quarta-feira, 17 de março de 2010

encontros: ná ozzetti & andré mehmari

de volta ao baú. essa minha reportagem sobre o encontro da voz de ná ozzetti e o piano de andré mehmari saiu na tam magazine de setembro de 2005. a entrevista com os dois rolou na bela casa-estúdio que o pianista mantém na serra da cantareira, na parte mais verde da zona norte paulistana, e veio à reboque do lançamento do disco piano e voz (mcd, 2005). esse disco ganhou uma versão ao vivo (em cd e dvd) no ano de 2006 e depois disso ná e mehmari voltaram a centrar fogo em suas próprias carreiras. no início de 2009, e após uma bem sucedida série de shows, ná entrou em estúdio para gravar balangandãs (mcd, 2009), sua homenagem a arte de carmen miranda. já o elétrico mehmari gravou dois discos de piano solo pra série mpbaby (beatles em 2005 e clube da esquina em 2008), uma parceria com hamilton de holanda (contínua amizade, 2007), uma com gabriele mirabassi (miramari, 2009) e o autoral ...de árvores e valsas (monteverdi, 2008).

a voz de uma e o piano do outro

DE COMO AFINAR MÚSICAS E AFETOS

Tudo aconteceu muito rápido. Primeiro veio um convite do Rio Grande do Sul ao pianista André Mehmari para uma série de recitais de piano e voz com vários artistas no final de 2004. Mehmari chamou então Ná Ozzetti e sua voz. Nos ensaios ficou claro que a química entre os dois era forte demais para apenas um show e após a bem sucedida apresentação em Porto Alegre decidiram registrar o encontro. Gravado em dezembro na casa-estúdio do pianista e lançado em maio, o disco
Piano e Voz (MCD, 2005) lotou os shows de lançamento em São Paulo e surpreendentemente alcançou o primeiro lugar de vendas em lojas como a Fnac.

“Estamos apenas no começo”, ameaçou entre risos Ná Ozzetti em entrevista exclusiva. Em julho houve uma pausa no lançamento porque ambos estavam com outros compromissos. Mehmari foi ao Japão ao lado de Joyce e Dori Caymmi. Ná esteve na França pelo Projeto Pixinguinha com Jards Macalé, Dona Selma do Coco e o grupo instrumental Nó em Pingo d’Água. O segundo semestre promete shows em outras partes do país como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. “Acho que tanto pra mim quanto para o André esse trabalho era apenas um projeto paralelo. Só que o envolvimento acabou sendo tão grande que não encaro mais o disco assim. É um trabalho meu, tem a minha cara nele e é um trabalho do André também”, e os olhos claros da cantora paulistana faíscam de orgulho.

Mehmari não deixa a bola cair e emenda: “Temos gravados todos os ensaios que fizemos e dá para ver bem a evolução natural até chegar ao disco. Não tivemos nenhuma reunião de pré-produção, simplesmente saímos tocando e aí, numa pausa logo nos primeiros ensaios, a Ná disse que a gente precisava gravar um disco”. Em perfeita sintonia, como uma dupla afiada, Ná completa que “era uma judiação tocar apenas um dia e depois nunca mais se ver, ainda mais quando o trabalho estava ficando tão bacana”.

Um dos pontos que mais aproximaram os dois artistas foi o processo de escolha de repertório até o ponto em que, atualmente, nem se lembram direito, ou não se importam, em saber quem sugeriu o quê. “O disco tem uma coisa muito essencial... sei que sou suspeita pra falar... mas o que me agrada no disco, como ouvinte mesmo, é a sinceridade do repertório. Foram músicas que escolhemos como pérolas mesmo e acho que elas representam muita coisa pra muita gente também”, afirma Ná. Basta lembrar então que o disco traz Chico Buarque (“A ostra e o vento”), Caetano Veloso (“O ciúme”), Pixinguinha (“Rosa”), Milton Nascimento (“Os povos”), Beatles (“Because”), Ernesto Nazareth (“Bambino”, com letra de Zé Miguel Wisnik) e Lupicínio Rodrigues (“Felicidade”, misturada a duas músicas de Egberto Gismonti). Para Mehmari “este disco salta como uma obra de arte livre de clichês e convenções mercadológicas onde o encontro de afinidades de duas vozes é o tema principal”. Ambos concordam que o encontro sincero de dois afetos musicais é o motivo para o sucesso do CD e dos shows.

“No disco colocamos “Luz negra” do Nelson Cavaquinho e “Pérolas aos poucos” do Zé Miguel Wisnik, porque não conseguimos ensaiar a tempo do show. Entrou também uma inédita do André, “O vôo da bailarina”. A gente fazia no show três do Jobim e decidiu não colocar no disco porque já ia sair em um livro. Acabou que ficou só uma versão diferente de “Gabriela” porque o André fez questão. Hoje é uma das que eu mais gosto”, relembra Ná. O livro em questão é
Três canções de Tom Jobim (Cosac Naify) onde os ensaístas Lorenzo Mammì, Arthur Nestrovski e Luiz Tatit analisam três clássicos do cancioneiro de Jobim (“Sabiá”, “Águas de março” e “Gabriela”). O livro traz CD encartado com as interpretações de Ná e Mehmari.

E como entender essa química? “Temos posturas parecidas perante a música e disponibilidade de trocar idéias musicais. Muitas vezes os músicos não se permitem fazer essas interfaces musicais com outros músicos. Gosto muito desse diálogo, por isso tenho vários duos, trios, acho muito rica essa experiência. Eu e a Ná somos assim, nos preocupamos com a música”, responde Mehmari enquanto dedilha algumas notas em seu piano. Ná também possui uma resposta para tal pergunta: “Eu me identifico muito com a sensibilidade dele, com o tipo de arranjo que ele faz, o modo como ele conduz a música, tudo isso casa direitinho com o jeito como sinto a música também. Tenho universos musicais em que transito e ele não. Ele tem outros universos musicais em que não transito. Mas naquele lugar que a gente se encontrou tem muita coisa em comum e de uma forma muito forte”.

Ná Ozzetti e André Mehmari divertem-se nesse parêntese musical que a vida lhes pregou, mas não descuidam de suas próprias carreiras. Ná, que surgiu na década de 1980 no cultuado grupo Rumo e seguiu em carreira solo com discos elogiados como
Love Lee Rita (1995), Estopim (1999) e Show (2001), prepara um disco de inéditas. Já Mehmari, vencedor em 1998 ao lado do baixista Célio Barros do 1º Prêmio Visa de MPB e um dos arranjadores brasileiros mais elogiados da atualidade, termina disco com versões instrumentais para canções dos Beatles enquanto ainda colhe os louros pelo disco Lachrimae (2004). Os dois não param, nem poderiam, afiados que são.

pra encerrar o post, o video de ná e mehmari aprontando das suas em "a outra e o vento" (chico buarque), música que estava no shows, entrou no disco original e, obviamente, emplacou no dvd ao vivo. uma das melhores músicas a sair do cancioneiro mais recente de chico numa interpretação de chorar.



p.s.: lá no gafieiras tem resenhas do cd piano e voz, do dvd piano e voz e do mpbaby beatles. isso sem falar na ótima entrevista que fizemos com ná ozzetti em 2008.

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