sexta-feira, 14 de outubro de 2022

80 anos de Milton Nascimento

sacudindo a poeira aqui do blog - pois não tenho colocado os frilas que venho fazendo para a revista pesquisa fapesp desde o início de 2022 - venho com um novo frila pra sempre querida revista monet, um perfil frio do octagenário milton nascimento para a edição de outubro. aparentemente fácil de fazer, texto assim é mais difícil de costurar, pois é tanta informação importante e disponível que o trabalho maior é de buscar o mais importante, o que pode interessar mais. acho que deu certo aqui.

80 MILTONS

Shows e uma série documental homenageiam os 80 anos de um dos maiores nomes da música popular brasileira, Milton Nascimento

“Se Deus cantasse, teria a voz de Milton Nascimento”, disse certa vez Elis Regina. No próximo 26 de outubro, Elis, se estivesse viva, poderia dizer que o Deus que canta está completando 80 anos. Para homenagear marco tão importante, o Canal Brasil e o Canal Bis preparam programações especiais: no Brasil, a série documental Milton e o Clube da Esquina (2020) e o show Milton Nascimento: Uma Travessia - 50 Anos de Carreira (2013), enquanto o Bis exibe um show inédito de 1981 com Milton acompanhado pelo parceiro, e amigo desde a infância, Wagner Tiso. 

É um pouco das mais de seis décadas de músicas de um dos maiores artistas brasileiros, e que foi lançado justamente por Elis em 1966 quando a cantora gravou “Canção do sal”. Nascido no Rio de Janeiro, mas criado por sua família adotiva em Três Pontas (MG), Milton ganhou uma sanfona aos 4, cantava em bailes aos 13 e gravou sua primeira canção aos 20 (“Barulho de trem”, em 1962). Quando foi apresentado a Elis via Gilberto Gil – outro grande octogenário deste ano –, Milton já morava em Belo Horizonte e buscava conciliar a vida musical com uma faculdade de Economia. Depois de conhecer Elis, não precisou conciliar mais nada e apenas um ano depois, em 1967, ganhou o prêmio de melhor intérprete no Festival Internacional da Canção com “Travessia”, parceria sua com Fernando Brant.

Nessa época, segunda metade da década de 1960, Milton já havia conhecido Beto Guedes e os irmãos Márcio e Lô Borges, amigos e parceiros da vida toda, mas seus primeiros três discos seguem por um caminho mais bossa jazz. Tanto que o segundo, Courage, foi gravado nos EUA, tem canções em inglês, produção e arranjos de Eumir Deodato e participação de ninguém menos que Herbie Hancock (que viria se tornar um grande amigo e voltaria a gravar com Milton nas décadas seguintes). 

Foi em 1970, em seu quarto disco de estúdio, que Milton reuniu as composições dos irmãos Borges com o piano de Wagner Tiso e sua banda Som Imaginário para criar a sonoridade que melhor definiria sua carreira e criaria coletivamente, poucos anos depois, um dos discos mais importantes da história da música brasileira, Clube da Esquina (1972). Uma coisa assim Beatles encontra Minas Gerais mais psicodelia, progressivo, erudição, jazz e bossa, além de música regional e pitadas afro brasileiras. O coletivo – que além de Milton, Lô Borges e Beto Guedes, ainda era integrado por Toninho Horta e Tavito, entre outros - voltaria a se encontrar em Clube da Esquina 2 (1978).

A verdade é que, durante os anos 1970, Milton fez o seu próprio tropicalismo. Tão discreto, doce e lírico quanto ele mesmo. Tanto como compositor quanto como intérprete, foi nesta época que o carioca-mineiro deu ao mundo canções como “Para Lennon e McCartney”, “Cais”, “Nuvem cigana”, “Cravo e canela”, “Tudo Que você podia ser”, “San Vicente”, “Ponta de areia”, “Fé cega, faca amolada”, “Saudade dos aviões da Panair”, “Paula e Bebeto”, “O que será (À flor da pele)”, “A Lua girou”, “Circo Marimbondo”, “O cio da terra’ e “Maria, Maria”. Enquanto a década corria, foi censurado pela ditadura militar e boa parte das músicas do disco Milagre dos Peixes (1973) saiu de forma instrumental, lançou disco em parceria com o grande saxofonista americano Wayne Shorter (Native Dancer, em 1974), cantou ao lado de artistas como Alaíde Costa, Clementina de Jesus, Chico Buarque, Mercedes Sosa, Naná Vasconcelos, Gonzaguinha, e os grupos Boca Livre e Azimuth. 

Na década de 1980, ainda mais doce e crescentemente popular, Milton foi a cara e a voz da redemocratização do país. Lançada em 1983, “Coração de estudante” foi mais uma parceria com o grande amigo Wagner Tiso e bastou Milton cantar os primeiros versos, “Quero falar de uma coisa / Adivinha onde ela anda / Deve estar dentro do peito / Ou caminha pelo ar” para que um mundo de esperanças enchesse milhões de corações brasileiros durante a campanha das Diretas Já. E Milton não parou por aí, pois nessa década também lançou outras músicas-hinos do quilate de “Canção da América”, “Caçador de mim”, “Nos bailes da vida”, “Encontros e despedidas” e “Bola de meia, bola de gude”, e seguiu registrando grandes encontros, desta vez com Caetano Veloso, Roupa Nova, Ney Matogrosso, Uakti, Pat Metheny e Paul Simon.

Impossível mensurar quantos e quantas influenciou musicalmente, mas Milton sempre soube o que queria, apesar do jeito reservado. “Eu queria mais luz. Sempre foi assim, desde meus tempos de crooner em bailes. Via a cidade a noite, as luzinhas das casas, e queria que todas aquelas luzinhas me conhecessem. Cantando. (...) Tenho pavor do negócio póstumo. Quero tudo meu agora”, disse em entrevista para Bruna Lombardi no programa Gente de Expressão, em 1992. Nesta década gravou dois discos memoráveis, Txai (1990) e Angelus (1994), enfrentou seus primeiros problemas de saúde relacionados a diabetes, e deu a volta por cima com o show Tambores de Minas (1998).

Milton começou então a fazer um acerto de contas criativo com seu passado. Dos tempos de cantor em bailes nasceu Crooner (1999), totalmente de intérprete, depois veio Gil & Milton (2000), disco que registrou pela primeira vez o encontro dos dois. E ainda sobrou tempo para retornar a mão estendida que Elis lhe deu no começo de carreira, ao fazer o mesmo pela então cantora iniciante e filha de Elis, Maria Rita, no disco Pietá (2002). Quieto e inquieto, Milton Nascimento ainda fez, em parceria com Caetano Veloso, músicas para a trilha de O Coronel e o Lobisomem (2005), mas após completar 50 anos de carreira, em 2012, foi desacelerando. 

“Passa rápido demais o tempo, né? Não boto aqui que vou fazer 80 anos. Eu acho que tem um menino sempre dentro de mim”, disse Milton Nascimento em maio deste ano numa entrevista exclusiva para o programa Fantástico. Era tempo de anunciar que estava para sair na sua última turnê pelo país numa série de shows de despedida. Não da música, fez questão de deixar claro, mas dos palcos. Milton continua querendo luz, onde quer que seja.

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