segunda-feira, 22 de setembro de 2025

diz aí ethan hunt o que cê vai fazer

na edição de novembro de 2023 da Revista Monet falei de Missão Impossível: Acerto de Contas, o sétimo filme da franquia, e agora na edição de setembro da revista falei do oitavo e talvez último Missão Impossível, o grandiloquente e dramático Missão Impossível: O Acerto Final. sinta a adrenalina e o comprometimento do sexagenário astro Tom Cruise.

TODO CARNAVAL TEM SEU FIM

Ao que tudo indica, Missão Impossível: O Acerto Final será a última aventura de Ethan Hunt; mas será que a franquia será aposentada?

O tempo corre com a mesma intensidade de Ethan Hunt, o super agente da franquia Missão Impossível. Basta lembrar que quando o primeiro longa foi lançado, em 1996, Tom Cruise tinha apenas 32 anos. Hoje, ao divulgar Missão Impossível: O Acerto Final, o oitavo filme da série, o ator tem 62. São três décadas evitando a destruição global de todos os tipos de vilanias, sendo que agora o mal tem a forma difusa e megalomaníaca de uma inteligência artificial que ganhou vontade própria. Tom Cruise, ou melhor, Ethan Hunt não quer saber se o pato é macho, ele quer é salvar o mundo. Mas será pela última vez? 

“É o fim mesmo! Não tem ‘final’ no título à toa”, disse o ator ao Hollywood Reporter pouco antes da première mundial em Nova York. Só que a resposta não é tão fácil quando tem muito dinheiro envolvido. Por exemplo, os filmes da franquia continuam indo muito bem nos cinemas, mesmo no pós-pandemia, e como não existem bobos em Hollywood, certamente a Paramount encontrará espaço e justificativa para spin-offs, prequels, sequels e o diabo a quatro. Agora, fica uma dúvida: será que funcionarão ou terão o mesmo apelo sem a presença de Tom Cruise? Só o tempo dirá, mas é difícil imaginar um Missão Impossível sem Ethan Hunt, por mais que o público tenha simpatia por Benji (Simon Pegg), Luther (Ving Rhames) e as mais recentes aquisições, Grace (Hayley Atwell) e Degas (Greg Tarzan Davis). 

Ainda na première de Acerto Final, Cruise afirmou que quer continuar fazendo filmes de ação até os 80 anos como seu ídolo Harrison Ford e, abrindo o sorriso eternamente confiante, disse que “nunca vou parar. Nunca vou parar de fazer filmes de ação, e nem dramas, comédias. Estou sempre animado”. Tanto que pelos próximos anos, o ator já está vinculado à Top Gun 3, a uma muito aguardada sequência de No Limite do Amanhã (além de outros dois filmes com o diretor Doug Liman), a dois novos filmes com o amigo Christopher McQuarrie, a um possível cruzamento de F1 – O Filme com Dias de Trovão e até ao novo filme de Alejandro González Iñarritu. 

O que se especula é que Tom Cruise vai sim continuar produzindo grandes espetáculos para as telonas, afinal de contas nenhum astro de Hollywood é tão comprometido com essa “missão” quanto ele, mas que não quer mais se arriscar tanto fisicamente como é de praxe na saga. Neste oitavo filme, Cruise fica pendurado nas asas de um avião da Primeira Guerra Mundial, cai e se filma em queda livre, enfrenta uma longa sequência subaquática, e se mete numa perseguição de carros dentro de uma gigantesca e perigosa mina. Segundo o próprio, Missão Impossível: O Acerto Final é o acúmulo de todo aprendizado que teve com as façanhas dos sete filmes anteriores. Tudo feito de verdade, na cara e coragem. 

UM ASTRO EM DESAFIOS

Em maio deste ano, o ator foi homenageado em Londres com o BFI Fellowship, a maior honraria do renomado British Film Institute e durante uma hora falou sobre sua carreira que teve início em 1981, quando tinha 19 anos. “Fazer cinema, ser ator, não é o que faço, é o que sou”, disse em certo momento. Mas o mais impressionante neste seu relato, todo disponível no YouTube, é como sua ética de trabalho parece ter nascido pronta. 


Cruise conta que já em seu segundo filme, Toque de Recolher (1981), sua personalidade empírica e curiosa o fez ir a cada departamento (fotografia, edição, distribuição, etc) para aprender em primeira mão como cada escolha é feita. Essa seria sua escola de cinema. E a cada filme, a cada novo ambiente, com novos profissionais e seus estilos próprios, Cruise aprendia um pouco mais. 

E assim foi educado por Francis Ford Coppola (Vidas Sem Rumo), Ridley Scott (Lenda), Tony Scott (Top Gun e Dias de Trovão), Martin Scorsese (A Cor do Dinheiro), Barry Levinson (Rain Man), Oliver Stone (Nascido em 4 de Julho), Ron Howard (Um Sonho Distante), Rob Reiner (Questão de Honra), Sydney Pollack (A Firma), Neil Jordan (Entrevista com o Vampiro), Cameron Crowe (Jerry Maguire e Vanilla Sky), Stanley Kubrick (De Olhos Bem Fechados), Paul Thomas Anderson (Magnólia), Steven Spielberg (Minority Report e A Guerra dos Mundos) e Michael Mann (Colateral). Sem falar em colegas como Paul Newman, Dustin Hoffman, Jack Nicholson, Gene Hackman e Meryl Streep. 

Sempre buscando novas habilidades para o próximo e os próximos projetos. 

UM PRODUTOR EM MOVIMENTO

Em meio a todo esse aprendizado, Cruise criou e expandiu seu próprio universo de ação, entretenimento, thriller e experimentações, a franquia Missão Impossível. É que, em algum momento da primeira metade dos anos 1990, o ator, sempre tão workaholic e controlador, sentiu a necessidade de ser também produtor. Foi olhando o catálogo da Paramount que se deparou com a série Missão Impossível (televisionada de 1966 a 1973, com um chorinho em 1988). “É isso”, pensou. Nem imaginaria que aquela decisão mudaria sua vida. 

Então, durante evento do BFI, ao ser perguntando o que o levou a “reviver” a série em seu primeiro longa como produtor, Cruise brincou: “Eu amava a música-tema”. Mas a verdade logo revelada é que “achou interessante transformar uma série de TV sobre a Guerra Fria em um filme de ação e suspense em permanente movimento”. Especialista em dualidades, máscaras e espetáculo, o diretor Brian De Palma foi a escolha perfeita do produtor Cruise para o primeiro Missão Impossível, lançado em 1996. 

O ator Simon Pegg, que interpreta Benji desde o terceiro filme da franquia, gosta de dividir a saga em duas partes. A primeira é formada pelos quatro primeiros longas, cada um com um diretor diferente (De Palma, John Woo, JJ Abrams e Brad Bird). Era uma franquia e um astro-produtor em busca de uma simbiose perfeita com o diretor que, nestes filmes, sempre funcionaram em maior ou menor grau, mas nunca se sustentaram. 

Já a segunda são os quatro últimos, todos dirigidos e escritos por Christopher McQuarrie. Cruise e seu irmão criativo conseguiram criar uma fórmula bastante ousada que tem início com interesses, desejos e novas habilidades do astro-produtor, bem como locações e sequências de ação, que depois são ligadas e costuradas a uma história. São todos filmes que vão sendo escritos conforme são produzidos. É bem parecido com uma frase que Ethan Hunt fala com bastante frequência quando precisa rapidamente mudar a rota quando imprevistos acontecem: “Eu vou dar um jeito”. 

Durante entrevista para a BBC, Pegg reuniu essas duas partes da franquia numa mesma definição. “Em termos de espetáculo, Tom [Cruise] elevou muito o nível”, afirmou. Não só os filmes viraram uma referência em termos de ação como também são modelos de uma franquia com absurda regularidade na qualidade. “Mas, pra falar a verdade, a jornada dele [Tom Cruise] é bastante simples: ele dá 100% de si em tudo o que faz”, disse Pegg aos risos em entrevista para Greg Williams do canal Hollywood Authentic. 

