como disse no post anterior, a edição de outubro da Revista Monet veio com dois textos meus: o sobre o recém-falecido Ozzy Osbourne e este sobre o muito vivo e ativo Martin Scorsese (e que foi a capa da edição). a deixa é a estreia na Apple TV+ do documentário em cinco partes intitulado Mr. Scorsese.
O HOMEM-CINEMA
Documentário em cinco partes, estreia do mês na Apple TV+, disseca a vida e a carreira de Martin
Scorsese, um dos maiores cineastas da história
Prestes a completar 83 anos, Martin Scorsese continua frenético e
apaixonado. E muito atento, sempre, ao passado, ao cinema, ao presente e, acima
de tudo, à própria mortalidade. Talvez por isso esteja trabalhando como nunca,
correndo atrás de muitas coisas ao mesmo tempo. Nos últimos dez anos, por
exemplo, Scorsese dirigiu três longas épicos (Silêncio, O Irlandês
e Assassinos da Lua das Flores), produziu uma série de TV (Vinyl),
contou uma história de Bob Dylan (Rolling Thunder Revue), declarou seu
amor à Nova York (Pretend It’s a City), narrou mais uma vez seu amor por
artistas que o influenciaram (Made in England: The Films of Powell and
Pressburger) e se divertiu atuando como si mesmo (na série The Studio).
E até arrumou tempo para abrir seus arquivos para a série documental O
Lendário Martin Scorsese, estreia do mês na Apple TV+.
Dirigida por Rebecca Miller, a série em cinco partes é um mergulho na
vida e obra de um dos maiores cineastas do mundo, com direito a muitas cenas
nunca antes vistas de bastidores de seus filmes e entrevistas inéditas com amigos
e colaboradores como Robert De Niro, Leonardo DiCaprio, Mick Jagger, Daniel
Day-Lewis (marido de Miller), Thelma Schoonmaker, Steven Spielberg, Sharon
Stone, Jodie Foster, Paul Schrader, Margot Robbie e Cate Blanchett.
“Sou muito grata por ter tido a liberdade artística e o acesso para
criar um retrato cinematográfico de um dos nossos maiores artistas vivos. Sua
obra e vida são tão vastas e tão envolventes que a obra evoluiu de um longa
para uma série em cinco partes ao longo de um período de cinco anos; e elaborar
este documentário junto com meus colaboradores de longa data foi uma das
experiências mais marcantes da minha vida como cineasta”, afirmou a diretora no
release oficial de O Lendário Martin Scorsese.
UMA JORNADA PESSOAL
O bem e o mal, escolhas, lealdade, culpa, espiritualidade, violência,
ambiguidades, pecados, moralidade, redenção, tem de tudo na carreira de Martin
Scorsese. Desde o início, nos filmes universitários que fez em meados dos anos
1960, até o presente momento, o diretor assinou 26 longas de ficção, 16
documentários, e mais curtas, comerciais, trabalhos como ator, videoclipes,
produções executivas, restauração de filmes antigos e sem dar sinais de parar
ou desacelerar.
O último filme que lançou, o premiadíssimo Assassinos da Lua das
Flores, já tem dois anos de existência, e Scorsese ainda não começou a
produção de nenhum novo. É que o diretor precisa ter um projeto com roteiro
mais desenvolvido e a certeza de quem pagará por sua realização, e essa
conjunção de astros às vezes demora para se alinhar.
Então agora, agorinha, não é possível cravar qual será o novo longa de
Scorsese: pode ser sobre a banda de rock Grateful Dead, ou um novo filme sobre
Jesus (baseado em livro de Shusaku Endo, o mesmo autor que Scorsese adaptou em Silêncio),
ou a história de um serial killer no século 19 (The Devil in the White City),
ou uma cinebiografia de Frank Sinatra (The Old Blue Eyes), ou sobre a
chegada da máfia siciliana em Nova Orleans (Midnight Vendetta), ou um
drama policial ambientado no Havaí dos anos 1960/70 com DiCaprio, Dwayne
Johnson e Emily Blunt, ou ainda outra parceria com DiCaprio, o drama de época Home
(baseado em livro de Marilynne Robinson). Em todos, o cineasta enxerga um fio
comum.
“Procuro sempre descobrir quem somos como seres humanos, como
organismo, e do que são feitos os nossos corações. É isso que acho que estou
procurando. Em outras palavras: continuo uma pessoa curiosa”, afirmou Scorsese
em entrevista para o jornal inglês The Guardian em 2024. Um ano antes, mais
prático, o diretor disse à revista GQ que “estou na idade em que você
simplesmente... você vai morrer, não tem jeito. Isso não significa que você não
aceite conselhos, nem discuta e argumente, mas chega um ponto em que você sabe
o que quer fazer. E você não tem escolha”.
“EU SEMPRE QUIS SER UM GANGSTER”
Vieram os anos 1990 e o cineasta começou a década com mais um clássico
instantâneo, Os Bons Companheiros (1990), um violento e pulsante filme
de mafiosos estrelado por De Niro, Joe Pesci e Ray Liotta. Com essa mesma
energia dirigiu o eletrizante Cabo do Medo (1991), o suntuoso drama de
época A Idade da Inocência (1993) e mais um filme de mafiosos, Cassino
(1995). A década do cineasta encerrou com dois filmes muito espirituais, e
muito diferentes entre si, o budista Kundun (1997) e o urbano Vivendo
no Limite (1999).
Mas mesmo um diretor estabelecido como Scorsese, com alguns clássicos
nas costas, sentiu novos baques nos anos 2000 para conseguir fazer seus filmes.
O estupendo Gangues de Nova York (2002), o primeiro filme seu com
Leonardo DiCaprio e o segundo com Daniel Day Lewis, foi palco de muitas brigas
com o produtor Harvey Weinstein, o que acabou prejudicando sua divulgação. Em O
Aviador (2004), o estúdio Warner cortou o orçamento na fase de edição e
Scorsese precisou tirar dinheiro do próprio bolso para finalizá-lo. A mesma
Warner pressionou o diretor para que pelo menos um dos protagonistas de Os
Infiltrados (2006) não morresse para que pudessem dar início a uma
franquia, e os executivos ficaram visivelmente tristes quando as primeiras
exibições-teste aprovaram a visão do diretor (que, finalmente, ganhou seu primeiro
e único Oscar de Melhor Direção).
Calejado por décadas de brigas com Hollywood, Scorsese seguiu os anos
2010 sem se abalar. Novamente chamou DiCaprio para protagonizar o thriller A
Ilha do Medo (2010), depois fez uma bela homenagem aos primórdios do cinema
em A Invenção de Hugo Cabret (2011) e mostrou mais uma vez sua eterna
energia em O Lobo de Wall Street (2013). Então, aos 70 anos, meteu o pé
no acelerador e na última década produziu sem parar como se pode ver no início
do texto.
Em conversa com o historiador Richard Schickel, Scorsese confessou que
“as pessoas dizem: você se leva muito a sério. Mas essa é a realidade. Estou
empacado comigo, então é melhor dar ouvidos a mim mesmo e lidar com isso”.
Afinal de contas, o tempo não para e nem Scorsese.
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