central do Brasil foi orgânica, espontânea, as coisas iam acontecendo. Nem usavam a palavra ‘campanha’ naquela época. De lá pra cá, o mundo mudou muito e as campanhas também. Ficaram mais agressivas, mais estratégicas e com um investimento muito maior. Para se ter uma ideia, Anora custou US$ 6 milhões para ser feito e US$ 18 milhões para promovê-lo ao Oscar”, explicou Flávia Guerra, crítica de cinema, colunista do Splash/UOL e da BandNews FM e apresentadora do podcast Plano Geral.

Flávia Guerra, Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello 
na coletiva para imprensa no dia seguinte ao Oscar

“No caso de Ainda Estou Aqui foi tudo mais pensado e muito bem pensado estrategicamente para colocar o filme no centro da cinefilia, né? Foi uma campanha para valorizar o filme e para fazê-lo ser conhecido. Não foram festas, jantares e tal”, disse a jornalista que ainda relembra uma série de “embaixadores” do filme em exibições especiais mundo afora: Sean Penn, Wim Wenders, Guillermo Del Toro, Olivier Assayas, Valeria Golino, Alfonso Cuáron e Alexander Payne.

Mas a grande porta voz do filme foi, sem sombra de dúvida, a atriz Fernanda Torres. Sua elogiadíssima atuação como Eunice Paiva premiada no Globo de Ouro e suas carismáticas aparições em programas televisivos americanos como o de Jimmy Kimmel, bem como sua espirituosa presença nas redes sociais, a fizeram um fenômeno mundial. Quem diria que a Vani de Os Normais e a Fátima de Tapas & Beijos teria fãs como Ariana Grande, Carey Mulligan, Sarah Paulson, Jessica Chastain e Tilda Swinton.

“Fernanda é uma personalidade muito autêntica e acho que essa autenticidade foi ganhando as pessoas. Ela foi internacionalmente o que ela é no Brasil. E muito divertida e articulada, defendendo o tema, o filme, falando com muita propriedade e com humildade ao mesmo tempo. Honrando, como ela fala, o legado de Eunice. Sem falar que ela estava absolutamente bem assessorada em questão de estilo. Um estilo sóbrio que tem a ver com ela e também com a personagem. Tudo foi impecável. Foi um alinhamento dos planetas raro de se ver”, conclui Guerra.

Ainda mais raro é unir tamanho prestígio mundial e elogios da crítica com sucesso de bilheteria. No início de março deste ano, Ainda Estou Aqui ultrapassou a marca de R$ 200 milhões arrecadados mundialmente, sendo que pouco mais da metade veio aqui do Brasil. O público brasileiro, que tão fervorosamente torceu por Fernanda Torres e comemorou o Oscar como se fosse gol de final de Copa, manteve o filme em 500 salas de cinema após vinte semanas do lançamento. A vida realmente presta.

amor, palavra prostituta

na edição de abril da revista Monet tive alegria dupla, dois textos (salve Luís Alberto Nogueira, hermano de longa data). o primeiro, que posto aqui, foi sobre Anora, o grande vencedor do Oscar de 2025. o segundo foi sobre Ainda Estou Aqui, o nosso grande vencedor do Oscar de 2025 (é a próxima postagem). 

agradecimentos a Odair José (o título do texto) e Carlos Reichenbach (o título dessa postagem). sem mais delongas...

EU VOU TIRAR VOCÊ DESSE LUGAR

A 97ª premiação do Oscar, que aconteceu na noite de 3 de março, teve muitos momentos históricos e inéditos: o primeiro negro a ganhar um Oscar de Melhor Figurino (Paul Tazewell por Wicked), o primeiro Oscar para a Letônia (Flow, Animação), o primeiro Oscar para o Brasil (Ainda Estou Aqui, Filme Estrangeiro), o mais longo discurso (Adrien Brody, Melhor Ator em O Brutalista) e a primeira vez que uma só pessoa levou quatro Oscar na mesma noite por um mesmo filme. E nesse caso estamos falando de Sean Baker, o premiado diretor, roteirista, editor e co-produtor de Anora, filme que venceu ainda mais um Oscar, o de Melhor Atriz para Mikey Madison.

Quando subiu pela quarta e derradeira vez ao palco do Dolby Theatre, Baker parecia anestesiado por tanta alegria e surpresa. “Quero agradecer à Academia por reconhecer um filme verdadeiramente independente. Este filme foi feito com sangue, suor e lágrimas de incríveis artistas independentes. Vida longa ao cinema independente!”, disse e fez questão de mencionar o orçamento total de Anora: US$ 6 milhões (dinheiro que provavelmente não pagaria a alimentação para elenco e equipe de qualquer filme ou série da Marvel). 

Durante coletiva para a imprensa brasileira no dia seguinte ao Oscar, a atriz Fernanda Torres seguia curtindo uma certa ressaca de alegria quando relembrou a noite anterior. “Esse Oscar foi muito especial porque foi uma celebração do cinema independente. O discurso do Sean Baker, a atriz que a [Mikey] Madison é. Ela é muito especial. A maneira que eles fizeram Anora é a mesma maneira que a gente fez Ainda Estou Aqui. É cinema de grupo. Eles tinham um budget pequeno e eles fizeram aquilo, eles todos, como a gente”, e mencionou ainda dois outros filmes independentes premiados da noite, a animação letã Flow e o documentário palestino-israelense No Other Land

“Nessa campanha encontrei o Sean Baker algumas vezes e ele me disse que amou o nosso filme. Acho que porque ele reconhece o cinema independente que o Walter [Salles Jr.] também faz. Então, sinto que o Ainda Estou Aqui é um primo de Anora. O deles é sobre a busca por afeto. O nosso é sobre afeto”, afirmou Torres. 

Enquanto a atriz brasileira falava na coletiva, em outro canto de Los Angeles, a jovem protagonista de Anora, a atriz Mikey Madison, buscava algum sentido no caos. “Ainda me sinto flutuando como num sonho. Foi uma noite muito surreal e realmente preciso de um tempo pra digerir a magnitude disso tudo. Claro que me sinto honrada e muito feliz, mas totalmente em choque”, disse em entrevista para a Hollywood Reporter. “Amo todas essas mulheres [que estavam na categoria] e suas performances, fiquei tão feliz de estar junto delas. Vi Fernanda [Torres] e nos abraçamos. Troquei mensagens com Demi [Moore], ele foi muito doce, muito querida. Amo muito ela”. 

Os cinco Oscar ganhos por Anora foram o desfecho de um conto de fadas indie que teve início com a Palma de Ouro no Festival de Cannes em maio de 2024. Ao total, o oitavo filme de Sean Baker amealhou, segundo levantamento do site Rotten Tomatoes, 196 prêmios. Mas a história, como sempre, começou antes.

CORTA PARA O PASSADO, DIRETOR 

Apaixonado por cinema desde criança, quando sua mãe o levou para assistir alguns clássicos filmes de terror produzidos pela Universal na década de 1930 (Drácula, Frankenstein, A Múmia, etc), Sean Baker trabalhou na juventude como projecionista (aquele que mostra) e taxista (aquele que ouve), e já adulto editou vídeos de casamento (aquele que conta histórias). Juntou tudo isso pra fazer faculdade em ‘film studies’ pela renomada New York University (NYU), mas acabou trancando o ensino superior em 1992 com o objetivo de ganhar experiência prática, e lá se foi trabalhar em filmes institucionais e publicidade, e só se graduou em 1998. 

Dois anos depois, aos 29 anos, dirigiu seu primeiro longa, Four Letter Words. Nos anos 2000 vieram mais dois longas, Take Out (2004) e Prince of Broadway (2008). Os três filmes que fez nos anos 2010 começaram a lhe dar alguma fama no cenário independente americano e mundial: Starlet (2012), Tangerina (2015) e Projeto Flórida (2017), uma história protagonizada por Willem Dafoe. Durante a pandemia, filmou Red Rocket (2021) e começou a trabalhar no roteiro do que viria ser Anora

A ideia original, pensada em parceria com o amigo e ator de todos os seus filmes Karren Karagulian, era de fazer um filme sobre gângsters russos em Nova York. Mas a história não foi para frente e Baker lembrou que alguns dos vídeos de casamento que editou eram da comunidade russa que vive em Brighton Beach, região sul do Brooklyn. Soube então, via Karagulian, sobre uma noiva que foi sequestrada no dia de seu casamento como ameaça da máfia russa. E pensou em relações de poder, em dinheiro, em sexo por dinheiro, e no mundo da prostituição que tem sido frequente em seus filmes desde Starlet, em 2012. 

Mas Baker queria começar a escrever só quando já tivesse o rosto da protagonista e ela veio, doce e raivosa, numa descompromissada sessão de Scream (2022). Era Mikey Madison. Baker e sua mulher, a produtora Samantha Quan, lembraram que tinham visto Madison alguns anos em um papel pequeno em Era Uma Vez em Hollywood (2019), de Quentin Tarantino. 

“Não queria fazer um filme de gangster russo - já foi feito muitas vezes -, mas ainda queria brincar com os temas de poder, e o que é poder nesta sociedade capitalista senão dinheiro? Então, o que colocaria a protagonista, uma garota de programa, nessa posição? Ela se casa com uma família, mas que tipo de família seria se não fosse uma família de gangster? Ah, a família de um oligarca russo! Ela se casa com o filho de um oligarca russo, um garoto que nunca cresceu”, disse Baker em entrevista para a revista Filmmaker. 

Baker foi então juntando referências mais ou menos diretas para criar Anora, desde a leveza do improviso de Robert Altman à liberdade de Jess Franco, desde o conto de fadas de Uma Linda Mulher a uma família poderosa exigindo respeito em Um Príncipe em Nova York, da luz suja de clássicos urbanos dos anos 1970 como Operação França e O Sequestro do Metrô, de jovens mulheres donas de seu próprio nariz em comédias italianas dos anos 1960 e 70 (A Garota com a Pistola e Por Um Destino Insólito, por exemplo).

Desse liquidificador cinematográfico saiu Anora, um filme que estende o tempo para que seus personagens, e sua história, respirem. Que abraça personagens marginalizados. E que se recusa a dar respostas fáceis para conexões humanas complexas.

quarta-feira, 12 de março de 2025

ajoelhou tem que rezar

na edição de março da Monet rolou texto sobre Conclave, filme mais recente do diretor suiço-alemão Edward Berger e com um elenco da pesada (Ralph Fiennes, John Lithgow, Stanley Tucci, Isabella Rossellini, etc). pesquisei bastante pra entender a história dos conclaves, seu modus operandi, e mal sabia eu, lá no início de fevereiro quando escrevi, que muito provavelmente teremos um conclave ainda este ano: Papa Francisco anda muito mal de saúde, então pode renunciar ou morrer mesmo. também quando escrevi ainda não tinha acontecido o Oscar, então acrescentei agora menção à estatueta por Melhor Roteiro Adaptado. no mais, boa leitura. e depois veja o filme que é um dos melhores dessa safra.

Ralph Fiennes, o protagonista de Conclave

MIL TRUTAS, MIL TRETAS

Em Conclave, um dos fortes candidatos ao Oscar desse ano, a eleição de um novo papa é o pano de fundo para um thriller sobre mentiras, segredos e poder

Foi em março de 2013 que uma reunião do Colégio de Cardeais transformou o argentino José Mario Bergoglio em Papa Francisco I. Esse encontro de cardeais, convocados ao Vaticano após a renúncia ou morte de um papa, é chamado de conclave e não parecia que veríamos um tão cedo até surgir Conclave, filme do suíço-alemão Edward Berger que ganhou Globo de Ouro de Melhor Roteiro e está indicado em oito categorias no Oscar, incluindo Melhor Filme, Ator, Atriz Coadjuvante e Trilha Sonora [ganhou de Melhor Roteiro Adaptado]. 

Mas se no mundo real, os conclaves são um mistério guardado a sete chaves desde sua criação em 1268, no livro de Robert Harris e em sua adaptação cinematográfica, o evento é terreno fértil para um thriller eclesiástico cheio de politicagens, segredos, mentiras e traições, afinal homens de fé também são seres humanos. E essa bateção de barretes começa, justamente, com a morte de um papa. 

De 15 a 20 dias após a vacância do posto papal, um conclave precisa começar para decidir o novo ocupante. No filme, a coordenação de um dos eventos mais importantes da Igreja Católica é dada ao cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) que precisa seguir os ritos e manter o clima numa disputa silenciosamente violenta entre cinco cardeais: o americano progressista Bellini (Stanley Tucci), o italiano conservador Tedesco (Sergio Castellitto), o canadense moderado Tremblay (John Lithgow), o nigeriano conservador Adeyemi (Lucian Msamati) e, de última hora, o azarão mexicano Benítez (Carlos Diehz). Outra peça importante desse jogo é a Irmã Agnes (Isabella Rossellini) que ouve e sabe de tudo, e tem lá suas influências, mesmo sem ter nenhum poder de decisão. 

Durante alguns dias, poucos mais de 120 cardeais votam secretamente buscando um novo papa em comum e as votações se sucedem – às vezes mais de uma vez por dia – até esse nome ser o preferido por dois terços do Colégio de Cardeais. Quando uma eleição é inconclusa, as cédulas de votação são queimadas juntas de uma mistura de perclorato de potássio, antraceno e enxofre e o resultado é uma fumaça escura que sai pelo céu do Vaticano. Porém, quando os cardeais finalmente decidem pelo novo papa, as cédulas vão ao fogo junto a clorato de potássio, lactose e colofónia e a fumaça sai branca. É a fumaça que todo mundo católico aguarda ansiosamente. Detalhe: as cédulas são queimadas em uma estufa construída em 1939 na parte superior da Capela Sistina.  

O grande foco de Conclave está nesses poucos dias de “disputa eleitoral”, nesse processo tão fascinante quanto desconhecido. Pelas óbvias liberdades que toma (não custa lembrar que Conclave é uma obra de ficção), o filme foi duramente criticado por setores mais conservadores da Igreja Católica. Em uma resenha no site americano das Edições Paulinas, um crítico afirma que o longa “ofende ao pegar esse ritual sagrado que supostamente inspira fé, humildade e confiança na providência de Deus e o transforma em um comentário perturbador sobre a fraqueza e ambição humanas”. Já a organização americana Liga Católica pelos Direitos Religiosos e Civis afirmou que Conclave “é mais uma peça de propaganda anticatólica do que uma obra de arte”.  

Ninguém da produção deu muita trela para essas isoladas críticas extremistas. Isabella Rossellini, uma das mais fortes candidatas ao Oscar de Atriz Coadjuvante, estudou em colégio de freiras e falou com tranquilidade para a jornalista Cecília Malan, no Fantástico, que “eu não via diferença entre minha mãe [a lendária atriz Ingrid Bergman], que era uma mulher muito livre, e as freiras, no sentido de que ambas escolheram a vida que queriam viver”. Muito elegantemente, Ralph Fiennes disse ao site RadioTimes.com que “há esse discurso muito interessante que Robert Harris dá ao meu personagem, sobre dúvida, a importância da dúvida, que choca muitos cardeais. Sem dúvida, não há mistério. Sem mistério, não há fé”.  

Muito mais pragmático, o diretor Edward Berger afirmou ao site Hammer to Nail que soube do projeto de adaptar o livro Conclave em conversa com a produtora Tessa Ross e que o roteirista seria Peter Straughan, de O Espião Que Sabia Demais, Frank e O Pintassilgo. “Disse pra ela: ‘Peter Straughan é o melhor escritor do mundo.’ Porque o que ele faz é criar um tipo maravilhoso de enredo, como uma história que dá vontade de virar a página com muitas reviravoltas. Mas também sempre há algo mais profundo por baixo, um motivo do porquê estamos fazendo o filme; uma alma para o filme, como um arco interno. Neste caso, é o arco interno de dúvida do personagem de Ralph Fiennes. Você conhece aquele sentimento de ser oprimido pela dúvida e se sentir liberto por ela. Isso me fez querer fazer o filme, seu discurso sobre a dúvida”. 

Depois, pensado melhor, começou a ver algo em comum entre Conclave e seu filme anterior, Nada de Novo no Front (que lhe lançou ao mundo ao levar 4 Oscar). “Os dois são sobre guerra. Uma é uma guerra física, a Primeira Guerra Mundial; a outra é uma guerra intelectual de mentes, um verdadeiro jogo de xadrez”, afirmou ao Hammer to Nail. Seguindo no mesmo raciocínio, Berger acredita “também que os protagonistas passam por um processo de libertação. Felix, o soldado, começa indo pra guerra com esse entusiasmo, e então passa a ter um sentimento de que foi traído. E lentamente, no final, ele se liberta. Ele encontra sua paz na morte. E igualmente Lawrence encontra sua paz quando abre a janela e deixa o ar voltar para sua vida; ar e luz”. 

