os pernambucanos d'a banda de joseph tourton já tinham aparecido aqui com o clipe de "frevo do preguiçoso" (cortesia do música de bolso), mas agora a parada é mais séria, afinal eles estão lançando seu esperado disco de estreia. a banda de joseph tourton (independente, 2010), o disco, é rock, jazz, soul, dub, samba, tudo instrumental, cheio de climas e camadas. e eles disponibilizaram o disco para download gratuito no site deles (link acima), mas também dá para ouvir todas as faixas via soundcloud. escuta só.
josephtourton by josephtourton
legal também é ouvir o disco junto com o ótimo texto do jornalista alex antunes. coloco aqui na íntegra porque vale a pena.
Já há alguns anos que a cena do rock instrumental brasileiro só faz crescer. Não apenas em subgêneros tradicionais, como a surf music, o ska e o rockabilly, mas também com o experimentalismo presente em bandas da cena paulistana como o Hurtmold ou os cuiabanos do Macaco Bong. E a contribuição sempre original de Recife no instrumental de agora é o lançamento do primeiro álbum d'A Banda de Joseph Tourton. Mas o interessante é que, no caso desse quarteto, se o território não é tradição, também não é o seu oposto simétrico, a desconstrução. A Banda de Joseph Tourton encontra jeito de combinar liberdade com elegância arejada. E, se é encantador de ouvir, não é nada fácil de explicar.
O exercício de pinçar referências, no caso d'A Banda de Joseph Tourton, pode acabar dando um resultado dadaísta. Por exemplo, “Lembra o Que?”, de título autoexplicativo, poderia ser descrita como o encontro de um King Crimson que gostasse de usar escaleta com algum arranjador maroto de samba rock, como o de “Luiza Manequim” de Abílio Manoel. Já “16 Minutos” fica em algum outro lugar setentista, digamos entre a doçura radiofônica de algum tema de Dave Grusin para a trilha de “500 Milhas” e o delírio flutuante do krautrock do Can.
O importante é anotar que, neste álbum, o instrumental d'A Banda de Joseph Tourton equilibra pelo menos três aspectos: um certo conforto auditivo; uma forte inspiração imagética; um tanto de urgência e inquietação. Nesse sentido, as comparações com sons do final dos anos 60 e início dos 70 fazem sentido. No pré-metal e pré-punk, havia todo um enorme território imaginário onde o rock fazia fronteira com gêneros menos agressivos (mas também menos simplórios), como o lounge e a chamada “library music” (música de trilha para cinema, rádio e televisão). Nos anos 90, iniciou‐se uma revalorização dessa memória, cuja sofisticação climática antes era tida como um tanto brega, mas até agora não havia muito sinal disso chegar ao rock (o resgate ficou mais restrito ao hip hop e à eletrônica, como nos trabalhos geniais do finlandês Jimi Tenor e do inglês Barry Adamson – mas todo roqueiro inteligente devia ouvir “Futures” do Burt Bacharach ou as trilhas da blaxploitation e do western spaghetti).
O fascinante em relação à Banda de Joseph Tourton é que os rapazes não são particularmente pesquisadores de gravações e estilos do século passado. São só jovens instrumentistas e compositores autodidatas que, sem o menor traço de preconceito ou programa ideológico, cresceram ouvindo as coisas de sua época como rock noventista e o pós‐manguebeat – e de lá da faísca de alguma sinapse do cérebro-sampler de Chico Science pescaram a chave para o paraíso perdido. Neste primeiro álbum, predominam nos arranjos o espaço e a leveza para brilharem as composições. Então acaba se destacando o trabalho dos guitarristas (e multiinstrumentistas, se desbobrando à flauta, teclados vintage e programações), Gabriel Izidoro e Diogo Guedes. Mas preste atenção na pegada ao mesmo tempo eficiente e criativa de Pedro Bandeira (bateria) e Rafael Gadelha (baixo), que nos shows costumam bater mais pesado. E aí pode-se traçar outro roteiro de seu DNA: em “Aquaplanagem”, por exemplo, a cozinha ao mesmo tempo sólida e suingada lembra o Public Image de Jah Wobble, banda que estabeleceu no pós-punk a conexão com os alemães do Can – mas um Public Image que tocasse samba, evidentemente. E olhe que até aqui eu só citei as três primeiras faixas.
Outras conexões (iê-iê-iê, soul, dub, fusion, prog, regional) podem ser estabelecidas observando as participações: em diferentes momentos, aparecem os convidados Chiquinho, Marcelo e Felipe S. do Mombojó (esses dois últimos produziram o álbum com Rodrigo Sanches, produtor da Trama), o pianista pop-erudito Vitor Araújo (aqui tocando o piano elétrico Fender Rhodes), o trompetista Guizado, os metais (Beto Mejía, Paulo Rogério, Esdras Nogueira, Xande Bursztyn) dos Móveis Coloniais de Acaju, o produtor e percussionista Homero Basilio (Catarina Dee Jah) e China. As outras músicas alternam climas evocativos (“100 m”), pulsantes (“O Triunfo de Salomão”, “A Festa de Isaac”, “#3”), sinuosos (“After Work Ganja”) e marotos (“Provolone”, “Volta Seca”). Não estranhe o título bíblico de algumas faixas; é só mais um exercício de desinibição criativa, assim como o Joseph Tourton do nome do grupo, um suposto aviador da Segunda Guerra Mundial. Se essa combinação de curiosidade com sofisticação serve para descrever a personalidade dessas pessoas tão jovens (Pedro e Gabriel têm 19 anos, Rafael 20, Diogo 21), podemos continuar sendo otimistas em relação à música – e à humanidade.
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