domingo, 27 de maio de 2012

yahoo #41 e #42

caramba, o festival sónar são paulo já aconteceu tem duas semanas! foi correria boa, muitos shows, várias coisas interessantes e nenhum grande problema (fora o som aqui e ali). e ainda encontrei amigos (oga mendonça, dudu tsuda, igor fediczko e o pessoal da gang do eletro) e pessoas que só conhecia virtualmente (chico dub, pedro pinhel, lauro mesquita, bruno yutaka saito, lorena calábria e felipe cordeiro). essa cobertura nada objetiva foi dividida em duas partes/dias no yahoo, mas aqui seguem juntas e com alguns videos oficiais do festival (o da gang do eletro já coloquei no post "eletro sónar") e fotos que tirei. o texto mais recente no ultrapop é "a hora e a vez do rap nordestino", sobre as novas rimas e sons da bahia (oquadro) e ceará (don l).


O primeiro dia

Festival criado em Barcelona lá pelos idos de 1994 unindo “música avançada” e tecnologia, o Sónar começou a se espalhar pelo mundo a partir dos anos 2000 e inevitavelmente chegou ao Brasil, mais precisamente São Paulo. A edição 2012 no país teve ontem seu primeiro dia (noite) e foi bastante movimentado. Com dezenas de atrações divididas em três palcos espalhados pelo Parque Anhembi, o Sónar São Paulo começou pontualmente às 20h com apresentações do duo catalão Za! e discotecagem do músico Maurício Fleury nos palcos Sónar Hall e Sónar Village, respectivamente. Enquanto os primeiros criaram uma atmosfera barulhenta e pretensamente engraçada (vocais esganiçados, por exemplo), Fleury, que é da banda Bixiga 70 e toca com músicos como Lucas Santtana e Pipo Pegoraro, soltou um setlist delicioso e totalmente afrolatinofunkbrasileiro. Pena que no início da noite só alguns gatos pingados tiveram a sorte de ouvi-lo.

Após o Za! foi a vez do brasileiro Ricardo Donoso no Sónar Hall – nada menos que o célebre palco do Anhembi que recebeu shows históricos de Elis Regina, Doces Bárbaros e o festival Phono 73 – e a situação não melhorou muito pelas bandas de lá. Etéreo e vazio poderiam definir o show, mas como geralmente tenho preguiça de música eletrônica ao vivo não sou uma fonte confiável. No mais, era tempo de ver a primeira apresentação do principal palco do festival, o grande Sónar Club. Quem abriu os serviços foi o elogiado músico e produtor inglês James Blake, mas nessa primeira noite usando a capa de DJ (ele se apresenta com banda no segundo dia). Não funcionou. Arrastado, o setlist de Blake foi um enfileiramento de dubsteps tanga frouxa e sua cara de paisagem não ajudou muito a esquentar a entrada para uma das grandes atrações da noite, os alemães do Kraftwerk.

Enquanto isso no Sónar Hall, a veterana pianista Clara Sverner lutava ao lado do filho, o designer gráfico Muti Randolph, contra problemas de som e barulhos externos. O repertório erudito-popular de Clara foi sendo paulatinamente soterrado por essas questões e as intervenções gráficas de Randolph no telão (sincronizadas e inspiradas pela música) pareciam datados a olhos mais jovens. Seria uma ótima apresentação em outro lugar, ali ficou deslocado e foi prejudicado. Ao lado, no Sónar Village, o produtor norte-americano Cut Chemist deu o primeiro e enérgico sinal que a noite iria esquentar. Ex-integrante do lendário Jurassic 5, Chemist tocou o terror nas picapes de uma forma vibrante e divertida.

Então, por volta das 23h e já com um público bem maior, o festival recebeu o Kraftwerk. Impressionante com os sons eletrônicos quarentões criados por Ralf Hutter e sua turma germânica (ele é o único membro original presente) continuam soando modernos. Talvez a explicação seja porque a música do Kraftwerk continua carregando a surpresa da descoberta, a alegria da experimentação, e isso a fazer ser muito mais que eletrônica (sem desmerecimento nenhum ao gênero, claro). O público urrava a cada hit que aparecia, tais como “The Robots”, “The Model”, “Autobahn” e “The Man-Machine”. E o público também urrava com a ótima projeção 3D. Lá no palco os quatro homens eletrônicos permaneceram estáticos e silenciosos e ainda assim fizeram um show mais pesado e totalmente atual (além de melhor que o da última vez que estiveram aqui, em 2009).

