segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

virginias falam, rosas cantam

fazia um tempo que não abria o baú de textos e como hoje acabei cruzando o caminho com a tal pasta fui dar uma olhada. custa nada. bem, achei esse perfil da cantora paulistana virginia rosa que fiz no início de 2007 pra tam magazine. uma das primeiras vocalistas da banda do itamar assumpção - está no disco às próprias custas s.a. (baratos afins, 1983) -, virginia estava lançando seu terceiro disco solo, o ótimo samba a dois (eldorado, 2006), e a conversa rolou em um apartamento em higienópolis (acho que era do empresário e/ou produtor dela, ô memória). de lá pra cá, a moça lançou seu tributo ao grande monsueto (baita negão, 2008) e um dueto com o pianista geraldo flach (voz & piano, 2010), além de muitos shows. é cantora daquelas discretas e fortes, e que ainda tem muito o que cantar.


AS ROSAS NÃO FALAM, CANTAM

A voz é suave e o sorriso aberto. Virginia Rosa é assim ao vivo, mas no palco a doçura se transforma em presença forte e intensa. Tanto faz o repertório ou o tamanho do recinto, o palco é onde ela se sente mais viva. Paulistana filha de mineiros, negra e índia, a cantora está completando em 2007 uma década de seu primeiro disco solo e duas décadas de seu primeiro show como intérprete profissional. E ainda por cima com um disco novo na praça, Samba a Dois, seu terceiro CD e o marco de sua entrada definitiva no time principal de grandes intérpretes da música popular brasileira. No entanto, nada disso seria possível sem um longo aprendizado como vocalista, ou backing vocal como preferirem, de artistas como Itamar Assumpção e Tetê Espíndola. Mas antes, uma volta ainda maior no tempo.

“Meu pai era músico amador, tocava um instrumento de sopro chamado bombardino e um pouco de violão, e minha mãe sempre cantarolava. Então toda a família gostava de brincar de cantar. Meu pai me apresentou Beatles, Secos & Molhados e música sertaneja, enquanto minha mãe cantava Clara Nunes. Depois formei um grupo com meus primos e a gente ouvia Clube da Esquina, Elis Regina, essas coisas”, diz sobre sua formação musical. Para se tornar independente da família decidiu aprender a tocar violão e foi assim que conheceu Rondó, guitarrista que tinha acabado de participar do disco de estréia de Itamar Assumpção, o histórico Beleléu Leléu Eu, DE 1981.

Itamar estava montando uma banda para o lançamento do disco e Rondó perguntou se Virginia não queria conhecê-lo e fazer um teste para ser vocalista. Corria o ano de 1980 e o bichinho da música começava ali a morder seu calcanhar. “Nunca tinha ouvido o Itamar Assumpção. Era um jeito super novo de cantar, uma voz quebrada, percussiva e não muito harmoniosa. E eu gostei muito. Tenho essa característica de ser muito curiosa, não tenho preconceitos. Sempre pago para ver porque só assim fico sabendo se gosto ou não. Depois que entrei vieram a Vânia Bastos e a Suzana Salles, e formamos a Banda Isca de Polícia”, relembra. O aprendizado com Itamar durou cinco anos e resultou em um disco, Às próprias custas S.A., de 1983.

Virginia Rosa partiu desta experiência para as canções brejeiras de Tetê Espíndola e o resultado acabou sendo a participação no Festival dos Festivais da TV Globo em 1985, onde, vestida de coração, fez vocais para a vitoriosa “Escrito nas Estrelas”. “Nessa época ainda não tinha a pretensão de ser uma cantora profissional, mas queria saber mais e comecei a ter, finalmente, aulas de canto”, e foram nestas aulas que ficou amiga de Ná Ozzetti, responsável direta por ter ficado sete anos como cantora da Mexe com Tudo, uma banda de repertório totalmente brasileiro e dançante.

Tudo acontece ao mesmo tempo para quem está aberto e, no mesmo período em que começava com a Mexe com Tudo em 1987, Virginia Rosa fez seu primeiro show solo. “Não foi uma experiência muito agradável. Fiquei muito nervosa, chorei todos os três dias e era tanto de emoção por estar cantando solo quanto por um descontrole pessoal. Não conseguia aliar a técnica do canto a uma interpretação emocionada. Mas foi ali que assumi que era isso que eu queria”, e os palcos foram se sucedendo para uma Virginia mais experiente que conseguiu enfrentar os repertórios variados de grupos como a Unidade Móvel e o Heartbreakers. Em 1997 surgiu o convite para seu disco de estréia e Batuque mostrou uma cantora eclética e firme em seu propósito de cantar o que gosta. “Eu ia pegando as músicas numa ânsia, parecia que não ia conseguir fazer outro disco, parecia que ia morrer”, diverte-se.

“Dos meus três discos o mais maduro em termos de repertório é o Samba a Dois, porque mostra muito bem minhas influências musicais, mas tem um fio condutor muito forte, o samba”, reflete. Mas a princípio e mesmo sendo fã incondicional de samba, Virginia Rosa não se interessou em fazê-lo. “Antes do Batuque tive uma proposta assim, mas não aceitei porque não queria ficar vinculada a um gênero. Hoje as pessoas sabem que sou eclética e só aceitei porque queria fazer um disco de samba no meu estilo”, diz e enumera o repertório que vai de Candeia a Marcos Valle, passando pelos jovens Los Hermanos, Bebel Gilberto e Luisa Maita. Neste balaio, Virginia Rosa ainda encontra espaço para cantar “As Rosas Não Falam” de Cartola em ritmo de tango e dar um mergulho na música portuguesa em duas faixas. “Tenho me interessado por música portuguesa há uns cinco anos e venho querendo concretizar esse casamento entre Portugal e Brasil. Espero que as pessoas gostem porque os portugueses amam nossa música”, explica sobre um cruzamento inédito entre samba-canção e fado.

Após o lançamento de Samba a Dois, a intérprete começa a afiar as cordas vocais para dois novos projetos, um sobre o sambista Monsueto e outro sobre Carmen Miranda, além de lançar em DVD o show que fez em 2003 homenageando Clara Nunes. “Olha, modéstia a parte, eu tenho uma voz agradável...”, e gargalhada ciente de que existem verdades que não adianta esconder.

p.s.: abaixo, virginia canta uma música pouco conhecida de monsueto. "mané joão" (josé batista e monsueto) foi gravado originalmente em um 78 rotações de 1963 e, profeticamente, diz que "menino de rua, menino de barracão, menino que estuda, chega a chefe da nação". o vídeo é cortesia do pessoal do música de bolso.

Nenhum comentário: