na edição de abril da revista Monet tive alegria dupla, dois textos (salve Luís Alberto Nogueira, hermano de longa data). o primeiro, que posto aqui, foi sobre Anora, o grande vencedor do Oscar de 2025. o segundo foi sobre Ainda Estou Aqui, o nosso grande vencedor do Oscar de 2025 (é a próxima postagem).
agradecimentos a Odair José (o título do texto) e Carlos Reichenbach (o título dessa postagem). sem mais delongas...
EU VOU TIRAR VOCÊ DESSE LUGAR
A 97ª premiação do Oscar, que aconteceu na noite de 3 de março, teve muitos momentos históricos e inéditos: o primeiro negro a ganhar um Oscar de Melhor Figurino (Paul Tazewell por Wicked), o primeiro Oscar para a Letônia (Flow, Animação), o primeiro Oscar para o Brasil (Ainda Estou Aqui, Filme Estrangeiro), o mais longo discurso (Adrien Brody, Melhor Ator em O Brutalista) e a primeira vez que uma só pessoa levou quatro Oscar na mesma noite por um mesmo filme. E nesse caso estamos falando de Sean Baker, o premiado diretor, roteirista, editor e co-produtor de Anora, filme que venceu ainda mais um Oscar, o de Melhor Atriz para Mikey Madison.
Quando subiu pela quarta e derradeira vez ao palco do Dolby Theatre, Baker parecia anestesiado por tanta alegria e surpresa. “Quero agradecer à Academia por reconhecer um filme verdadeiramente independente. Este filme foi feito com sangue, suor e lágrimas de incríveis artistas independentes. Vida longa ao cinema independente!”, disse e fez questão de mencionar o orçamento total de Anora: US$ 6 milhões (dinheiro que provavelmente não pagaria a alimentação para elenco e equipe de qualquer filme ou série da Marvel).
Durante coletiva para a imprensa brasileira no dia seguinte ao Oscar, a atriz Fernanda Torres seguia curtindo uma certa ressaca de alegria quando relembrou a noite anterior. “Esse Oscar foi muito especial porque foi uma celebração do cinema independente. O discurso do Sean Baker, a atriz que a [Mikey] Madison é. Ela é muito especial. A maneira que eles fizeram Anora é a mesma maneira que a gente fez Ainda Estou Aqui. É cinema de grupo. Eles tinham um budget pequeno e eles fizeram aquilo, eles todos, como a gente”, e mencionou ainda dois outros filmes independentes premiados da noite, a animação letã Flow e o documentário palestino-israelense No Other Land.
“Nessa campanha encontrei o Sean Baker algumas vezes e ele me disse que amou o nosso filme. Acho que porque ele reconhece o cinema independente que o Walter [Salles Jr.] também faz. Então, sinto que o Ainda Estou Aqui é um primo de Anora. O deles é sobre a busca por afeto. O nosso é sobre afeto”, afirmou Torres.
Enquanto a atriz brasileira falava na coletiva, em outro canto de Los Angeles, a jovem protagonista de Anora, a atriz Mikey Madison, buscava algum sentido no caos. “Ainda me sinto flutuando como num sonho. Foi uma noite muito surreal e realmente preciso de um tempo pra digerir a magnitude disso tudo. Claro que me sinto honrada e muito feliz, mas totalmente em choque”, disse em entrevista para a Hollywood Reporter. “Amo todas essas mulheres [que estavam na categoria] e suas performances, fiquei tão feliz de estar junto delas. Vi Fernanda [Torres] e nos abraçamos. Troquei mensagens com Demi [Moore], ele foi muito doce, muito querida. Amo muito ela”.
Os cinco Oscar ganhos por Anora foram o desfecho de um conto de fadas indie que teve início com a Palma de Ouro no Festival de Cannes em maio de 2024. Ao total, o oitavo filme de Sean Baker amealhou, segundo levantamento do site Rotten Tomatoes, 196 prêmios. Mas a história, como sempre, começou antes.
CORTA PARA O PASSADO, DIRETOR
Apaixonado por cinema desde criança, quando sua mãe o levou para assistir alguns clássicos filmes de terror produzidos pela Universal na década de 1930 (Drácula, Frankenstein, A Múmia, etc), Sean Baker trabalhou na juventude como projecionista (aquele que mostra) e taxista (aquele que ouve), e já adulto editou vídeos de casamento (aquele que conta histórias). Juntou tudo isso pra fazer faculdade em ‘film studies’ pela renomada New York University (NYU), mas acabou trancando o ensino superior em 1992 com o objetivo de ganhar experiência prática, e lá se foi trabalhar em filmes institucionais e publicidade, e só se graduou em 1998.
Dois anos depois, aos 29 anos, dirigiu seu primeiro longa, Four Letter Words. Nos anos 2000 vieram mais dois longas, Take Out (2004) e Prince of Broadway (2008). Os três filmes que fez nos anos 2010 começaram a lhe dar alguma fama no cenário independente americano e mundial: Starlet (2012), Tangerina (2015) e Projeto Flórida (2017), uma história protagonizada por Willem Dafoe. Durante a pandemia, filmou Red Rocket (2021) e começou a trabalhar no roteiro do que viria ser Anora.
A ideia original, pensada em parceria com o amigo e ator de todos os seus filmes Karren Karagulian, era de fazer um filme sobre gângsters russos em Nova York. Mas a história não foi para frente e Baker lembrou que alguns dos vídeos de casamento que editou eram da comunidade russa que vive em Brighton Beach, região sul do Brooklyn. Soube então, via Karagulian, sobre uma noiva que foi sequestrada no dia de seu casamento como ameaça da máfia russa. E pensou em relações de poder, em dinheiro, em sexo por dinheiro, e no mundo da prostituição que tem sido frequente em seus filmes desde Starlet, em 2012.
Mas Baker queria começar a escrever só quando já tivesse o rosto da protagonista e ela veio, doce e raivosa, numa descompromissada sessão de Scream (2022). Era Mikey Madison. Baker e sua mulher, a produtora Samantha Quan, lembraram que tinham visto Madison alguns anos em um papel pequeno em Era Uma Vez em Hollywood (2019), de Quentin Tarantino.
“Não queria fazer um filme de gangster russo - já foi feito muitas vezes -, mas ainda queria brincar com os temas de poder, e o que é poder nesta sociedade capitalista senão dinheiro? Então, o que colocaria a protagonista, uma garota de programa, nessa posição? Ela se casa com uma família, mas que tipo de família seria se não fosse uma família de gangster? Ah, a família de um oligarca russo! Ela se casa com o filho de um oligarca russo, um garoto que nunca cresceu”, disse Baker em entrevista para a revista Filmmaker.
Baker foi então juntando referências mais ou menos diretas para criar Anora, desde a leveza do improviso de Robert Altman à liberdade de Jess Franco, desde o conto de fadas de Uma Linda Mulher a uma família poderosa exigindo respeito em Um Príncipe em Nova York, da luz suja de clássicos urbanos dos anos 1970 como Operação França e O Sequestro do Metrô, de jovens mulheres donas de seu próprio nariz em comédias italianas dos anos 1960 e 70 (A Garota com a Pistola e Por Um Destino Insólito, por exemplo).
Desse liquidificador cinematográfico saiu Anora, um filme que estende o tempo para que seus personagens, e sua história, respirem. Que abraça personagens marginalizados. E que se recusa a dar respostas fáceis para conexões humanas complexas.
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