quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

um festival-selva

na semana mais louca que tive de trabalho no ano, na segunda metade de novembro, escrevi uma coluna pro yahoo ("custe o que custar, uma ova!"), um texto pra revista piauí (que sairá agora em janeiro), o meu último como editor da revista monet (da viagem a las vegas e do programa trato feito, que sairá na edição de janeiro da revista) e esse aqui, "floresta de imagens", um breve histórico do amazonas film festival, com direito a entrevista com dheik praia, a jovem ganhadora de um prêmio de roteiro patrocinado pelo banco daycoval. essa reportagem está saindo na revista day by day, produção gráfica bonitona feita pela editora spring, de periodicidade anual e distribuída entre os clientes do banco.

camila pitanga e gustavo machado em cena do filme de beto brant e  
renato ciasca, um dos premiados no festival amazonense

FLORESTA DE IMAGENS

Tem muita história acontecendo na floresta; história de árvore, bicho e gente. Tem muita imagem também. E nada melhor que o cinema para traduzir esse mar verde de possibilidades. Pois então, no meio da Floresta Amazônica, na cidade de Manaus, o Amazonas Film Festival, AFF para os íntimos, vem fazendo desde 2004 o nobre trabalho de registrar a floresta para o mundo ao mesmo tempo em que traz o mundo para a floresta.

Sua 8ª edição aconteceu agora, de 3 a 9 de novembro, e para se ter uma ideia da diversidade exibida basta dar uma olhada nos premiados na mostra competitiva de longas: o iraniano A Separação, de Asghar Farhadi, ganhou melhor filme e roteiro; o brasileiro Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, de Beto Brant e Renato Ciasca, levou de  melhor ator (Zécarlos Machado) e atriz (Camila Pitanga); o francês La Source des Femmes, de Radu Mihaileanu, foi laureado pelo júri popular e premiado por sua fotografia; e, finalmente, o argentino El Estudiante deu o prêmio de melhor direção para Santiago Mitre.

Questões históricas e ambientais também são uma marca do evento, tanto que o filme que abriu o festival, em premiere mundial, foi o esperado Xingu, filme dirigido por Cao Hamburguer (O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias) e produzido por Fernando Meirelles, que refaz a história real, os dramas e a jornada de Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas. Interpretados respectivamente por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat, os irmãos percorreram todo o Brasil Central entre as décadas de 1940 e 60 e seus extraordinários feitos em prol dos índios culminaram na criação do Parque Nacional do Xingu em 1961.

O filme foi exibido com a presença do elenco e de seus realizadores no sempre deslumbrante Teatro Amazonas e por lá também passaram a cineasta norte-americana Randa Haines (Os Filhos do Silêncio) e o ator mexicano Alfonso “Poncho” Herrera (ex-integrante do fenômeno juvenil Rebeldes), que fizeram parte do júri. Poncho, aliás, protagonizou momentos hollywoodianos em Manaus tendo seu nome gritado por fãs enlouquecidas. Em outras edições estiveram presentes personalidades internacionais como os cineastas Claude Lelouch, Alan Parker, Jean-Jacques Annaud, Roland Joffé, John Boorman e John McTiernan, o cartunista francês Wolinski, os atores Matt Dillon e Jeremy Piven, e as atrizes Claudia Cardinale, Parker Posey, Neve Campbell e Leonor Silveira.

Toda essa badalação é apenas uma pequena parte de um festival que vem crescendo ano após ano, mas com os pés muito firmes no solo da mata, dando ênfase a mostra competitiva de curtas produzidos no Estado e ao aguardado Prêmio Daycoval de Roteiro, este ano concedido a Dheik Praia.

Amazonense do pé rachado, isto é, da capital, Dheik trancou a faculdade de jornalismo em 2009 para se dedicar integralmente a sua paixão de fazer cinema (que vem desde seus 14 anos quando participou de um curso patrocinado pelo Ministério da Cultura através do projeto de pontos de cultura). Diretora e roteirista de curtas feitos na raça como Faça o que Eu Digo (que participou do AFF dois anos atrás), Orelhão e A Menina que Mudou o Mundo, a jovem de 22 anos veio com tudo para esta edição do festival, inscrevendo tanto um ambicioso e já finalizado curta de 20 minutos (Jorge) quanto um roteiro (Rota de Ilusão).

“Estava cheia de expectativa, né? Mas levei a primeira decepção porque Jorge não foi selecionado. Fiquei muito triste. Depois disso realmente nem esperava nada do roteiro, mas na noite do encerramento me ligaram gritando ‘Cadê tu? Teu roteiro foi premiado!’ e foi aquela correria. É muito emocionante ter recebido esse prêmio exatamente nesse momento e em 35mm. É a minha oportunidade de fazer um ótimo trabalho e mostrar essa realidade que pouquíssimas pessoas conhecem, dos rios, das viagens de barco, das histórias de amor que acontecem neles”, relembrou em entrevista por email.

A trama criada por Dheik segue os passos de Núbia, uma jovem do interior que anseia dar uma vida melhor a seu filho e coloca o pé na estrada ou, para ser mais preciso, o barco no rio (afinal estamos na Amazônia). Nessa jornada ela conhece e se apaixona por Raimundo, um garimpeiro que está indo trabalhar na Guiana Francesa, e é aí que seus planos e sonhos tomam outro rumo. “Minha área é ficção. Gosto de criar histórias”, mas ela não se furta em assumir que parte desse roteiro foi inspirado em histórias que ouviu durante um “mochilão” que fez pelo Brasil durante quatro meses. Pois é, ficção e realidade vivem se misturando na floresta como bem sabem os que nasceram nela.

A trajetória muito real de Dheik Praia, espectadora em um dia e realizadora premiada em outro, resume muito bem o que de melhor pode acontecer quando se criam possibilidades de estímulo e incentivo cultural. E assim, feliz da vida, ela foi de coração leve até o encerramento do AFF receber a confirmação de que a pré-produção de Rota de Ilusão já pode começar em janeiro.

Lá no Largo São Sebastião, centro da Manaus e local da festa de encerramento, os números também davam outros motivos para alegria: nos sete dias de programação, o festival superou a marca de 300 mil espectadores assistindo seus 180 filmes (curtas e longas) em cerca de 40 teatros, salas de cultura e espaços transformados em cinema, tanto em Manaus quanto em cidades do interior/ribeirinhas como Pau Rosa, Itacoatiara e Manacapuru. Muita gente que nunca viu cinema na vida. Às vezes literalmente como os participantes da mostra inclusiva “Outra Visão do Cinema”, no qual deficientes visuais acompanham filmes a partir de audiodescrição.

Números, histórias e projetos assim consolidam o Amazonas Film Festival como um dos mais importantes eventos de cinema no Brasil. Mas, para os organizadores, tão importante quanto isso é ver o festival estimulando e movimentando a cultura local – em 2013 terá início a primeira turma do curso de cinema na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) –, ou servindo de vitrine para a crescente produção cinematográfica manaura – no ano que vem, a festa de encerramento será transmitida ao vivo pelo Canal Brasil. É a árvore dando frutos onde tem mais espaço para crescer e se multiplicar: fora do eixo.


p.s.: abaixo um programa da tv bandeirantes do amazonas com uma boa entrevista com dheik e alguns de seus curtas.





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