Um dos fortes candidatos ao Oscar de 2025, Conclave também ganhou elogios de diretores como Oliver Stone (JFK, Platoon, etc), Paul Schrader (A Marca da Pantera, Fé Corrompida, etc) e Colarie Fargeat (A Substância, outro forte candidato do ano), mas o mais entusiasmado foi Alexander Payne, de Sideways, Nebraska e Os Rejeitados. 

Em artigo para o site da Variety, Payne diz que o diretor Edward Berger usou em Conclave “a mesma imaginação e meticulosidade que ele colocou no grande filme de guerra [Nada de Novo no Front] e foca como um cirurgião em uma história contida sobre as intrigas e esquemas nos bastidores de quando um papa morre. Você simplesmente não consegue acreditar o quão fascinante o filme é - engraçado e cheio de suspense e tão bem escalado e bem atuado. Berger tem a qualidade milagrosa de fazer algo que você nunca esquece que é um filme, mas ao mesmo tempo, é como se você estivesse realmente lá. São filmes muito diferentes, mas compartilham um tema consistente. Ambos são sobre desmascarar instituições poderosas e revelar os egos massivos que dão as cartas para as massas - egos alternadamente nobres e ignóbeis, principalmente o último”.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

oh no, not me

na edição de fevereiro da Revista Monet contribui com dois textos (coisa rara). um foi sobre Babygirl, o filme mais recente da Nicole Kidman, e outro sobre David Bowie, por causa da estreia no canal Curta! de um bom documentário sobre sua música, vida e carreira. consegui nesse do Bowie algo que já tinha feito no do Hermeto Pascoal: entrevistas próprias. e aí a matéria sempre fica com um gosto melhor, mais pessoal. segue então a dita... 

O HOMEM QUE CAIU NA TERRA

David Robert Jones nasceu em 8 de janeiro de 1947 e tornou-se David Bowie em 16 de setembro de 1965 para não ser confundido com Davy Jones (The Monkees). Quando Bowie morreu em 10 de janeiro de 2016, aos 69 anos, ninguém confundiria um dos maiores artistas da cultura mundial com ninguém. Todo esse arco de vida, música e arte é contado com minúcias, entrevistas e muitas imagens de arquivo no documentário Bowie: O Homem Que Mudou o Mundo, uma das principais estreias do mês no Curta! 

“O Bowie mudou o jogo. Ele é Artista com A maiúsculo, um artista completo, que experimentou, viveu, nunca se acomodou e se expressou muito além da música”, explica Liv Brandão, jornalista e editora com passagens pelo jornal O Globo, UOL e Billboard Brasil. “Lembro que não comecei pelos clássicos do Bowie. O primeiro disco que ouvi dele, ainda na adolescência, foi o Earthling [1997], que meu irmão, 9 anos mais velho, tinha em CD. Achei a capa com aquele casacão do Alexander McQueen maneira e coloquei pra tocar. Não liguei muito, confesso. Aos 14 anos ainda não tinha a bagagem necessária pra isso”. 

“Meu amor por ele foi nascer já maior de idade, em festas indies que tocavam ‘Modern Love’ [1983] e ‘Sound and Vision’ [1977], que acabou virando minha preferida dele. Depois disso mergulhei pra saber mais sobre aquele homem fascinante e sua obra maravilhosa”, e Liv Brandão diz tudo quando usa o termo ‘mergulhar’. A obra musical de David Bowie é um recife de corais, diverso e em constante movimento. 

O começo, na adolescência, tocando sax em muitas bandas com repertórios variados. O primeiro disco, artístico e barroco, que saiu em 1967 e pouca gente ouviu. O primeiro sucesso, “Space Oddity”, em 1969, com sua psicodelia contemplativa e inspiração confessa em 2001: Uma Odisséia no Espaço. O hard rock guitarrístico de The Man Who Sold the World em 1970. A levada pop mais quente e pianística de Hunky Dory, lançado no final de 1971, com mais dois hits (“Changes” e “Life on Mars?”). O primeiro personagem, um alienígena andrógino que vira um glam rock star, que virou o mundo de cabeça para baixo em The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de 1972. 

Bowie seguiu pela década de 1970 firme e inquieto, mas também com problemas no primeiro casamento, com o empresário e muita cocaína. E mesmo assim criou um novo personagem (Thin White Duke) e lançou discos clássicos como Aladdin Sane (1973), Diamond Dogs (1974) e Young Americans (1975), além da trilogia de Berlim composta por Low (1977), “Heroes” (1977) e Lodger (1979). 

“Considero oficialmente que o primeiro disco do David Bowie que escutei foi o Aladdin Sane. Tenho uma vaga lembrança de ouvir antes umas duas músicas dele na Rádio Continental de Porto Alegre em 1973, eu tinha 12 anos, mas só lembro do locutor dizendo o nome. O Aladdin Sane eu escutei mesmo e fiquei fascinado”, relembra Emílio Pacheco, jornalista gaúcho e um dos poucos privilegiados que estiveram presente nas duas únicas passagens de David Bowie pelo Brasil (1990 e 1997). 

Pacheco ouviu todas as mudanças de Bowie nos anos 1970 e também viu sua definitiva ascensão ao estrelato nos anos 1980 a partir do disco Let’s Dance (1983) e de seus cada vez mais frequentes trabalhos como ator (para ficar nos mais conhecidos, Fome de Viver, Furyo – Em Nome da Honra, Absolute Beginners e, acima de tudo, Labirinto). Mas nem tudo foi recebido com a mesma empolgação por fãs como Pacheco. 

“Quando me tornei fã do Bowie esperava que ele nunca mudasse de estilo, que ele continuasse sempre fazendo aquele tipo de rock da fase Ziggy Stardust. E o Bowie mudava radicalmente. E no primeiro momento não vi isso com bons olhos. Hoje, em retrospectiva, acho que uma das importâncias do Bowie foi ter se tornado um artista que nunca se prendeu a nenhum estilo e se recusou a se tornar nostalgia”, diz Pacheco que também confessa que a princípio não gostou de discos como Young Americans e Station to Station, e que atualmente estão entre os preferidos, mas que até hoje não entende Heroes

“Fui me acostumando com a ideia que o Bowie era um cara mutante, um camaleão como chamam, né? E fui acompanhando as mudanças dele, com interesse, gostando mais de uns discos que de outros, já sabendo que podia esperar qualquer coisa, porque a marca registrada dele era a imprevisibilidade. Bowie estava sempre surpreendendo”, e assim Pacheco fez as pazes com seu ídolo. Quando anunciaram Bowie no Brasil, em 1990, Pacheco estava preparado. Ou achava que estava. 

“Em 1990 vi um dos shows que ele fez no Brasil, que foi o do saudoso Olympia, em São Paulo, ingressos custando uma fortuna, mas realizei meu sonho de ver o Bowie. Fiquei uma parte do show pensando sem parar que ‘tava mesmo vendo o Bowie em terceira dimensão, com profundidade, que era ele mesmo que estava na minha frente. Que não era um filme. Isso me chamou atenção, coisa de fã”, mas se recompôs e pode curtir um show intimista para fãs que conheciam as músicas dos anos 1970 que cobriam boa parte do setlist. “Ouvi falar que o show da Praça da Apoteose no Rio de Janeiro e os do Parque Antártica, em São Paulo, o público só se animou com as músicas dos anos 80, ‘Let's Dance’, ‘Modern Love’, ‘China Girl’ e ‘Blue Jean’”. 

Sete anos depois, Bowie lançou Earthling, seu experimento com música eletrônica e vigésimo primeiro álbum. Foi na turnê desse disco que o inglês voltou ao Brasil com shows em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. E lá estava, novamente, Emílio Pacheco: “Assisti os três, foram sensacionais. O repertório era mais do momento, mas com algumas músicas mais antigas. Tinha uma pegada mais pesada, mais drum'n'bass, que era o lance dele na época. E o público geral estava mais bem informado e curtiu mais as músicas como um todo, não só aqueles sucessos mais manjados”. Pacheco já escreveu sobre esses shows diversas vezes em seu blog, mas não cansa de relembrar. Bowie segue mudando sua vida (e de outras e outros), música a música.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

e o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem

Hermeto Pascoal, o homem, a lenda, o bruxo. ele foi o assunto do meu mais recente frila pra Revista Monet. dessa vez conversei com três músicos amigos pra saber mais sobre um dos artistas mais originais da música brasileira. com vcs, Hermeto por Dudu Tsuda, Thiago França e Meno Del Picchia.

