foi em março de 2005 que começou efetivamente minha colaboração com a tam magazine (spring) e durou até dezembro de 2007 quando a revista se mudou para outro editora. um dos primeiros textos que fiz lá foi uma entrevista com a atriz letícia sabatella, direto de curitiba, onde já estávamos (eu, rafael jacinto e pio figueroa, os manos lá da cia de foto) para fazer outra pauta sobre a própria cidade. naquele momento, a atriz estava descansando e colhendo os elogios pela minissérie hoje é dia de maria, de luiz fernando carvalho. pouco depois enfrentaria a segunda parte da minissérie e pisaria no acelerador atuando em outra minissérie (jk), novelas (páginas da vida, desejo proibido e caminho das índias) e cinema (vestido de noiva, não por acaso, romance e o ainda inédito chico xavier). segue a entrevista com algumas instantâneos que tirei durante a sessão de fotos (tem uma outra, a que mais gosto, que coloquei aqui no blog em maio).
TODA MULHER É MEIO LETÍCIA
Mais uma vez a platéia somos nós. Sentados nas primeiras fileiras do cinquentenário Guairinha - o primeiro dos auditórios construídos no complexo do Teatro Guairá -, observamos a chegada mansa de Letícia Sabatella ao palco. Mineira de nascimento e paranaense de criação, a atriz é um exemplo raro, pelo menos nos dias de hoje, de coerência artística, discrição pessoal e paixão intensa por tudo o que faz.
A razão da entrevista ser em Curitiba é simples. Recarregar as baterias com a família após a excelente repercussão de Hoje é Dia de Maria, microsérie dirigida por Luiz Fernando Carvalho, onde a atriz contracenou com Rodrigo Santoro, Fernanda Montenegro, Osmar Prado, Daniel Oliveira e Stênio Garcia. Ao vivo parece muito com seus personagens televisivos, Maria inclusive: doce, atenciosa, tranquila, romântica e firme. Em tudo se concentra e se entrega. No palco, as fotos. No camarim, a maquiagem, os cabelos, as roupas e a entrevista.
A data de seu nascimento não podia ser mais reveladora: 8 de março, mais conhecido como Dia Internacional da Mulher, logo ela que já foi muitas, todas apaixonadas. Letícia já se chamou Taís em O Dono do Mundo (onde conheceu o ator Ângelo Antonio, pai de sua filha Clara), Salete em Agosto, Ana em A Muralha e Latiffa em O Clone, fora Luíza, Diana, Márcia, Celeste e outras Marias.
“E se eu virar pra esse lado?”, pergunta Letícia ao fotógrafo. “Tá ótimo, mas é que no retrato da capa as pessoas costumam estar viradas para o lado esquerdo, aparecendo mais o lado direito do rosto, no sentido de quem vai abrir a revista. Ou então de frente”, responde semioticamente o fotógrafo. “Ah, tá! Se ficar de costas, então, ninguém vai ler a revista?”, brinca a atriz. Mesmo de costas na capa é certeza que todos, e todas, abririam a revista à procura de seus olhos grandes e do sorriso maior ainda.
Como é sua relação com Curitiba?
Eu nasci em Belo Horizonte, mas com quatro anos vim pra cá, a família do meu pai é de Curitiba. Hoje meus pais moram aqui, meu irmão, avós. Então, desde os quatro anos até os vinte anos eu morei aqui. Estudei, entrei no balé aos oito anos aqui no Guaíra e fiz até os dezessete. No Guaíra a gente convivia com muitas coisas, com teatro, orquestra, coral... entrei no Coral Sinfônico do Paraná... nessa época eu já estava fazendo faculdade de teatro na PUC. Eu era amiga dos porteiros e via todas as peças que vinham pra cá. Então, o Guaíra era o lugar, né? Curitiba foi onde aprendi muita coisa.
Como foi essa passagem de Curitiba para a TV Globo?
Fiz uns dois anos de faculdade e fui chamada pra fazer um teste na Globo para o especial Tereza Batista. Não fiz esse trabalho, mas acabei logo depois no primeiro especial dirigido pelo Luiz Fernando Carvalho, Os Homens Querem Paz. Foi a primeira pessoa com quem trabalhei. Isso em 1991. E foi ele que dirigiu esse meu último trabalho, Hoje é Dia de Maria. Até hoje, o Luiz é pra mim uma referência muito importante. Ele é o meu mestre e me orienta em muita coisa.
O que teve de diferente em Hoje é Dia de Maria para tuas outras experiências televisivas?
A radicalidade da experiência, da linguagem empregada... acho que foi um marco pelo espaço de arte que conquistou na TV com uma valorização brilhante da cultura popular. O texto é poético o tempo inteiro, e também tão corrente. Existe uma poesia tão grande na fala popular que tem muito a ver com o ambiente que a pessoa vive, os bichos, os passarinhos... tem uma grande amiga que é vizinha do meu sítio lá no interior do Rio de Janeiro e a voz dela me lembra muito o cacarejar de uma galinha... “Mas o quê-quê-quê é isso?” [risos]... isso é lindo. E a minissérie teve coragem de mostrar e dar valor a isso. Outra coisa é pode trazer novamente o símbolo pra televisão. No teatro você não precisa colocar um pássaro de verdade ali voando. Você deixa o público simbolizar o pássaro. E em Hoje é Dia de Maria a gente trouxe isso de novo. Tinha um refletor que era o sol e o refletor era enquadrado. O cavalo... apareciam as rodinhas. O pássaro... apareciam os fiozinhos da marionete. Todo mundo acreditava. Poder trazer o simbólico de novo é muito bom.
A minissérie conseguiu reunir cinema, teatro e TV. Tem algum desses meios que você se sente mais à vontade?
E tem o canto também, tem uma coisa operística. Mas acho que essa experiência da minissérie me fez sentir mais à vontade ali, sabe? Poder usar um veículo tão mágico como a televisão, tão abrangente, e ao mesmo tempo com uma linguagem tão bem cuidada quanto a do cinema e também o lúdico do teatro. Como atriz eu busco tudo isso junto. Sou uma pessoa mais introspectiva e através de um personagem eu me expresso bem melhor. Uma máscara me ajuda muito [ri].
O que te interessa na cultura popular?
A cultura é popular, né? Pra mim não tem como separar uma coisa da outra. Agora, sou uma atriz que moro no Brasil e que é riquíssimo nesse aspecto. Na faculdade a gente tem aulas de Teatro Grego, Commedia Dell’Arte, que é genial, é muito legal, são as origens do teatro, mas quando você começa a viajar pelo Brasil, tem tanta coisa que você fica saciada. Não precisa sair do Brasil porque aqui é muito rico. Claro que é legal viajar e ver outras coisas, mas o Brasil é fantástico, e quando você vai em busca do teatro popular você vê sua função na comunidade. O que o teatro traz pra comunidade? Traz auto-estima, tece críticas à sociedade e abre os olhos pro avesso das coisas de modo que se possa enxergar o caminho da harmonia.
Você acha que suas escolhas, tanto no cinema, quanto no teatro e na TV, se dão em algum sentido por essa função social?
Sim, mas não em um sentido panfletário. Tenho até medo de parecer pedante... porque tenho noção do meu tamanho... mas acho que não tem outro jeito de dar um sentido pra sua vida. Minha escolha pelo teatro não foi pra ser famosa, pra ter um status social e ter dinheiro... pelo contrário, não tinha ninguém na minha família que fazia isso e todo mundo achava que era um trabalho que não tinha estabilidade e tal. Quer dizer, foi uma sede mesmo. E cada vez mais fui descobrindo que apesar de todo aparente culto à vaidade o que na verdade tem que se ter menos é vaidade.
Como você faz para se manter afastada desse mundo de celebridades?
Tem muita celebridade, não é difícil. Sempre vai ter alguém aí [risos]. Mas o legal é não fazer da sua vida um evento, eu não faço isso com a minha. Eu me refugio muito, gosto muito de ir pro mato e também me interesso muito em saber o que está acontecendo nas veias do país... fui agora pela segunda vez ao Fórum Social Mundial em Porto Alegre... então, diante disso a gente pensa, “será que tenho tanto a dizer pra ficar aparecendo nas revistas?”. Às vezes é interessante você falar alguma coisa pra construir o teu espaço e poder tocar na orquestra. Mas não é tão interessante você dizer se emagreceu ou engordou.
Teu aniversário cai no Dia Internacional da Mulher, dia 8 de março. Você já descobriu o que é ser mulher?
O legal é ser e sendo não ter medo do que se é. Pra mim ser mulher passa mais pela essência da pessoa e no momento a minha feminilidade tá plena e, por incrível que pareça, o meu lado masculino também tá sendo exercido. Sinto que estou encontrando esse equilíbrio entre o masculino e o feminino dentro de mim... do que é força, do que é ação, da vontade de revolucionar e mudar algumas coisas, de conquistar coisas, vamos chamar isso de masculino... e do que é amorosidade, conservação, cuidado, receptividade, do que seria feminino. E ser mulher hoje em dia é não abrir mão dessas duas dimensões. Mais que tudo, eu não abro mão de ser uma pessoa. Não quero ser só uma mulher, e muito menos essa mulher da sociedade de consumo, a mulher produto, a mulher desejada, fragmentada em pernas, bundas, seios... não quero ser só isso. A existência é mais importante e a gente tem que olhar o ser humano integrado. Uma criança não é só uma criança, tem uma velha sábia ali. Como em uma velha sábia tem também uma criança. O mais legal é ver o universo em cada um.
abaixo uma cena particularmente bela de hoje é dia de maria, com letícia e rodrigo santoro.
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Um comentário:
salve dafne, o link do Kocani Orkestar já foi arrumado! confira lá!
um abraço
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