segunda-feira, 22 de abril de 2013

alma do brasil, instantâneos

décio galina me chama, eu vou. nessa segunda colaboração para a audi magazine a pauta era pedir para cinco renomados fotógrafos brasileiros escolherem uma foto que julgavam sintetizar o brasil. cinco fotografias, cinco regiões, um só país. e aí rolar uma conversa sobre a tal região e a foto, brasilidades e coisa e tal. todas as entrevistas rolaram por telefone e só tenho agradecer a disponibilidade e a simpatia dos envolvidos (sei bem que 'dar entrevista' não é o forte da profissão), mas a conversa com o mestre bóris kossoy foi particularmente deliciosa. ah, não custa repetir que a versão aqui no esforçado é sempre ligeiramente diferente da impressa.


EM BUSCA DA ESSÊNCIA

À pedido da Audi Magazine, cinco renomados fotógrafos brasileiros escolheram registros que resumem a grande experiência que é o Brasil



“Olha a tempestade caindo sobre o Rio Tapajós... tirei essa foto em 2008 durante uma expedição de pouco mais de um mês cruzando a Transamazônica. O Tapajós é um rio belíssimo com praias de areia branquinha na época da seca (julho a novembro). Nessa região existe a deliciosa tradição do Piracaia, que é comer peixe feito na areia da praia. Imagine a cena: o sol se pondo, o rio banhado por uma luz vermelha, a areia menos quente, umas estaquinhas de madeira seca com peixe frito. É uma coisa linda de se ver (e comer). Já andei tanto na Amazônia quanto os irmãos Villas-Boas, fiz quatro livros, conheci lugares maravilhosos como o Pico da Neblina, os lagos de Mamirauá, o Cabo Orange e o Parque Nacional de Anavilhanas, então, definitivamente, a região é a minha matriz criativa. Conheço o caboclo, o caráter dele, sua educação, beleza, simplicidade e força. Ele é o guardião de uma floresta que precisa cada vez mais buscar a sustentabilidade.”



“Essa foto foi tirada em 1972 em um dos períodos mais sombrios da história brasileira. Estava em Brasília pela segunda vez dentro de um projeto no qual fui a todas as capitais do país. Fotografava o que tinha de ser fotografado, mas também fazia imagens pra mim, como esta onde olho para o poder central, para uma justiça cega que só vê o que quer, tudo sob um contexto de deformação. É uma metáfora ao pé da letra daqueles anos de chumbo, o outro lado de uma balança desequilibrada no plano social e econômico. Como sou formado em Arquitetura também existe meu interesse estético pelas formas e espaços da cidade, mas lembro que na época parecia que estava andando em uma maquete, uma assepsia total. Não se via gente, tudo parecia mais ameaçador e isolado. Hoje a cidade está mais humanizada, mais plena de histórias e dúvidas. Sou formado em Arquitetura e a questão das formas, dos espaços, sempre esteve em minha cabeça. Brasília é tudo isso, mas quando você anda pela Esplanada hoje em dia vê que essa utopia moderna feita no coração do Brasil por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa finalmente é um lugar que quer ser cidade.”


“As Serras Gaúchas não são uma coisa só como muitos pensam com aquela coisa de italianos e alemães. A cultura do pampa, por exemplo, tomou conta dessa região de cânions, que vai de Cambará do Sul até Santa Catarina por uns 250 km. Tirei essa foto do Cânion Montenegro, no município de São José dos Ausentes, em 2011 para o meu livro Brasil Invisível, que foi uma tentativa minha de mostrar a população afastada dos grandes centros. Foi em um das minhas 30 viagens para a região e nessa vez fiquei em uma ex-estância de gado que virou pousada. Tive o prazer de compartilhar o dia-a-dia com o gaúcho tomando chimarrão, comendo churrasco no fogo de chão e fazendo passeios a cavalo que saem da praia e sobem esses paredões vencendo um desnível de 1000 metros. Esses cânions profundos possuem algumas das paisagens mais lindas que já fotografei, mas faço questão de não só registrar a natureza. A cultura do local tem que estar junto.”




“Nasci no Rio de Janeiro, mas fui bem cedo para São Paulo, onde fui criado. Depois morei por 20 anos em Nova York e quando retornei fiquei me questionando quem eu era, o que era ser brasileiro, porque mesmo sem querer perdemos as referências quando moramos longe. Então, no primeiro grande trabalho autoral após a minha volta decidi ir ao Rio de Janeiro para tentar me encontrar. Usei uma câmera grande, de médio formato, porque ela muda a relação com o que você fotografa (é junto com ela e não através dela). Ela é difícil, complexa, mas também te ensina a enxergar além do retângulo. E era isso que eu queria no Rio de Janeiro, ir além. Usando filme preto & branco, mexendo com foco e desfoque, paradoxos. Afinal, o Rio é um dos lugares mais contraditórios e extraordinários do Brasil, com praia e montanha, morro e asfalto, tudo muito próximo, muito junto. Essa foto é da praia do Leblom com o Morro Dois Irmãos ao fundo, e eu fiquei esperando o sujeito passar dentro do retângulo do gol.”


“Acho que a Bahia é o único estado brasileiro onde é possível ver a cultura tradicional nas ruas. Tem as baianas com trajes típicos vendendo acarajé e vatapá, o pessoal jogando capoeira, o candomblé, gente olhando o mar como se fosse numa foto dos anos 1930, os pescadores. E é uma cultura muito forte, basta olhar o tanto de excelentes músicos, pintores e escritores baianos. Existe esse clichê de falar que baiano é preguiçoso, mas discordo. Acho que eles tem um outro ritmo, que é muito mais ditado pelas forças da natureza, principalmente as marés. Eles sabem que não adianta perder tempo, muito menos se estressar, quando é a natureza que rege todas as coisas. Falando em natureza, essa foto eu tirei na Praia do Espelho, um lugar maravilhoso perto de Trancoso. Típica praia onde se pode desfrutar o que é essencial na Bahia: céu, sol e mar, tudo sem pressa.”

Nenhum comentário: