terça-feira, 3 de julho de 2012

um bingo erótico em santos

o texto que segue abaixo foi feito originalmente para a revista piauí. seria minha quarta contribuição para a seção "esquinas". acho que seria publicado em maio, ficou pra junho, mas aí alguém decidiu que "ficaria velho" e o texto, já pronto, caiu de vez. ainda tentei vendê-lo para outras duas revistas, mas o estilo era tão "piauí" que acabou não colando. só posso dizer, modéstia às favas, que todas as publicações envolvidas saíram perdendo. tem muitas informações, histórias, realidades e diversões nessa reportagem, uma das que mais gostei de fazer. segue aqui a versão original do texto para o deleite (espero) de quem aparece aqui pelo esforçado.


“UM 69 E EU LEVO A PINTOLA!”

Todos os calores femininos em um bingo erótico na Baixada Santista

O início da tarde de domingo se arrasta nublado na altura do número 700 da rua Carvalho de Mendonça, em Santos: um senhor barrigudo de sunga azul faz alongamento apoiado em uma lixeira, uma criança volta da padaria com dois refrigerantes nada dietéticos, um sem teto dorme embaixo da mesa de sinuca do fechado (aos domingos) Familia’s Bar. Tudo normal. Mas em um salão de festas, ao lado do tal bar familiar, seis pênis infláveis de cores diversas jazem pendurados na parede e lingeries sensuais disputam espaço com vibradores numa mesa desmontável.

Olga é a responsável por isso. 38 anos, casada, a mãe de dois meninos corre para cima e para baixo no salão. É o 3º Bingo Erótico Só para Mulheres que ela organiza em menos de um ano, mas o nervosismo continua o mesmo. Mal dormiu a noite anterior de tão ansiosa. “Comecei a trabalhar com produtos eróticos um pouco antes do primeiro bingo e logo vi que era complicado de vender. Você não bate na porta de ninguém oferecendo. Mas tinha que existir um jeito de expor isso pra mulherada e explicar qual a finalidade. Porque, por exemplo, muitas nunca viram um vibrador. Não sabe como funciona, o que faz... só sabe onde entra, né? Então vi que tinha que reuni-las e achei o bingo uma boa ideia”, disse enquanto atende o celular e passa coordenadas para uma prima e uma tia que vieram de Bertioga lhe ajudar. Caio, seu marido, não gosta muito dessa história de sex shop e bingo erótico, mas prefere vê-la ocupada e ganhando o próprio dinheiro, então o que lhe resta é perguntar o menos possível.

As cervejas, águas e refrigerantes chegam quentes apenas uma hora antes do evento e Olga precisa comprar gelo. Mas antes de sair explica que o convite é 25 reais e dá direito a cinco cartelas, uma Espanhola (coquetel feito de vinho doce, leite condensado e abacaxi), um prato de salgados e outro de doces. Cartelas extras e as outras bebidas são pagas por fora. Pouco mais de 100 mulheres fizeram reserva e, segundo Olga, “elas cobram cada centavo do que pagam, querem tudo que tem direito”. Se todas vierem os custos da festa se pagam. A experiência dos outros dois bingos mostrou que essa é a matemática simples do evento e que lucro mesmo acontece nos dias seguintes quando os “brinquedinhos” são levados nas casas das clientes em horário apropriado (sem filhos e marido).


“Tá vendo aquela lua que brilha lá no céu? / Se você me pedir, eu vou buscar só pra te dar / Se bem que o brilho dela nem se compara ao seu”, derrama-se Thiaguinho, uma das vozes do Exaltasamba, nos alto falantes enquanto a força-tarefa de Olga dá os toques finais na decoração. Balões amarelos e brancos estão espalhados pelo salão principal, palco do bingo, das apresentações dos seis gogo boys contratados e do soundsystem caseiro que fará a trilha sonora da tarde. Tudo pronto também na entrada com mesas e araras cheia de roupas, calcinhas, lingeries e biquínis, produtos mais comportados que acabaram se tornando o lado B do catálogo da organizadora. Nessa edição, o bingo ainda conta com a presença de uma mesa de cosméticos populares com direito a maquiagens gratuitas. No mais, entre a entrada e o salão principal está a mesa com os brinquedos eróticos, agora adornada com um boneco inflável quase em tamanho natural.

As primeiras mulheres chegam por volta das 14h30. “Vou ali ver as coisas... peraí, deixa eu pegar os óculos ou não enxergo nada”, diz uma delas, acompanhada de filha e mãe. “Vem Neuza! Já tá aberto! Tem um monte de coisa pra ver”, diz outra, míope de lentes muito grossas. E vão chegando outras, idades e tipos dos mais variados.


Com meia hora de atraso, exatamente às 15h45, o 3º Bingo Erótico Só para Mulheres tem início e pouco mais de 100 senhoritas e senhoras de idades e tipos mais variados conversam animadamente. Nem imaginam que a Striperboys Eventos, a empresa dos gogo boys, lhes preparou uma surpresa: os petiscos (sinônimo para jovens iniciantes) Paolo e Daniel farão “um esquenta para a mulherada”.

De sunga amarela e botas, a dupla entra no recinto ao som de alguns gritinhos e uma dance music genérica. Passam pelas mesas agarrando uma, levantando outra, tendo suas bundas apertadas, tirando fotos. A música parece durar eternamente e de vez em quando eles não sabem mais o que fazer e ficam mexendo nas laterais da sunga olhando para o infinito. Algumas poucas não parecem se importar muito com os petiscos e uma delas até sai no meio da apresentação para fazer uma maquiagem na entrada.

A música chega ao fim e Olga pega o microfone para falar de alguns dos brinquedinhos antes de começar o bingo erótico propriamente dito. Um tesômetro e um pênis de borracha são levados de mesa em mesa pelos petiscos e novos gritinhos e risadas são ouvidos pelo salão. É o coquetel já fazendo efeito. “Vamos começar, gente?”, diz a organizadora quando o relógio marca redondas 16h.


Enquanto os primeiros números começam a sair, e os brindes para as vencedoras são kits com produtos do sex shop, o petisco Paolo combina um cinema para mais tarde. “Demorô! Já estou com a roupa aqui”, diz, ainda de sunga, ao celular. “Desde pequeno queria ter um corpo igual de gogo boys, porque eles têm o corpo mais evoluído. Aí ano passado vi na internet um rapaz e comecei a ver as fotos e ele dançava... ao mesmo tempo conheci uma pessoa que fazia o evento aqui em Santos e que me chamou. Sempre tive vontade de dançar pra todo mundo ver... ser olhado, né?”, confessa o jovem de 18 anos que trabalha como montador de móveis planejados. Paolo começou a “dançar” em novembro do ano passado e já é chamado para dois eventos por semana, tanto para mulheres quanto para o público GLS.

“A gente tem que se encaixar em todos os lugares, não pode ter preconceito nenhum. A diferença é que as mulheres ficam todas loucas e o homossexual fica mais na dele. Às vezes eles machucam um pouco porque sabem que você tem aquilo que eles têm. Então tentam pegar, mas a gente não deixa, porque quando pegam dá aquela dor. Já as mulheres são mais carinhosas com a gente porque vêm pra se divertir, pra brincar”, conclui enquanto arruma, nada discretamente, o pênis na sunga.

No salão principal, as mulheres já nem lembram mais dos petiscos. Só tem olhos e ouvidos para as cartelas do bingo e o chamamento dos números. “Essa é a única hora que vejo mulher calada”, diz uma. Até que na terceira cartela, quando o prêmio é um pênis de borracha de 20 cm, o silêncio é quebrado meio que sem querer. “Um 69 e eu levo a pintola!”, torce alguém no fundo. Todas riem e, como em um jogral, gritam “Uiiii!”. Mas o 69 não sai e sim um 47. A felizarda da vez é uma moça baixinha que se assusta um pouco ao colocar as mãos em seu prêmio cor da pele.


“Eu e minhas amigas frequentamos eventos assim há dois anos. A gente procura se divertir pra sair da mesmice que é o domingo: sofá, macarrão, frango, filho, neto, Silvio Santos”, explica Naná, 63 anos, em uma pausa para o cigarro do lado de fora do salão. Ela veio acompanhada das amigas e vizinhas Nenê (68) e 51 (60), todas casadas. “Íamos mais em clubes, é melhor, porque esses salões viraram moda, banalizaram. Parece loja de material de limpeza que em cada esquina tem uma... e esses meninos então... chegam esfregando o negócio e ficam andando por aí com essa sunga encardida. Não admito”. As amigas concordam e 51 completa que “os profissionais mesmo chegam arrumados, com roupas limpas e decentes, e conforme o show acontece tiram a roupa, afinal a gente vai lá pra ver eles pelados. Quase pelados, na verdade. Tudo pra fazer aquela farra, aquela algazarra. Nossos maridos sabem que a gente não vem aqui pra agarrar os homens. Porque se a gente quisesse fazer algo de errado não vinha em lugar público com filhas e netas, né?”

Nova gritaria no salão. Quem fechar a quinta cartela terá um minuto com um dos seis profissionais que irão se apresentar ao final do bingo. “Balanga o saco!”, gritam em coro. Ganha uma senhora que estava tirando fotos do evento com seu celular do Palmeiras, mas que, tomada por algum pudor, desiste da prenda. E, pela segunda vez nessa tarde, uma jovem instrutora da academia que Olga frequenta é premiada. “Aêêê Pocahontas!”, comemoram suas amigas.


“Nunca ganho nada, não sei o que aconteceu. É a primeira vez que venho em um evento desses e tô adorando, só mulherada, tudo livre, podendo falar besteira a hora que quiser. Eu, pra ser sincera, acho bem engraçado esses gogo boys. Acho que vale mais pra despertar o fogo da mulherada, fazer bagunça, mas não me atrai não, tanto que na hora que cheguei e vi, pensei ‘nossa, que gay isso!’. Nem queria ter ganho o minuto com o boy, acho que vou rir da cara dele ou então perguntar porque ele faz isso. O que me chama mais atenção mesmo são os brinquedinhos”, diz Camila, 23 anos, formada em Educação Física. Seu outro prêmio foi uma taça de champanhe com um pênis brilhando no meio que ela não faz ideia de como desligar.

O bingo erótico acaba por volta das 18h30 e quem ganhou, ganhou. A partir de agora a felicidade é geral com a apresentação dos profissionais. Olga pede à reportagem que acompanhe apenas o primeiro show e depois deixe as mulheres à vontade. Também dá um aviso: “Por favor, não coloquem as fotos no Facebook”. Então, a luz é apagada e o salão fica iluminado apenas por alguns raios de laser dançantes.

Vestido de toureiro, o primeiro boy a surgir é Danyllo Mack e a reação da “mulherada” é instantânea e explosiva. Logo tira uma para dançar, pega outra na cadeira e joga ainda uma outra no chão. Elas, por sua vez, passam as mãos por seu corpo, apertam a bunda, gritam “Vem! Vem! Vem!”. Antes do gran finale, no qual o toureiro tira a sunga (sem jamais mostrar a genitália, esse é o combinado), Danyllo ruma até o grupo das amigas da melhor idade. Naná e 51 se atracam com o boy, Nenê fica só olhando e batendo palmas.


A euforia é geral e ainda se apresentarão um cowboy, um Don Juan, um marinheiro, um gladiador e um policial da SWAT. Mas é preciso uma pausa entre um e outro para as damas se recomporem. Em um canto externo do salão, Naná, com o rosto suado, dá o seu veredicto para o primeiro show. “Foi bom, mas faltou um pouquinho. O meu marido me chama de ‘a crítica do mundo’, mas não é verdade. É que eu acho que tudo pode melhorar”, confessa enquanto traga longamente seu cigarro de filtro branco. Uma nova música começa a tocar, talvez seja a hora do cowboy que ela conhece de outros clubes das mulheres e sabe que tem pegada. Silvio Santos? Só domingo que vem.

Nenhum comentário: