quarta-feira, 10 de agosto de 2011

no mês do cachorro louco...

enquanto isso, no excelente baú de velhas novidades do canal viva, é dia de estreia da minissérie agosto, uma adaptação bem feita do livro homônimo de rubem fonseca. fiz um texto pra revista monet desse mês com direito a um papinho virtual com zé henrique fonseca, cineasta, filho de rubem e que estreou como diretor naquele distante início da década de 1990.

josé mayer e vera fischer, protagonistas da minissérie

CLÁSSICOS - AGOSTO

As primeiras noites de agosto de 1954 foram agitadas no Rio de Janeiro. Modo de falar, claro. Aquelas primeiras noites mudaram a história do país. Tudo começou com o assassinato do empresário Paulo Gomes de Aguiar no primeiro dia do mês em um prédio numa das ruas mais movimentadas de Copacabana. Apenas quatro dias depois, e distante cerca de seis quarteirões, o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado e quem acabou morrendo foi Rubens Vaz, major da Aeronáutica que fazia sua segurança.

Nada menos que o presidente Getúlio Vargas, principal alvo das críticas e denúncias de Lacerda, tornou-se o principal suspeito de ser o mandante, deixando o país em pé de guerra. Mas o Comissário Mattos acreditava que os dois crimes tinham alguma conexão. Pelo menos no campo da ficção, já que estamos falando de
Agosto, minissérie baseada em livro homônimo de Rubem Fonseca lançado em 1990 e que agora ganha reexibição.

Mistura hábil de personagens ficcionais com figuras muito reais, e excelente reconstituição de época, os 16 capítulos de
Agosto foram ao ar entre os dias 24 de agosto e 17 de setembro de 1993 com produção e direção artística do veterano Carlos Manga. Já o roteiro adaptado ficou a cargo de Jorge Furtado e Giba Assis Brasil, enquanto a direção foi dividida entre Paulo José, Denise Saraceni e o jovem estreante José Henrique Fonseca. “Foi o Manga que me convidou e de certa forma me ‘indicou’ [risos] ao Paulo José, diretor-geral da série. Dirigia algumas cenas externas e no final acabei fazendo algumas bem legais, mas rodei poucas em estúdio. A maior parte eram externas noturnas e assassinatos. Devo dizer que gostava”, relembrou Fonseca, não por acaso filho de Rubem Fonseca, em entrevista para a MONET.

Foi sua primeira grande experiência como diretor e mais tarde assinaria inúmeros clipes, shows, filmes publicitários, um dos episódios de
Traição (1998), o longa O Homem do Ano (2003) e a série Mandrake (2005-07). Detalhe: tanto O Homem do Ano quanto Mandrake tiveram participação direta ou indireta de Rubem Fonseca. “Já disse e repito que poderia ser o cineasta oficial do meu pai se fosse preciso, ou se alguém quisesse fechar um acordo desse... toparia na hora!!! Faço cinema por causa dele, pelos filmes que vi com ele, pelos livros que li na minha juventude, inclusive e sobretudo os que ele escreveu.”

Escritor da rua (sobretudo carioca), seco e intenso, Rubem Fonseca criou em Agosto uma história policial trágica ao redor do dividido Comissário Mattos (José Mayer). Honesto em meio a uma corporação corrupta, Mattos também balançava entre um amor do presente, Salete (Letícia Sabatella), e outro do passado, Alice (Vera Fischer), enquanto vivia consumido por uma intensa gastrite. A frágil Alice, por sua vez, tinha casado com Pedro Lomagno (José Wilker), tipo ambicioso e amante de Luciana (Lúcia Veríssimo), mulher de Paulo Gomes de Aguiar. Pois então, para controlar a empresa de Aguiar, Lomagno e Chicão (Norton Nascimento) arquitetam sua morte, o que não chega a ser um mistério para o espectador da minissérie.

Porém, Mattos se confunde com algumas evidências que ligam Gregório Fortunato (Tony Tornado), chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas acusado do atentado a Carlos Lacerda, à empresa ambicionada por Lomagno e o tem como suspeito da morte de Aguiar. Fortunato é o principal personagem real a participar da trama de
Agosto e estes paralelos entre a ficção e a não-ficção – a saber, o esfacelamento do governo de Vargas culminando no suicídio em 24 de agosto de 1954 – só amplificavam a roda viva de sentimentos e impulsos dos personagens.

“Quando a gente faz personagens nascidos da boa literatura a gente se torna melhor. Nem é muito mérito nosso não. Mas a gente fica visivelmente melhor quando fala texto de bons autores. Pra mim, [o Comissário Mattos] foi um crescimento na carreira”, relembrou José Mayer dentro do projeto Memória Globo. Mayer, aliás, não foi a primeira opção para viver Mattos. Quando Carlos Manga o chamou seu papel deveria ser o do vilão Pedro Lomagno e Mattos ficaria com Cláudio Marzo. Mas problemas de saúde deste o afastaram da produção e a oportunidade caiu como uma luva no estilo calado de Mayer (que, anos mais tarde, interpretou outro personagem de Rubem Fonseca no longa
Buffo & Spallanzani). Lomagno ficou com José Wilker. 

CAIO O PANO - A história não acaba bem para grande parte dos envolvidos em
Agosto. No mundo real, Gregório Fortunato, o Anjo Negro, foi preso e assassinado no presídio em 1963. Os braços armados de Fortunato na ação contra Lacerda, Climério Euribes de Almeida e Alcino João do Nascimento (o confesso autor dos tiros que tentou impedir judicialmente a exibição da minissérie), também foram presos. Nascimento passou pouco mais de 21 anos entre as grades e foi liberto em 1975.

Getúlio Vargas cometeu suicídio, mas entrou para a história. A princípio vítima, Carlos Lacerda foi vilanizado pela opinião pública após a morte de Vargas e as coisas para o seu lado não melhoram quando mais tarde, e com apoio de militares, tentou dar um golpe em Juscelino Kubitschek. Acabou caindo no ostracismo pelas mãos das próprias Forças Armadas que apoiou em 1964.

Agora, José Henrique Fonseca está muito bem, obrigado. Irá lançar seu novo longa,
Heleno (sobre o intempestivo jogador de futebol Heleno de Freitas), em novembro e seu pai não tem nada a ver com isso. “Cinema é amadurecimento. Veja os filmes do Clint Eastwood, os últimos filmes do John Huston. Cineastas filmam bem em final de carreira. Não trocaria a forma mais objetiva como enxergo minha profissão hoje em dia, pela garra do início de carreira. Penso que vou fazer, ou pelo menos vou ter a chance de fazer filmes mais interessantes, a partir de um amadurecimento como homem, como cineasta.”

Já no campo ficcional, o Mattos... bem, após um surto memorável no qual prende todos os policiais e liberta os detentos de uma delegacia, o Mattos... olha, o melhor é rever a minissérie porque meses como esse agosto de 1954 são realmente inesquecíveis.


p.s.: segue abaixo uma das músicas da trilha de agosto, "segredo" (herivelto martins e marino pinto). na minissérie a versão é a clássica de dalva de oliveira lançada em 1947, mas aqui vou com uma recente de ney matogrosso, direto do show da turnê do disco beijo bandido (2009). ney já havia gravado "segredo" em outras duas ocasiões: pescador de pérolas (1987) e à flor da pele (1991).

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