Do outro lado do Anhembi, no Sónar Hall, Criolo enfrentou a pesada concorrência com sua habitual energia, humor, balanço e politização (sem falar na sua afiadíssima banda). Apesar de problemas com o som – que apareceram em todos os shows, com maior ou menor ênfase, mas nada que chegasse a fatalidade -, o MC paulistano mandou todos os seus sucessos de crítica e público e não teve dificuldade alguma em ganhar o público. Ali perto, o lendário DOOM, um dos mais importantes nomes do rap underground norte-americano, tocou fogo no público do Sónar Village. Rappers brasileiros que estavam ali como Rodrigo Ogi, Macário, Kamau e Max B.O. vibravam a cada porrada sonora de seu ídolo e já era possível ter certeza que a noite teria motivos de sobra para ser lembrada por muito tempo.

Zegon, DJ que era do Planet Hemp e depois partiu para uma excelente carreira de produtor, teve a dura tarefa de manter o pique pós-DOOM e conseguiu se utilizando de variedade e alguns convidados. O primeiro foi RAPadura, jovem rimador do Ceará que cruzou Luiz Gonzaga com velocidade e impressionou muito quem ouviu. Depois entrou um sujeito da Indonésia, mestre do talk box, mas era hora de Little Dragon, outro dos shows muito esperados da noite. Foi a primeira vez que o quarteto sueco pisou no Brasil e a vocalista Yukimi Nagano fez questão de frisar o fato, mas nada disso foi problema para uma plateia cheia (ainda mais que a do Criolo) e que conhecia várias músicas dos três discos da banda e principalmente do último Ritual Union. Quem esperava uma apresentação mais tranquila foi presenteado com um Little Dragon mais roqueiro e a bela Nagano dançando muito, toda a vontade.

é a nagano (little dragon) ali no centro

Duras horas da manhã e o gás acabando. Rumo à última grande atração da noite, a dupla Chromeo, passo pelo show do Emicida e tudo está muito bem, obrigado. O rapper paulistano não para de crescer e dominar seu ofício, além de conseguir um fato raro entre artistas brasileiros: seu amadurecimento artístico-pessoal é compartilhado com seu público, que acaba amadurecendo junto. Maravilha. Mas lá vou conhecer esse tal de Chromeo, a união de Dave 1 e P-Thugg, enquanto uma leve garoa surge sem cerimônia.

É fácil entender o apelo do som da dupla e tinha bastante gente lá para comprovar isso. Pop esperto, espírito retrô, algum humor e muita energia são combinados em uma hábil montanha russa de estímulos. Muita gente gostou, considerou o show da noite e coisa e tal. Só achei bem feito, mas não me pegou porque parecia programado demais. De qualquer forma, uma ótima primeira noite, sem grandes frilas, bastante espaço, muita variedade.


O segundo dia

O batidão começou às 16h no sábado do Sónar São Paulo. E quem deu início aos trabalhos do dia foi Dago, DJ da Avalanche Tropical, com um setlist divertido e pesadão, guettotech e outras bossas, no Sónar Village. Cheguei ao final, o clima estava bom e tinha mais gente que no início do primeiro dia. No palco ao lado, o ótimo Sónar Hall, algum problema de origem desconhecida fez com que o primeiro show, do Psilosamples, atrasasse uma hora e meia. Teve um lado bom nisso porque consegui assistir o show do mineiro, da Gang do Eletro (no Village) e do SILVA (também no Hall), que no horário original iriam brigar.

Então o festival começou realmente (pra mim) com a Gang do Eletro, que conheço de outros carnavais e até protagonistas de um perfil que escrevi para a Vice Brasil (“Duas cabeças, uma levada”). Sou muito fã dos paraenses, portanto opinião suspeita, mas eles e ela estavam particularmente inspirados. Com figurinos meio tribais meio Tron, e tudo pintado com tinta fosforecente, Marcos Maderito, Keila Gentil, William Love e o DJ Waldo Squash estavam naquela eletricidade de quem está com muita vontade de fazer um showzão. Conseguiram, apesar de alguns problemas de som e o microfone de Keila teimando em cair.

Agora, quase tão bom quanto ver a energia e a música deles ao vivo é presenciar a reação de quem não conhecia ou não tinha visto ao vivo. Começa como espanto do tipo “O que é isso que está acontecendo na minha frente?” e depois vira sorriso besta, nada percebido racionalmente, pois desde o primeiro beat você já está dançando, jogando a mãozinha pro ar, compartilhando de toda a cultura das aparelhagens. E dá-lhe “Galera da Laje”, “Sinhá Puresa”, “Panamericano” e uma ótima participação do conterrâneo Felipe Cordeiro, cantor e compositor dessa nova onda paraense, colocando guitarrada no eletromelody (mais tarde, na sala de imprensa, Maderito anunciou que uma parceria entre eles estará no disco de estreia da Gang).

ao som de psilosamples

No Sónar Hall, Psilosamples finalmente subiu ao palco e fez uma apresentação intimista, bonita e cheia de camadas, mas talvez o Auditório Celso Furtado fosse grande demais para sua música. De qualquer forma, esse mineiro de Pouso Alegre continua fazendo um dos melhores e mais brasileiros sons eletrônicos do momento. Daí, na sequência, veio o capixaba Lúcio da Silva Souza, ou SILVA, que conseguiu cumprir as altas expectativas que surgiram ano passado com apenas as cinco músicas de seu EP. Suas delicadezas eletrônicas e acústicas sobreviveram a novos problemas de som e ainda estava genuinamente feliz e orgulhoso de tocar “12 de maio” exatamente um ano após a música ser composta e como atração de um festival importante como o Sónar. SILVA promete muito mais.

Não consegui entender o metal progressivo do anglo-norte-americano KTL, também no Sónar Hall, e só voltei ao recinto para testemunhar o grande show de Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Não esperava que estivesse tão cheio e muito menos que aquele tanto de gente fosse conseguir se comportar durante o show minimalista (piano, programações e o excelente telão acompanhando graficamente a música), mas deu tudo muito certo entre o japonês, o alemão e o público brasileiro. Até o som ajudou numa bela viagem sonora-visual.

Hora de tomar um ar no caminho para o gigantesco galpão do Sónar Club e acompanhar o primeiro show de Cee Lo Green no Brasil. Em termos gerais foi divertido, mas sabemos que o inferno está no detalhes. O som estava um horror, o grave muito alto embolando todos os instrumentos e sufocando no vozeirão de Cee Lo. Muito baseado no disco The Lady Killer, de 2010, o repertório do show não é dos mais vibrantes e só cresceu mesmo quando surgiram os hits “Fuck You” e “Crazy” (Gnarls Barkley, seu projeto com Danger Mouse).

Do outro lado do Anhembi, os escoceses do Mogwai promoveram um festival de distorções em altos volumes. Teve gente que achou que pedaços do teto iam cair. Outros sentiram instantâneos problemas de audição. Muitos amaram de paixão. Uma palavra (“progressivo”) martelava em minha cabeça música após música e sentia que aquela viagem não ia a lugar nenhum, parecia mais exibicionismo. Quer dizer, mas vai da viagem de cada um, né não? E falando nisso, de volta ao caixotão Sónar Club, o Justice rapidamente tomou conta de todos os muitos espaços e fez uma festa grande, muito bem iluminada, intensa. Entre Cee Lo e os franceses tocaram os niteroienses do The Twelves, baita responsa, mas vi muito pouco para falar qualquer coisa.

Nessa briga de gigantes peguei só um pedacinho do Flying Lotus e lamentei profundamente não tê-lo ouvido mais (escolhas, escolhas). Daí que minha maratona pessoal pelo Sónar São Paulo, para o Yahoo! Brasil, acabou no bom show do inglês James Blake. Entre melancolia e ruídos, paredes tremendo, destaque para uma longa versão de “Limit to Your Love” (Feist). E então o gás (definitivamente) acabou.

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