Consequentemente, o astro-produtor espera também 100% de dedicação de toda sua equipe e que, assim, todos estejam a serviço do espetáculo e do público. Seu irmão-criativo, o diretor Christopher McQuarrie, sabe bem como é esse comprometimento. “Não há ego. E não existe um conjunto específico de regras além daquelas que servem para entreter o público. Não se trata realmente de quem está certo e quem está errado. É tudo uma questão de o que é certo para o público. Isso nos permite eliminar conflitos”, afirmou McQuarrie em entrevista para o site MovieMaker.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

spike & denzel, lee & washington

o novo frila pra Monet, e que saiu nesta edição de setembro da revista, tratou da amizade de décadas de Spike Lee e Denzel Washington e da sua quinta (e talvez última) colaboração: o elogiado Luta de Classes. saca só.

os cartazes de Highest 2 Lowest (Spike Lee) e High and Low (Akira Kurosawa)

IRMÃOS DE SANGUE

O mais novo longa de Spike Lee, Luta de Classes, é também sua quinta colaboração com o ator-irmão Denzel Washington

Eles têm mais ou menos a mesma idade e muita coisa em comum. Spike Lee completou 68 anos em março e Denzel Washington fará 71 em dezembro, e foi no mesmo ano de 1989 que os dois estouraram para o mundo: Spike com Faça a Coisa Certa, seu terceiro longa como diretor, e Denzel com Tempo de Glória, filme que lhe deu o primeiro Oscar. Apenas um ano depois, o diretor e o ator se encontraram para o primeiro trabalho juntos, o estiloso Mais e Melhores Blues. Vieram depois Malcolm X, Jogada Decisiva, O Plano Perfeito e, o mais recente, Luta de Classes. 

Cinco filmes juntos (em 35 anos) estabeleceram mais que uma ligação entre os dois. “Somos irmãos. A gente simplesmente faz o nosso lance porque nos conhecemos bem. Fora que nossas famílias são muito unidas”, afirmou Lee para a Deadline durante sua presidência no Festival de Cinema do Mar Vermelho em dezembro do ano passado. Nessa época, Luta de Classes ainda estava em pós-produção – a premiere mundial foi em Cannes, no mês de maio deste ano –, e Lee passou mais tempo lembrando do grande filme que fizeram, Malcolm X. E de algumas coisas que nunca lhe desceram a garganta. 

“Eles sabem! Eles sabem quem deveria ter ganho!”, berrou o cineasta, meio rindo e meio sério, numa entrevista recente para a Newsweek. Ele estava obviamente falando de Denzel Washington e do Oscar que o ator não ganhou por sua atuação em Malcolm X na premiação de 1993 (quem levou foi Al Pacino por Perfume de Mulher). “Sem querer desrespeitar nenhum ator, mas acho que Denzel é o maior ator vivo atualmente. Quando estávamos fazendo o filme não víamos Denzel, víamos Malcolm X. Víamos o espírito de Malcolm quando Denzel respirava”, completou, mais calmo. 

Intenso, controverso, revolucionário e, acima de tudo, íntegro, Malcolm X foi/é um dos ativistas dos direitos humanos mais importantes do século 20. Sua vida breve – foi assassinado em 1965, aos 39 anos – virou um épico de 3 horas e 22 minutos pelas mãos de Lee e Washington e causou grande impacto na comunidade negra norte-americana. Um dos impactados foi Ryan Coogler, diretor de Creed, Pantera Negra e Pecadores, que assistiu Malcolm X aos 5 anos e sua vida mudou. O filme acabou se transformando também na matriz de personagens que a partir de então se multiplicariam pela filmografia de Lee: o homem negro íntegro, heroico e trágico. O mais recente é David King, de Luta de Classes. 

CÉUS E INFERNOS 

Spike Lee recebeu de Denzel o roteiro de Luta de Classes quando ainda estava envolvido na produção de seu filme anterior, Destacamento Blood, pouco antes da pandemia. A ideia original era mais um remake do cultuado Céu e Inferno (1963), de Akira Kurosawa, mas Lee passou alguns anos reescrevendo para que seu filme fosse uma reinterpretação e não uma refilmagem (como fez em Oldboy – Dias de Vingança). Quando Denzel Washington, o retrato mais bem acabado do homem negro íntegro, entrou na jogada, tudo se acertou. 

“Este é o quinto filme que fazemos juntos. Tem sido uma bênção esse trabalho conjunto entre nós, fazer filmes que as pessoas amam, que se destacam. Mas ele [Denzel] tem falado sobre aposentadoria...”, afirmou Lee ao jornal inglês The Guardian logo após a estreia do filme em Cannes dando a entender que Luta de Classes pode ser o último encontro deles nos cinemas. 

No final de 2024, em turnê para divulgar Gladiador II, Washington realmente deu a entender que pode se aposentar como ator após finalizar certos projetos: o novo encontro com o irmão Lee; ser Othello no teatro e cinema; fazer outro Shakespeare, Rei Lear, no teatro ou cinema ou em ambos; trabalhar novamente com Antoine Fuqua (que o dirigiu em Dia de Treinamento e na trilogia O Protetor) em um épico sobre o general cartaginês Aníbal, o Terror de Roma; trabalhar pela primeira vez com Steve McQueen; e participar da saga Wakanda da Marvel em Pantera Negra 3. 

De todos esses projetos, dois já ganharam vida. Um no teatro (Othello) e outro nos cinemas e streaming (Luta de Classes). E os dois acabaram se unindo de uma outra forma inusitada, pois Washington foi convocado por Lee de última hora para estreia, em competição, de Luta de Classes no Festival de Cinema de Cannes. Só que o tapete vermelho e a exibição do filme seriam em um dia, na França, e ele precisaria voltar rapidamente para Nova York para seguir com a temporada de Othello. Profissional que é, o ator compareceu e ainda recebeu, para sua surpresa e emoção, uma Palma de Ouro honorária, só que precisou sair antes do fim da sessão de estreia para pegar o voo de volta ao teatro. 


Denzel e Spike em Cannes

O PREÇO DA INTEGRIDADE 

Um dilema moral profundo é a base tanto de Céu e Inferno, de Akira Kurosawa, quanto de Luta de Classes, de Spike Lee. Um homem bem sucedido acredita que seu filho foi sequestrado quando lhe pedem resgate, só que os criminosos pegaram a pessoa errada e quem foi levado foi o filho de uma pessoa que trabalha para ele. Ele paga o resgate, e não consegue fechar um negócio tão sonhado, ou não paga o resgate e põe a vida do filho do amigo (que também é melhor amigo de seu filho) em risco? Eis a questão. 

Jeffrey Wright, que interpreta o assistente do personagem de Denzel Washington, ficou muito mexido pelo dilema proposto por, no caso, Lee. “Esse é o mundo em que vivemos agora, onde todos estão à venda e tudo é transacional. Mas acho que podemos fazer melhor. Basta lembrar os filmes que ele [Lee] fez. Veja o que Malcolm X estava falando. Viemos de uma tradição que não se baseava no que você poderia fazer por si mesmo, mas no que você poderia fazer pela sua comunidade. Não se tratava de dinheiro, mas sim de amor”, disse Wright durante a coletiva do filme em Cannes. 

Luta de Classes coloca o espectador no lugar de David King, o personagem de Washington, e o deixa livre para fazer sua escolha diante de tamanho conflito. Mas Lee deixa claro que precisam existir limites morais e, desde o poster do filme até as coletivas de imprensa, tem usado um ditado popular nos Estados Unidos: “all money ain’t good money” (ou, em bom português, “nem todo dinheiro é bom dinheiro”). 

Mas enquanto Kurosawa coloca a discussão em um contexto realista, angustiante e policial, Lee opta pela estilização agitada de um thriller, e que ainda por cima traz ecos de outros filmes seus, tais como Faça a Coisa Certa, Febre da Selva, Irmãos de Sangue, Jogada Decisiva, A Hora do Show e Infiltrado no Klan (co-estrelado por John David Washington, filho de Denzel). É o ‘Spikeverso’ se desdobrando diante dos nossos olhos. 

“Gosto de repetir que meu filme é uma reinterpretação do que o Kurosawa fez, e que por sua vez é uma adaptação de um livro de um autor norte-americano. Aconteceram muitas coisas de um para o outro. O meu é cheio de ação, tem aquela tensão de fazer você roer as unhas, e é engraçado pra c*****”, disse Lee para o ex-jogador de basquete Carmelo Anthony em seu programa ‘7pm in Brooklyn’. E sabemos que quando Lee promete, Lee entrega.