sábado, 3 de setembro de 2011

adorável. chaplin. vagabundo.

começa hoje no telecine cult e se estenderá pelos sábados de setembro um festival com os principais longas de charles chaplin, o homem, o ator, o cineasta, a lenda. só filmão da pesada, com destaque para o irônico monsieur verdoux (dia 10, 22h) e o melancólico luzes da ribalta (dia 17, 22h). lembro de assistir chaplin pela primeira vez ainda criança e gostar dele logo de prima (e quem não gosta?), mas quando bem mais tarde descobri buster keaton, o posto de heroi mudo rapidamente mudou de cara. é que os filmes que buster fez durante os anos 1920 sempre me pareceram mais cinematográficos que os de chaplin, sem contar o fato nada corriqueiro que não existe espaço para o sentimentalismo em seu trabalho. mas chaplin é maior, é um pioneiro, um desbravador, e um sujeito com uma vida absurdamente interessante. foi isso que descobri mais a fundo ao pesquisar para esse texto que saiu na revista monet deste mês. e um livro que me ajudou muito foi chaplin - uma vida (larousse), que acabou de sair e que é uma espécie de biografia psicológica que dá bastante ênfase aos primeiros e miseráveis anos do grande artista.

cartazes poloneses de o grande ditador, o garoto e tempos modernos

CLÁSSICOS - CHARLES CHAPLIN

Três meses após a morte de Charles Spencer Chaplin de causas naturais no Natal de 1977, um grupo de mecânicos suíços o levou para um passeio contra sua vontade. Queriam um resgate, não conseguiram e todos foram presos. Onze semanas depois, o corpo foi novamente enterrado no cemitério de Vevey, cidadezinha na Suiça que acolheu a família Chaplin desde o início da década de 1950. Essa absurda comédia de erros foi uma coroação e tanto para a vida nada ordinária de um dos maiores artistas do século 20, um dos grandes criadores cômicos da história da humanidade.

Agora, mais impressionante que essa inusitada ação post mortem é como sua infância definiu e influenciou sua arte. É que, nascido em 16 de abril de 1889 em Walworth, área pobre no sul de Londres, Chaplin é fruto da brevíssima relação entre um ator e cantor alcoólatra (Charles Chaplin Sr.) e uma atriz e cantora com problemas mentais (Hannah Chaplin), que tinha um filho de uma outra relação. Sem condições financeiras e psicológicas para cuidar dos dois, Hannah os deixou em uma instituição para menores carentes. Tal abandono, que durou cerca de dois anos, marcou a vida de Chaplin para sempre tanto que sempre dizia que sua infância acabou aos 7. Essa tristeza foi ainda o ponto central da trama de
O Garoto (1921), o primeiro longa do personagem Carlitos, e a fome que geralmente sentia foi relembrada com contornos delirantes no segundo longa do adorável vagabundo, Em Busca do Ouro (1925).

“Qual o papel que o encontro de Chaplin com ‘o sistema’ teve posteriormente na definição de sua visão cômica? Deu a ele (...) uma sensação de ardente indignação com a autoridade estabelecida”, disse Stephen Weissman em
Chaplin – Uma Vida. Carlitos é a resposta de Chaplin a essa mundo cruelmente estratificado que via quando criança na Inglaterra. O homem do chapéu-coco, fraque puído, bengala e bigodinho zomba, luta e mantém sua dignidade mesmo sob as maiores adversidades e é também uma mistura muito pessoal de características de seu pai, do andar trôpego de um vizinho e de artistas que assistia no movimentado teatro de variedades londrino.

O garoto Chaplin era uma impressionante esponja e absorvia com fervor tipos e trejeitos de qualquer um que passasse pela sua frente (a mãe foi a assumida primeira grande influência com sua facilidade para imitar pessoas). Quando voltou a se encontrar com ela e o irmão, e até brevemente com o pai, tinha quase 10 e já tinha sido picado pelo bichinho do show business - é que cinco anos antes, na fatídica noite que a mãe perdeu a voz no palco, ele havia substituído-a improvisando umas palhaçadas. Mas Chaplin aperfeiçoou-se na dança, no canto e na música ao entrar na companhia juvenil Eight Lancashire Lads, que lhe deu a oportunidade de viajar pelo Reino Unido. Foi também nessa época que descobriu que tinha mais talento para o silencioso humor físico dos palhaços que homenagearia com muita graça em
O Circo (1928).

No começo do século 20, após perder a mãe definitivamente para a loucura e o pai para a cirrose hepática, Chaplin mergulhou de vez no teatro de variedades (com alguma relutância no início, pois queria ser um ator “sério”) e seguiu de trupe em trupe até embarcar no grupo liderado pelo empresário Fred Karno em sua primeira visita aos Estados Unidos em 1910. Nessa ocasião dividiu quarto com Stan Laurel, que mais tarde seria conhecido na dupla O Gordo e o Magro. Certa vez, Laurel declarou sobre Chaplin que “ele tinha olhos que obrigavam você a olhar para eles. (...) Essa é uma parte do grande sucesso dele – olhos que fazem você acreditar nele, em qualquer coisa que ele faça.”

No final de 1913, Chaplin fixou residência em Los Angeles e assinou contrato com o produtor Mack Sennett, um dos pioneiros da comédia pastelão de Hollywood que descobriu talentos como Fatty Arbuckle e Buster Keaton. Os primeiros curtas protagonizados pelo inglês foram lançados em 1914 e no mesmo ano nasceu Carlitos. O sucesso veio como em um rastilho de pólvora e não demorou nada para Chaplin conseguir autonomia para dirigir seus próprios filmes com liberdade total.

“O extraordinário público que Chaplin, por seu gênio, conseguiu conquistar, deu-lhe uma enorme responsabilidade; ele não se acreditou investido de uma missão, ele tinha realmente uma missão e, em minha opinião, poucos homens públicos ou geradores de idéias desempenharam a sua com tal probidade e eficiência”, escreveu François Truffaut no livro
Os Filmes de Minha Vida. Difícil falar se Chaplin tinha uma missão clara, um objetivo em mente, mas numa entrevista em 1931 para um jornal francês ele confirmou a relação complexa entre criador e criatura: “Na verdade, essa figura, tão parecida comigo como um irmão, mas que não sou eu, é para mim uma terrível responsabilidade.”

Segundo Olivier-René Veillon, em
O Cinema Americano dos Anos Trinta, Carlitos “carrega o fardo por demais pesado da interpretação de uma época que digere mal os conflitos que gera e de cuja crise a ascensão dos fascismos traduz a amplitude”. Após o fim da violenta Primeira Guerra Mundial, da euforia moderna e libertária dos anos 1920, do qual Chaplin foi autor e grande estrela, e da chegada do cinema falado estava bastante claro que o mundo estava mudando rapidamente e que Carlitos não cabia mais nele. Mas o vagabundo ainda tinha mais algumas coisas a (não) dizer sobre si (Luzes da Cidade) e sobre essa nova era (Tempos Modernos).

THE END - A arte proletária de Chaplin, com suas raízes na pantomima e no teatro popular inglês que floresceu após a Revolução Industrial, buscava a igualdade e o humanismo, o que muitas vezes foi taxado de comunismo, principalmente nos Estados Unidos a partir da década de 1930. O ciclo estava se fechando, mas Chaplin fazia questão que Carlitos não falasse e dessa magia ele não abria mão. Foi isso que o levou a transfigurar sua grande criação nos protagonistas de
O Grande Ditador (1940) - filme que foi um grande sucesso, mas lhe trouxe grandes dissabores com o governo americano, pois debochou e criticou Hitler antes dos Estados Unidos entrar em guerra -, e Monsieur Verdoux (1947), no qual Chaplin criou um personagem que era ao mesmo tempo um “cidadão de bem” e um assassino serial de viúvas.

Uma das falas de Verdoux ficou famosa e deixou muita gente irritada (“Guerras, conflitos, é tudo negócio. Um assassinato cria um vilão; milhões, um herói. Os números santificam, meu caro”), o que fez com que essa comédia de humor negro fosse um retumbante fracasso de bilheteria. A vida não seria mais fácil para Chaplin nos Estados Unidos e quando ele foi lançar na Inglaterra o belo, melancólico e autobiográfico
Luzes da Ribalta (1952) seu retorno não foi permitido (daí o exílio suíço) e até sua pegada/assinatura na Calçada das Estrelas em Hollywood desapareceu.

No fundo ele não se importou muito e manteve-se fiel a uma das máximas de Marie Lloyd, atriz de teatro e influência nos seus tempos de criança-artista: “A verdadeira comédia é quase como chorar.” No caso de Chaplin, quem há de duvidar?


p.s.: segue abaixo na íntegra um dos curtas mais famosos de chaplin, o imigrante (1917).

3 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro Dafne, vc não sabe de uma boa biografia em português do Chaplin para me indicar não?
Grato.

@Mundimveloso

dafne disse...

cara, tem esse livro que falei no texto e que acabou de sair. 'chaplin - uma vida' (larousse). não é uma biografia com B maiusculo, nem é grande como se esperaria, mas é bem interessante.

Anônimo disse...

Valeu pela dica!

@Mundimveloso