sábado, 11 de junho de 2011

música é trabalho e fonte

jovino santos neto. antes de conhecê-lo em 2008 era um mistério. quer dizer, sabia que seu nome se repetia inúmeras vezes nos encartes de alguns dos discos mais potentes de hermeto pascoal. jazz brasileiro da pesada. mas esses discos eram da década de 1980 e depois, sobre ele, não sabia mais nada. então o conheci e fiquei sabendo que estava morando em seattle, professor de universidade, criando família e tomates, e tocando bastante jazz pelos estados unidos. estava em são paulo para lançar um disco de "volta às raízes", o belo alma do nordeste, e lá estávamos nós no restaurante de hotel ali na rua turiassú (ele ia tocar no sesc pompéia). conversa boa, durou um tempão e acho que tem muito mais da entrevista (ah, seu canal no youtube é recheado de bons sons). o resultado saiu na revista brasileiros de outubro de 2008 numa versão levemente editada. segue aqui a original de fábrica.

jovino santos neto e hermeto pascoal em 1991 e 2001


ALMA EM MOVIMENTO

Um dos homens de confiança de Hermeto Pascoal, o músico Jovino Santos Neto viajou pelo sertão e descobriu um Nordeste de fábulas e cacofonias

Imagine o verde, montanhas e águas. A natureza logo ali e por todo o lado. Poderia ser o Rio de Janeiro, mas por uma dessas obras do destino este lugar é Seattle. A maior cidade do Estado de Washington, extremo noroeste dos Estados Unidos, vem há quinze anos sendo residência do músico carioca Jovino Santos Neto em um auto-exílio profissional sem maiores crises. No entanto, durante 20 dias de maio de 2007, o ex-integrante da banda mais célebre do mago Hermeto Pascoal saiu do conforto de seu lar em terras distantes para se perder nas estradas e cidades do sertão nordestino. Saiu de lá com as músicas de seu quinto disco solo (Alma do Nordeste), o primeiro a ser lançado no Brasil, e algumas surpresas.

“No final de 2005 minha produtora no Brasil perguntou se tinha algum projeto para colocar no edital da Petrobras. Olhei para estante e vi um livro que tinha acabado de resgatar da biblioteca do meu pai. Era uma edição autografada de Alma do Nordeste, de C. Nery Camello, que pertenceu ao meu avô. O livro foi resultado de uma viagem que o autor fez em 1936 pelo interior da Bahia e Pernambuco. Não é organizadinho, é mais uma coleção de impressões sobre a viagem. Decidi refazer os passos desse escritor e retratá-los musicalmente a partir dos sons e cheiros da jornada”, explicou Jovino em breve passagem por São Paulo para lançamento do disco.

O pianista, compositor, arranjador e regente de 54 anos começou a tocar no início da adolescência, mas durante a segunda metade da década de 1970 sua vida tomou novo rumo ao conhecer Hermeto Pascoal. “Quinze anos com ele é uma escola no qual você aprende todas as coisas possíveis sobre a música instrumental brasileira”. Jovino esteve ao lado de músicos como Itiberê Zwarg e Carlos Malta em uma banda que acompanhou Hermeto em inúmeras turnês mundiais, além de discos clássicos como Cérebro Eletrônico (1980), Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca (1984), Só Não Toca Quem Não Quer (1987) e Festa dos Deuses (1992). No início da década de 1990, o pianista foi tomado por uma urgência de outros aprendizados e acabou em Seattle, mais precisamente no Cornish College of the Arts, que acabou lhe contratando como professor. “Acho que morando lá sou mais brasileiro do que morando aqui. Ampliei meu conceito de lar, mas ainda não equilibrei porque gostaria de vir mais vezes para cá”.


é, o jovino tá no meio dessa bagunça aquática comandada pelo hermeto

O projeto Alma do Nordeste e a viagem por cidades como Campina Grande, João Pessoa, Caruaru, Recife e Cabedelo serviu como um calmante para os embates internos deste neto de sergipanos com o Brasil. Mas nada o havia preparado para o primeiro encontro com o Nordeste do início do século 21. “Estava esperando voltar no tempo, mas todos os hotéis tinham internet sem fio e de graça. Achei as estradas ótimas e a infra-estrutura muito boa no geral. É que tinha um Nordeste na minha cabeça e acabei encontrando outros. Por exemplo, Arapiraca, terra do Hermeto, era um caos urbano como qualquer outro, ainda mais que chegamos no sábado anterior ao Dia das Mães. A princípio quis sair correndo, mas parei pra pensar e achei que a gente estava ali por algum motivo, e a cacofonia da cidade acabou entrando no disco. Em vários momentos os músicos improvisam juntos e ao mesmo tempo”.

O Nordeste fabular também apareceu em alguns momentos. Só que na Fazenda da Macuca, próximo de Garanhuns, o encontro se deu com rara intensidade. Durante três dias o músico tocou com sanfoneiros e percussionistas locais e conheceu o samba de coco de Mestre Zé Romão e uma festa de boi diferente e anárquica. “Mas é bom falar que não fui buscar música, especificamente. Outro ensinamento de Hermeto: o músico não pode se inspirar só em música porque fica naquela auto-referência. É preciso se inspirar nas árvores, coisas e pessoas, e no Nordeste a gente acha muito pra se inspirar”. Nesta e em muitas outras palavras de Jovino é possível notar a assumida reverência aos ensinamentos do mestre Hermeto Pascoal. Um dos principais é que aprendizado e movimento precisam caminhar colados um ao outro. Rodopiando, de preferência.

No liquidificador pessoal de Jovino Santos Neto todas essas informações se misturam ao forró, jazz, baião, choro, free jazz, maracatu e outras milongas. “Quando subo no palco não estou tirando uma coisa do nada. Estou lançando uma rede em um mar cheio de peixes, cheio de idéias musicais que estão ali a mais de 500 anos. Esse movimento constante é uma enorme fonte de alimento para o amanhã. Ainda mais no caso da música brasileira. Acho que a razão da nossa música ser tão rica e aceita no mundo é porque condensa influências musicais de todos os lugares, muito mais que qualquer outra que conheça”.


Ele sabe, afinal é o responsável por um concorrido curso sobre a história da música brasileira na Cornish, em Seattle. Atento e de ouvidos abertos, o músico se mantém informado sobre o noticiário cultural/musical daqui por amigos e, principalmente, pela internet, local onde construiu seu sítio lá pelas bandas do ano 2000. Mais recentemente, no final de 2007, montou sua página no MySpace. “Agora tenho 1000 acessos por mês e uma rede com umas 700 pessoas, sendo que metade é do Brasil. Agora, uma das coisas mais bacanas da internet é que meu outdoor é do mesmo tamanho que o de uma grande gravadora. É do tamanho da tela do computador”.

Mesmo não sendo um alvo em potencial da pirataria digital, o artista gosta de meter a colher nessa panela. “Consigo ver os dois lados. Como compositor que paga aluguel e compra o leite das crianças não é legal ver as pessoas consumindo minha música sem pagar nada. Por outro lado, faço tanta música que não vejo problema em colocar algumas para as pessoas baixem. Serve como estímulo para ouvirem mais músicas”. E, de repente, tomado por metáforas dignas do mestre Hermeto finaliza o raciocínio: “Porque música é trabalho, mas também é fonte. O sujeito pode ir lá e beber um litro, pode ir lá e pegar três garrafas, mas é fonte de água e continua jorrando. De onde saiu essa tem muito mais”.

O retorno a sua casa, mulher e dois filhos, estava marcado para o dia seguinte da entrevista. Não sabia ao certo quando voltaria para o Brasil, mas gostaria de finalmente conseguir manter a rotina de vir três vezes por ano. “Mas agora, nesse exato momento, estou com saudade dos meus tomates em Seattle”. A alma brasileira tem lá seus segredos.

Um comentário:

Brazilian Heart disse...

Muito bom! Obrigada pela reportagem. Jovino é genial como músico e principalmente como ser humano. : )