sábado, 7 de maio de 2011

metrópolis, reino (quase) perdido

com todo trabalho de edição venho escrevendo menos na revista monet, mas nessa edição de maio assinei a matéria de capa (tropa de elite 2, logo mais por aqui), os textos de um ensaio fotográfico sobre a série planeta humano (bbc/discovery) e uma breve retrospectiva histórica do clássico metrópolis (1927), de fritz lang. motivo? a exibição no tcm (dia 23, 19h) do documentário metrópolis refundada, que trata do achado na argentina de uma boa parte do filme que todos julgavam que tinha se perdido para sempre. detalhe: o texto que segue está um pouco maior que na revista, afinal na mesma página tem um box sobre outro documentário, o excelente o inferno de henri-georges clouzot (dia 22, 22h, telecine cult).

cartaz de 2007 feito por bogna otto-wegrzyn, direto do polishposter.com

CLÁSSICO EM OBRAS

Pense em um filme clássico! Pronto. Certeza que a história de sua produção é quase tão interessante e rica quanto seu resultado. Pode ser o caos e a loucura que assombraram
Apocalypse Now (1979); ou a brincadeira exibicionista de um homem muito seguro de si em Cidadão Kane (1941); ou ainda a megalomania romântica durante E o Vento Levou (1939). Mas nada chega aos pés do que aconteceu antes, durante e depois de Metrópolis, a ficção científica dirigida por Fritz Lang que influenciou todo o século 20, de Hitler a Madonna, mas que poucas vezes foi vista, no esplendor de seus 153 minutos e com orquestra ao vivo, como nos primeiros meses do ano de 1927, em Berlim.

Cortadas, retalhadas, com velocidade de exibição alterada, as cópias do filme foram saindo da Alemanha para nunca mais serem as mesmas. Até que em 2008, uma versão com cerca de 20 minutos nunca antes vistos, desde aquela estréia, foi encontrada em Buenos Aires, Argentina. Toda essa história e a descoberta histórica é contada, em mínimos detalhes, no documentário
Metrópolis Refundada. Mas esse é o final feliz de uma história que poderia ter acabado muito mal, como tantas outras dentro desse território, às vezes tão negligenciado, que é a preservação da memória. olha o trailer.



No caso específico de Metrópolis o descaso vem desde a época de seu lançamento. Extremamente caro, visualmente ousado, o filme naufragou nas bilheterias alemãs e quase levou os estúdios UFA à bancarrota. Para arrecadar algum dinheiro extra, a produção foi vendida a Paramount, para distribuição nos Estados Unidos e resto do mundo, e aí o massacre começou. Quase uma hora do filme foi parar no chão da sala de edição, truncando totalmente a história original escrita por Fritz Lang e sua mulher Thea von Harbou (e em uma daquelas ironias do destino, os Estados Unidos mutilaram um filme que começou a ser pensado por Lang justamente após uma visita a Nova York em 1924).

O que era sombrio na trama futurista sobre uma sociedade industrial, no qual ricos frívolos oprimiam pobres automatizados, com direito a um cientista maluco e sua grande obra, uma a robô mulher criada para tomar o lugar de uma “líder revolucionária”, acabou se tornando ingênuo ao focar no amor de um casal (ele, da alta; ela, proletária) servindo como pacificador dessa luta de classes. Posteriormente, Hitler anunciou aos quatro ventos que Lang era o cineasta alemão/ariano por excelência e
Metrópolis um de seus trabalhos preferidos, o que apenas contribuiu para o diretor renegar ainda mais o filme e fugir da Alemanha em 1933 (sua mulher acabou ficando e se filiando aos nazistas). Lang filmou outros quatro longas no país nesse meio tempo, incluindo o igualmente clássico M – O Vampiro de Dusseldorf (1931) e O Testamento de Dr. Mabuse (1933), uma alegoria crítica ao nazifacismo, para então se exilar em Hollywood até sua morte em 1976.

“Não se pode fazer um filme com preocupações sociais em que se diga que o intermediário entre a mão e o cérebro é o coração. Isso é um conto de fadas. (...) Deveria dizer que gosto de
Metrópolis só porque algo que vi na minha imaginação se tornou realidade, mesmo tendo detestado o filme quando o terminei?”, disse um rígido Lang em 1971 numa conversa com Peter Bogdanovich (entrevista essa que presente no livro Afinal, Quem Faz os Filmes?).

E o filme ficou assim, capenga de sentido, mas sempre exuberante visualmente, até que cópias encontradas em cineclubes ao redor do mundo foram reunidas, restauradas, e deram em uma edição com pouco mais de 2 horas que foi exibida com grande pompa em 2001. Todos estavam felizes e ninguém imaginava que outros 20 minutos estavam vendo o tempo passar nas prateleiras do Cineclube de Buenos Aires. O frisson dessa descoberta, com direito a exibições a cinéfilos que não sabiam da existência desses trechos, está em
Metrópolis Refundada (estas novas cópias, acompanhadas da trilha original de Gottfried Huppertz, foram exibidas no mundo todo em 2010, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo). Segundo especialistas, atualmente apenas 5 minutos do filme são considerados perdidos, o que não é nada perto do fato de que Metrópolis está muito mais vivo.

p.s.: tão vivo está que é fácil achar imagens do filme misturadas com músicas das mais diversas. separei aqui dois "mashups". o primeiro com a música "time lapse", que o grande michael nyman fez para zoo - um z e dois zeros (1985, peter greenaway) e foi reutilizada no documentário o equilibrista (2008, james marsh). ficou dramático.



a outra é com os igualmente alemães do kraftwerk e ficou mais pop.

3 comentários:

Victor Rodrigues disse...

Boa a versão kraftwerkiana do metropolis :D Bonito mesmo foi ver ano passado o filme restaurado na mostra de SP, projetada ao ar livre no parque do Ibirapuera, com a orquestra jazz sinfônica trabalhando na trilha ao vivo, inesquecível mesmo.

Érico San Juan disse...

Belo texto, Dafne.

O cinema é uma puta arte, mas é a arte mais prostituída que existe.

dafne disse...

porra, victor, que sorte ter visto isso. essa eu perdi. acabei nem confessando no texto, mas assisti aquela versão colorizada com música eletrônica farofa do giorgio moroder. anos 80. inferno aquilo.
valeu, erico.