terça-feira, 9 de abril de 2013

subir mais, subir além

agora em abril saiu minha primeira colaboração pra tam nas nuvens (escrevi um tanto bom para a antiga tam magazine). a pauta veio deles, mais precisamente de augusto olivani, e foi bacana saber que fui chamado porque eles queriam alguém que contasse bem uma história (no caso, a desse jovem piloto paulista e seu recorde de volta ao mundo). a entrevista com walter toledo aconteceu em um restaurante de rodízio perto do campo de marte, pouco depois das fotos que claus lehmann tirou para a revista, o que ajudou a criar um ambiente divertido pra história se desenrolar (e, como sempre, a versão aqui está maior que na revista, sem revisão e coisa e tal). mas então, depois que entreguei o texto, uma ótima surpresa: chamaram o bróder daniel almeida, autor do header do blog, para fazer uma ilustração para a matéria. 



NA VOLTA QUE O MUNDO DÁ

A história da jornada de Walter Toledo, o piloto paulista que entrou para o Guiness como o mais jovem a dar a volta ao mundo em um monomotor; e em menos tempo também


A pista do Campo de Marte, em São Paulo, está pegando fogo. É um sábado de verão e faz aquele tipo de calor que nem chuva ameniza. No meio desse cenário, e com uniforme de piloto, Walter Toledo ouve com atenção as indicações do fotógrafo para os retratos que ilustram essa matéria. Vai um pouco mais para a direita, um pouco para a esquerda, levanta o rosto e depois abaixa, coloca um chapéu de boiadeiro, alterna com um capacete, sobe no avião, e desce, e sobe, e fica ao lado, sempre acompanhado de óculos escuros. “É mais difícil ser fotografado que voar”, confessa entre um clique e outro. E olha que esse garoto de apenas 21 anos já foi protagonista de uma aventura aérea e tanto.

Entre julho e agosto do ano passado, Toledo deu a volta ao mundo e entrou para o Livro Guiness dos Recordes como o piloto mais jovem a fazer tal feito em menos tempo e com um monomotor. O recorde anterior, de 2007, era do jamaicano Barrington Irving, que tinha 23 anos na ocasião e fez a viagem em pouco mais de 90 dias. Toledo estava com 20 anos e completou o trajeto em 49 dias. “Se não tivessem acontecido dois problemas, a volta ao mundo poderia ter sido feita em 30 dias, mas de qualquer forma abaixou bem, né?”, explica sem falsa modéstia e com um forte sotaque do interior de São Paulo, mais precisamente de Lins, cidade a 429 km da capital.

Bastante seguro para tão pouca idade, Toledo sempre soube que iria voar. Nasceu sabendo, diz. “Meu avó foi piloto no passado, então sempre teve essa coisa de voar em casa. Só fiquei esperando ter a idade obrigatória para começar o curso teórico. Entrei com 16 anos, até um pouquinho adiantado. Em um ano, um ano e meio, a pessoa já está formada”. Durante e após a parte teórica, o jovem piloto se submeteu a horas e horas em simuladores e muitas outras de voo até conseguir sua habilitação pela Faculdade de Aviação Civil.


“Sempre convivi no meio, então desde cedo já perguntava e queria saber como as coisas funcionam. Tinha mais ou menos noção de tudo, não teve muita novidade”, mas não esconde certa frustração por seu plano inicial não ter dado certo. Também desde cedo quis voar em caças militares, só que ficou sabendo tarde demais que existia uma idade limite para entrar na Academia Preparatória de Cadetes do Ar, a porta de entrada para a Força Aérea Brasileira. Quando viu, já era. “Ficou uma sensação de vazio, mas tem que tocar a vida. Não tem caça pra voar? Vai voar em outra coisa então. Voar ainda é o mais importante”.

A essa altura, as fotos já tinham sido feitas e o jovem piloto estava com uma fome de anteontem. A decisão mais rápida era ir a um rodízio perto do Campo de Marte e lá fomos todos, incluindo os avós do piloto, Walter e Elba. Entre picanhas no alho e maminhas na manteiga, Toledo contou do momento de virada quando leu uma matéria sobre a volta ao mundo do jamaicano. Viu que era um recorde possível de ser batido, que a família era sócia de uma empresa que possuía um monomotor, e embarcou com tudo nessa aventura. “Do surgimento da ideia até o dia em que parti foram cinco meses”.

Mas antes do avião decolar, então batizado como Piper Malibu Matrix, as outras cinco pessoas envolvidas no projeto “Brasil Voando Alto” ainda precisaram ralar bastante para enfrentar alguns obstáculos: o patrocínio, o seguro e a compra de combustível na Rússia (afinal, o país tem uma legislação que não permite comercialização para aviões particulares). Todos foram resolvidos a tempo, porém no dia da partida a empresa russa responsável pelo combustível desistiu do negócio. Só que era impossível recuar com o sonho do recorde tão próximo e Toledo partiu, deixando o pessoal “de terra” cuidando dos enroscos russos.


A rota inicial foi a seguinte: saída de Goiânia rumo a Miami, local do início da contagem, com passagens pelas ilhas de Granada e Porto Rico, no Caribe; depois rumo ao Canadá pela costa leste norte-americana, Groenlândia, Escócia, Inglaterra e Alemanha. “Esse avião não tem radar meteorológico, então era só no visual e com cartas de navegação, bússola e cronômetro. Por mais que planejasse você só ia ver o tempo ruim em cima da hora. Esse foi sempre um problema, principalmente sobre o mar”. Uma das partes mais complicadas da viagem foi justamente a travessia pelo Atlântico Norte, mas nada se aproximaria do tormento que aconteceria na longa passagem pela Rússia.

Quando chegaram à Alemanha tudo estava certo com o combustível para o resto da viagem. Porém o governo russo só permitiu quatro aterrisagens e pelo planejamento, a partir do desempenho da aeronave, seriam necessárias sete. A saída foi instalar um novo tanque de combustível e isso precisou ser feito na Escócia. Este foi o primeiro atraso, só incômodo pela burocracia. O segundo foi mais sério, porque potencialmente fatal, pois um grande vazamento de óleo do avião em pleno voo obrigou uma aterrisagem forçada em Yakutsk, considerada a cidade mais fria do mundo, na Sibéria Oriental.

Enquanto o avião era consertado, Toledo foi surpreendido com o convite para falar do projeto “Brasil Voando Alto” e das relações entre países no Fórum dos Jovens do Leste da Rússia. “Como sabia que tinha muitas paradas no país fiz um curso intensivo de russo. O que não entendiam em inglês eu complementava no russo e vice-versa. Mas taí outra coisa que foi mais difícil que voar. Comecei a falar da viagem, mas eles queriam saber de outras coisas porque são muito ligados em política”, e o raciocínio do ainda faminto piloto foi interrompido pela oferta de um camarão com catupiry.


“Aí falei coisas como o Brasil e Rússia são países emergentes e que se a gente se unir acaba ganhando muito mais. Falei que eu mesmo comprava fertilizante russo pra jogar no pasto pras minhas vacas comerem e depois vender a carne de volta pra Rússia... compro nada, tava inventando [risos]. Mas falei que era esse tipo de parceria que a gente deveria fazer em muitas áreas”, e novamente ri ao lembrar-se da nova surpresa com uma fila de mais de 100 pessoas querendo seu autógrafo. “Ah, falei que não era jogador de futebol, nem dançarino, nem cantor, e que eles podiam ir embora”.

Após sair da Rússia, o monomotor atravessou o gelado Mar de Behring e entrou no Alaska, passando depois pelo Canadá e chegando aos Estados Unidos em Salt Lake City. A última surpresa da viagem aconteceu nos últimos 100 km quando Toledo foi informado que o devastador Furacão Isaac estava se aproximando de Miami. A única saída foi um voo baixo e arriscado pelo gigantesco Parque Nacional Everglades. O resto foi festa, muita festa.

“Vi muita coisa lá de cima. O Caribe é muito, muito bonito. Água clarinha, dá pra ver o chão do mar. O Alaska, a Groenlândia, o sol da meia noite na Islândia, é uma coisa de louco o tanto de coisa bonita que tem no mundo”. Ao total, o projeto “Brasil Voando Alto” percorreu 11 países, aterrissou em 36 aeroportos e consumiu 8540 litros de combustível, cruzando todos os meridianos da Terra. Sobre novos desafios ainda não sabe, mas tem certeza que serão no ar.



Nenhum comentário: