domingo, 17 de março de 2019

os sons da monga

Tem documentarista que sente calafrios com a possibilidade de trilha sonora em seus filmes. Jean Rouch e Eduardo Coutinho que o digam. Pra essa turma, o lance é o som direto, o que importa é o que a câmera registra e apenas o que a câmera registra. Nada de comentar, ilustrar ou acompanhar musicalmente as imagens. Tem também documentarista que não vê problema algum em promover diálogos-choque entre música e imagem, são novas e outras camadas de significados possíveis. Exemplos não faltam, mas Errol Morris e Godfrey Reggio fizeram história em suas colaborações com o compositor Philip Glass.

Cris Siqueira está com esta segunda turma. Seu filme de estreia, Monga [ver datas, horários e locais de exibição ao fim do texto], tem uma instigante trilha sonora praticamente toda original alternando faixas instrumentais e canções do punk rock ao funk. São 11 músicas que fazem cama, mesa e banho para as memórias e histórias de uma lendária atração circense que nasceu no Brasil e foi parar nos Estados Unidos. Em Monga, imagem e música andam juntas, conversam, brigam, dão um tempo, enfim, se entrelaçam de muitas formas.

E não poderia ser diferente, afinal Cris se formou dirigindo programas na MTV Brasil enquanto tinha uma banda pra chamar de sua em São Paulo, a barulhenta e divertida Go Hopey [montou outras bandas também em Milwaukee, EUA, onde mora desde 2004].

Lançamento doc MONGA em SP from Cris Siqueira on Vimeo.

Tal qual a trajetória transcontinental da Monga circense, Cris Siqueira fez da trilha de seu filme uma ponte entre Brasil e Estados Unidos, São Paulo e Milwaukee/Chicago. E, por ser uma produção radicalmente independente bancada às próprias custas S/A, as músicas são também uma carinhosa ação entre amigas(os). Então, vamos a elas.

arte de Silvana Mello e Mica O'Herlihy para o cartaz do filme

AS INSTRUMENTAIS

Coincidência ou não, quatro faixas instrumentais da trilha de Monga foram compostas por bateristas. Mauricio Takara, integrante do Hurtmold e do São Paulo Underground [além de trabalhos solo], assina “Monga”, uma intrigante música tribal levada em programações de cuíca e tamborim. John Herndon, do Tortoise, é autor da espacial e climática "Ape Girl Instrumental"



Brock Gourlie, marido de Cris e baterista da Scrimshaw [entre outros projetos], compôs a curta e intensa “Capy Theme”, faixa que dá um pouco do clima, humor e velocidade de todo o filme, e a experimental e envolvente "Springtube and Casio" [em parceria com Anton Sieger, outro integrante da Scrimshaw].



A quinta música instrumental da trilha é anterior ao filme. "Jane Birkin", uma surf music distorcida, é de um dos muitos projetos musicais de Helena Fagundes, o Ex Naive. Helena é amiga de longa data de Cris Siqueira e também assina a edição de som de Monga.


OS ROCKS

Voltando à Helena Fagundes, ela é metade do projeto Clementine [a outra é a portuguesa Shelley Barradas]. As duas enquanto Clementine assinam a veloz "Ape Girl", pós punk à la Sonic Youth que serve de aviso para os perigos da Monga, afinal de contas ela definitivamente não é uma garota como outra qualquer.


"Go Monga" tem a mesma sonoridade de “Ape Girl”, mas sua letra é delirante e trash como um filme de terror B dos anos 1950. Fruto de encontro de amigos em um estúdio em Mogi das Cruzes, “Go Monga” é Eliane Testone [Repentina], Helena Duarte e Danilo Sevali [Hierofante Púrpura} e a própria Cris Siqueira expandindo musicalmente a mitologia da Monga.


Enquanto isso, "Lowland Gorila", de Jordan Davis [Space Raft/Mystery Girls], é a que dá o tom predominante dessas histórias de muitas Mongas. Tem algo de romântico, um tanto de nostálgico, pitadas de lamento, mas principalmente delicadeza nas quatro diferentes versões de "Lowland" presentes no filme.


Outras duas músicas não inéditas estão entre os rocks: "Walt Disney Jr", da Scrimshaw, parece que veio de uma animação underground e casa perfeitamente com o clima da Monga; já "Just What You Need", do Resist Her Transistor [uma das bandas que Cris fez parte nos EUA], é outro punk rock como manda o figurino, rápido e cru.



E O FUNK

Por ultimo, o inusitado hit da trilha: "Calma Monga", ou o encontro de uma das rappers brasileiras, a paulistana Lurdez da Luz, com um veterano produtor do funk carioca, o DJ Zé Colméia. Sob a batida de um pancadão clássico, Lurdez encarna duplo papel, tanto de funkeira bilíngue quanto de mestre de cerimônias do espetáculo.


EXIBIÇÕES DE MONGA

CineSesc [Rua Augusta, 2075]
dia 18, 21h - Exibição do filme + bate papo de Cris Siqueira com a jornalista Renata Simões

Matilha Cultural [Rua Rêgo Freitas, 542]
dia 20, 19h - Festa de lançamento
dia 21, 20h
dia 22, 19h
dia 23, 19h

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