quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

olho pro alto e vejo...

acabei esquecendo de colocar aqui um dos frilas do primeiro semestre, um que fiz para a revista private brokers. como é de história/fotografia - sobre o livro tetos do brasil - não envelheceu nadica de nada .

foto: bruno veiga

O CÉU QUE NOS PROTEGE

Desde que o mundo é mundo, um teto é muito mais que a segurança de que o céu, o sol e a chuva não desabem sobre nossas cabeças. “A história da humanidade está relacionada ao uso dos tetos como suporte para o registro de hábitos, ideologia e crenças do homem ao longo da sua história. Ao estudar a intervenção humana nos tetos, a partir dos primeiros registros nas cavernas até o uso de tecnologia atuais, pode-se conhecer a maneira como vive ou vivia determinada civilização. Como pensavam, no que acreditavam, seus hábitos e seu cotidiano”, explicou Renata Lima, coordenadora editorial de Tetos do Brasil – Origem, História e Arte (Editora Babel).

Experiente produtora cultural que vem se dedicando ultimamente ao mercado editorial, Renata teve a ideia deste trabalho numa viagem a Lisboa, em 2010, quando pesquisava sobre calçadas portuguesas para o livro-ensaio Tapetes de Pedra (19 Design). “Quando pensei em fazer o livro dos tetos tinha certeza que, pelo que já tinha visto mundo afora, teríamos material suficiente para um livro de referência sobre assunto. É que nosso patrimônio é riquíssimo. Basta entrar em qualquer igreja em Salvador ou passear por Brasília, olhar para o alto e perceber que o Brasil vem contribuindo há séculos nessa fina arte”, disse.

Numa edição luxuosa com 240 páginas, o livro traz belos ensaios fotográficos assinados por Bruno Veiga (coloridas) e Cristiano Mascaro (preto & branco) com os mais importantes tetos preservados de edificações brasileiras, e ainda os relaciona, em textos escritos por especialistas, com o momento histórico e estético em que foram realizados. Sem esquecer, claro, das especificidades e misturas da nossa arquitetura tropical.

foto: bruno veiga

É que desde que os primeiros carpinteiros e pedreiros portugueses aportaram por essas bandas, quando o Brasil ainda nem era chamado assim, a influência da metrópole foi sendo revista pelo clima, topografia e materiais disponíveis na colônia. “A austera e sombria casa peninsular portuguesa perdeu sua discrição e aspereza no Brasil e o uso da varanda externa forneceu a necessária integração com o mundo exterior”, afirmou o arquiteto Altino Caldeira, professor da PUC-MG e um dos convidados a escrever em Tetos do Brasil.

O conhecimento técnico dos índios também não era nada desprezível, como muitos experts acharam por bastante tempo, e sua discreta sofisticação fica patente no depoimento que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha deu ao livro. “Ele desenhou o teto de uma oca e comparou com o interior da catedral de Florença. Impressionante como a estrutura é similar. O que parece simples é na verdade de uma engenhosidade genial”, revelou Renata sobre uma das surpresas pessoais que teve durante a pesquisa.

foto: cristiano mascaro

De qualquer forma, igrejas e prédios públicos sempre foram os primeiros a ganharem construções mais esmeradas e seus tetos serviam como um fecho de ouro, ou uma carta de intenções, de tudo que estava relacionado à ostentação de seu próprio poder (religioso, político, financeiro, etc). Estão no livro exemplos muito bem preservados da arquitetura do Brasil Colonial em Salvador (Nossa Senhora da Conceição), Olinda (Mosteiro de São Bento) e Sabará (Nossa Senhora do Ó), por exemplo. Mas não há como negar que foram cidades mineiras como Ouro Preto, Diamantina, Tiradentes, Sabará e Congonhas, por causa do Ciclo do Ouro no século 18, que mais se beneficiaram de tanto esmero. “Igrejas e casario demonstram em suas particularidades os resultados de uma arte que unia sentimento, devotamento e grande qualidade expressiva”, resumiu Caldeira sobre o barroco mineiro e seus tetos recheados de anjos e eventos, religiosos ou mundanos.

No início do século 19, com a chegada da Família Real (1808) e a Independência do Brasil (1822), foi a vez da então capital Rio de Janeiro ganhar mais sofisticação em suas construções. E enquanto esse século chegava ao fim, outras cidades e regiões eram beneficiadas por novos ciclos e boom econômicos: São Paulo e o Vale do Paraíba com o café, Manaus e Belém com a borracha. “Dos últimos momentos do Império herdamos os tetos das fazendas do café, das Casas de Misericórdia e dos palácios, onde se concentraram as riquezas que sobreviveram ao tempo do Brasil Colônia”, relembrou Caldeira. No livro, essas heranças são exemplificadas nas fotos das casas de fazenda da região de Bananal (SP) e no impressionante Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.

Também no final do século 19 ocorreu a primeira grande leva de imigrantes não-ibéricos, o que estabeleceu outros contatos e influências do Brasil com o resto da Europa. De um lado veio o ecletismo, uma mistura de inúmeros estilos arquitetônicos de épocas diferentes, que já estava espalhado pelo Velho Mundo e virou moda nas grandes cidades brasileiras. Por outro, a chegada da luz elétrica e de novas tecnologias que conseguiam moldar mais facilmente ferro e vidro ampliaram os horizontes da então jovem arquitetura brasileira. E os tetos ganharam novos adereços. Assim nasceram o Teatro Amazonas em Manaus, o Teatro Municipal e a Confeitaria Colombo no Rio de Janeiro, e a Estação Júlio Prestes em São Paulo.

foto: cristiano mascaro

Mas foi no século 20, após o fim da Primeira Guerra Mundial, que as mudanças começaram a acontecer mais rapidamente na arquitetura. O que era rebuscado foi se tornando cada vez mais direto, minimalista e (enganosamente) simples, muito por causa do concreto. “Acrescentando um novo repertório aos tetos, que puderam ser simplificados ao extremo, a tônica dessa época foi a limpeza de ornamentos. O modernismo brasileiro enxugou nossa arquitetura das frivolidades e exageros do século 19, buscando novos significados para os espaços de convivência públicos e privados”, explicou Caldeira.

O modernismo de Oscar Niemeyer, cujo auge acontece entre a década de 1940 e a de 1960, aparece em diversas ocasiões no livro, além de alguns herdeiros como Décio Tozzi (Orquidário Ruth Cardoso) e Paulo Mendes da Rocha (Museu Brasileiro de Escultura). É que ninguém no mundo desenhou curvas e retas no concreto com tanta doçura e malemolência quanto o nosso modernismo; o que diz muito sobre quem o faz.

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