Hermeto por Bob Wolfenson

O BRUXO DOS MIL SONS 

Do alto de seus 88 anos, o músico Hermeto Pascoal mostra toda sua energia e originalidade em documentário inédito no canal Curta!

Hermeto Pascoal é um mistério em muitos sentidos. Não se sabe de onde vem tanta energia e muito menos tanta originalidade e inquietação musical. Não se sabe nem em qual localidade de Alagoas nasceu há 88 anos: algumas fontes dizem Canoa da Lagoa (é, inclusive, o nome de um seus mais famosos discos, Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca, de 1984) e outras afirmam que é Olho d´Água Grande (35 km separam uma da outra). Os cineastas Lírio Ferreira e Carolina Sá optaram pela segunda e assim nasceu O Menino d'Olho d'Água, premiado e inédito documentário sobre o músico que estreia este mês no canal Curta! 

O longa traça um perfil de Hermeto a partir de três frentes: uma performance recente; suas lembranças de infância no sertão de Alagoas; e uma conversa sobre música e processo criativo. E a vida e obra do alagoano é um mar sem fim de histórias. Tem o encontro aos 7 anos com o acordeão do pai e os muitos forrós e festas de casamento que tocou ao lado do irmão José Neto. Tem os sons da natureza, os bichos, os instrumentos feitos com plantas e objetos. Tem a mudança para Recife aos 14 anos, o encontro com o igualmente albino e acordeonista Sivuca e as muitas rádios que tocou. Logo após completar 18 anos casou-se com Ilza, a origem de um casamento de 46 anos e 6 filhos, e descobriu o piano. 

Sempre a procura de trabalho, Hermeto foi com a família para João Pessoa atrás da Orquestra Tabajara e depois, em 1958, para o Rio de Janeiro para tocar na Rádio Mauá e também em boates e hotéis refinados. Então, no início da década de 1960, Hermeto se mudou para São Paulo e a flauta foi tomando o lugar do acordeão e do piano. Aos 25 anos, músico e pai de família, seguia tocando de tudo, mas começou a compor mais e sempre injetando Nordeste no samba jazz que fazia sucesso na época. Esteve no Som Quatro, no Sambrasa Trio e nos especialmente cultuados Quarteto Novo (o grupo que acompanhou Edu Lobo em “Ponteio”, a grande vencedora do Terceiro Festival de Música Popular Brasileira, produzido pela TV Record em 1967) e Brazilian Octopus. 

Então o percussionista Airto Moreira, seu companheiro no Quarteto Novo, o chamou para gravar nos Estados Unidos no final da década de 1960 e por lá Hermeto ficou cerca de quatro anos. Nesse período gravou dois discos com Airto e sua esposa, a cantora Flora Purim, atuando como compositor, arranjador e instrumentista. Também conheceu Miles Davis e chegou a trocar sopapos com o trompetista numa brincadeira de boxe (diz a lenda que Hermeto acertou um cruzado no rosto de Miles). O brasileiro albino e estrábico impressionou tanto o norte-americano que gravou duas de suas composições, “Nem um talvez” e “Igrejinha”, em seu disco Live-Evil (1971) com direito a participação de Hermeto tocando vários instrumentos. De volta ao Brasil em 1973, gravou seu primeiro disco solo (A Música Livre de Hermeto Pascoal) e deu início a uma das jornadas mais originais da música instrumental brasileira. 

TUDO É COISA MUSICAL

“Me lembro de escutar Hermeto pela primeira vez quando eu tinha uns 16 anos, em meados dos anos 1990. Um amigo baixista que tocava comigo na época me apresentou a música ‘Bebê’. Logo depois ouvi outras músicas dele e, claro, o seu famoso solo de chaleira que mudaria minha vida pra sempre. Parei e pensei: opa, que troço é esse? Mal sabia que alguns anos mais tarde, em 2002, seguiria nesse caminho que ele abriu e começaria minhas pesquisas em música experimental”, afirmou Dudu Tsuda, músico paulistano que participou de bandas como Cérebro Eletrônico, Jumbo Elektro e Trash Pour 4 e mais recentemente tem se dedicado a trilhas de espetáculos de dança e performances. 

O músico, professor e antropólogo Meno Del Picchia ouviu Hermeto pela primeira vez mais ou menos com a mesma idade que Tsuda. “Devia ter uns 13 ou 14 anos. Foi um disco chamado Hermeto Pascoal & Grupo, que é de 1982. Eu já estava tocando porque comecei a estudar piano ainda pequeno e depois, com 12, fui tocar instrumentos de corda, baixo e violão. E quando ouvi esse disco do Hermeto, eu pirei, achei maravilhoso, e comecei a tentar tirar umas músicas porque mexeu muito comigo. E uma das coisas que mais me impressionou, especificamente nesse primeiro álbum que ouvi, foi a capacidade do Hermeto de transportar a gente pra aquela sonoridade das bandas de coreto e seus instrumentos de sopro e percussão. Mas, ao mesmo tempo que o Hermeto me jogava em pracinhas do interior de Alagoas, ele também compunha músicas que remetiam para um jazz contemporâneo completamente experimental, e sempre com uma brasilidade muito forte”. 

Já Thiago França, criador da Espetacular Charanga do França e integrante do Metá Metá, nunca tinha ouvido nenhum disco de Hermeto até se deparar com o “bruxo” ao vivo no Sesc Campinas no final da década de 1990. “Foi uma loucura o show, porque o Hermeto tocou mais de 3 horas, e o povo do Sesc desesperado pedindo pra ele parar e ele não parava. Até uma hora que tiraram da tomada o teclado que ele estava tocando e ele catou um instrumento de percussão. O povo do Sesc subindo em cima do palco pedindo pra ele parar, pelo amor de Deus, e ele não parava. Então, essa é uma coisa que me identifico e pratico numa seara diferente, que é essa paixão, essa necessidade de tocar, essa coisa de começar a tocar e não querer parar nunca mais. É uma coisa que nunca vi em nenhuma outra pessoa, essa coisa da dedicação absoluta à música”. 

Esses três músicos, com suas sólidas carreiras próprias, não foram influenciados diretamente pela música de Hermeto, mas sim pelo jeito de fazer música de Hermeto e isso é coisa que não se esquece. “Ele é um farol para muitos jovens, pois vê-lo tocando, mesmo sabendo que são peças dificílimas, parece fácil e divertido. Ele aproxima as pessoas da música, as convida a querer também experimentar, a querer também inventar seu próprio modo de tocar. Seu ímpeto em experimentar novas linguagens e sons, por exemplo, formou meu espírito curioso e em constante interesse pela associação ainda não realizada, pelo novo formado a partir do encontro de diferentes. Ao mesmo tempo em que sua jovialidade me traz muita esperança no nosso fazer, não na esperança de ficar rico ou essas coisas banais, mas de que tudo vale à pena, mesmo que, por vezes, tenhamos a sensação que é o caminho mais difícil”, explicou Tsuda. 

Do seu jeitinho, Hermeto foi se espalhando e ganhando o mundo, principalmente Europa e Japão, lugares que nunca deixou de tocar desde os anos 1970. Montou também bandas que revelaram instrumentistas do naipe de Jovino Santos Neto, Carlos Malta, Itiberê Zwarg, Márcio Bahia, Nivaldo Ornelas, Nenê e Vinicius Dorin, que tocaram ao seu lado por anos a fio (uns ainda tocam). “Ele é um dos poucos artistas que consegue manter a mesma banda ao longo dos anos e isso faz toda diferença numa performance ao vivo, porque eles se conhecem muito, um já sabe o que o outro vai fazer e, sendo assim, o som tem uma força ainda maior”, disse Del Picchia. 

Thiago França concorda em gênero, número e degrau. “Ele é um cara que sabe valorizar as pessoas com quem ele toca, e tem essa magia de fazer todo mundo florescer junto. Mas o melhor de tudo é que na música de Hermeto tem frevo, choro, baião, samba, e tem coisas que a gente não consegue identificar direito o que são. Tem coisas super melódicas, outras super complexas, tem coisa muito suingada e tem tempos compostos dificílimos de tocar. Acho que ele foi em todos os lugares, e mapeou todas as possibilidades da música instrumental, e isso dele ter reunido dentro de um trabalho é o que o torna tão relevante. Ele é o cara que nos diz, e não só diz, mas mostra, que todos os caminhos são possíveis na música instrumental”.