sábado, 20 de dezembro de 2025

ma ôe

dose dupla na edição de dezembro da Monet. de um lado, Taylor Swift (que acho que não colocarei aqui). do outro, um novo filme sobre Sílvio Santos. em Silvio Santos Vem Aí!, Leandro Hassum encarna o lendário comunicador durante a estranha, oportunista e mal sucedida tentativa de se candidatar à presidência (na primeira eleição democrática para o cargo desde o fim da ditadura). peguei aspas de Hassum e da co-protagonista Manu Gavassi de um material divulgado para a imprensa, mas entrevistei a diretora Cris D'Amato. o resultado tá aqui.

 
É NAMORO OU AMIZADE

Silvio Santos Vem Aí! traz Leandro Hassum como um dos maiores comunicadores brasileiros em sua tentativa de se tornar Presidente da República

Quando Silvio Santos morreu em 17 de agosto de 2024, aos 93 anos, seus milhões de fãs não puderam velá-lo. É que uma das figuras públicas mais conhecidas da história brasileira quis que sua morte fosse um momento tão íntimo da família como foi sua vida pessoal. Ele sabia também que sua voz, seu humor e seu poder de comunicação permaneceriam vivos e que assim, e somente assim, gostaria de ser lembrado. Mas não custa imaginar o que existe por trás da máscara e é justamente isso que faz Sílvio Santos Vem Aí!, protagonizado por Leandro Hassum e lançamento do mês na Claro.
 
Ninguém nunca viu o Silvio Santos entre quatro paredes na casa dele. Como era o Silvio Santos? Como ele falava com as suas filhas? Como ele falava com a sua esposa? Porque o que a gente tem é o que a gente viu gravado. Então, o Silvio, na sua intimidade, é uma incógnita, e aí ele virou uma personagem de ficção para a gente. Acho que o Silvio merece muitos filmes, muitos recortes, porque a vida dele é muito rica”, explicou a diretora Cris D’Amato.
 
Especialista em comédias de sucesso para o cinema tais como SOS – Mulheres ao Mar (1 e 2), A Sogra Perfeita (1 e 2) e Pai em Dobro, D’Amato foi apresentada ao projeto pela produtora Verônica Stumpf em 2019 e a princípio pensou em não aceitar porque achou que era pouco tempo para muita vida. Então, para desanimá-la ainda mais, apareceu um outro longa (Silvio, com Rodrigo Faro, que seria lançado em 2020, mas por causa da pandemia só foi em 2024) e uma série (O Rei da TV, com José Rubens Chachá, que teve duas temporadas em 2022 e 2023). Só que o recorte da vida de Silvio Santos escolhido pelo roteirista Paulo Cursino era bom demais para deixar passar.
 
QUEM QUER DINHEIRO?
 
O ano é 1989 e Silvio Santos já era o lendário comunicador e empresário que todos conhecemos. A voz, o deboche, o começo como radialista, os programas de auditório na TV, o Baú da Felicidade do ex-camelô, o dono de concessões de emissoras de TV (dadas pelo presidente Ernesto Geisel em meados da década de 1970, durante a ditadura militar), o programa ufanista ‘Semana do Presidente’ (um agrado ao General Figueiredo, o último presidente militar), tudo de Silvio Santos já existia em 1989.
 
Então, meio que do nada, Silvio anunciou que iria se candidatar à Presidência da República a pouco mais de duas semanas antes do primeiro turno da primeira eleição para presidente após o fim da ditadura. A história de Sílvio Santos Vem Aí! pega o personagem nesse momento. “É um recorte pouco conhecido do público, o dessa época. Os bastidores do programa, as motivações políticas, como é a família e ele na intimidade, tudo vai sendo descoberto para o espectador pela personagem da Manu Gavassi, que é uma diretora de marketing que vai assessorá-lo na campanha. E aí, nos encontros dela com ele, a gente vai descobrindo um pouco da vida do Silvio Santos”, diz D’Amato.
 
Marília, a personagem de Gavassi, funciona como o espectador que vive se equilibrando entre a desconfiança e o encantamento em relação a Silvio. “Achei muito curioso quando esse convite chegou a mim porque não tenho nenhuma relação com ele. Mas depois li o roteiro e entendi que a personagem tinha esse perfil questionador e curioso, que acho que as pessoas veem muito em mim também. Ela não estava convencida sobre o Silvio e sempre com respeito e profissionalismo ousava questionar as atitudes e intenções dele”, afirmou a atriz em material divulgado para a imprensa.
                                                   
QUER PEDIR AJUDA AOS UNIVERSITÁRIOS?
 
Já Leandro Hassum, o protagonista, tem muitas lembranças de Silvio Santos. Por exemplo, tinha 16 anos em 1989 e aquela eleição presidencial também foi sua primeira, então lembrava de todo o quiproquó da candidatura, da empolgação à frustração. Mas recordava, acima de tudo, do carisma do apresentador saltando da telinha toda santa tarde de domingo.
 
“Nunca imitei o Silvio Santos, nunca usei essa ‘arma’ para a minha comédia, porque, afinal de contas, sou ator e não imitador. Então, tentei pegar o espírito dele, o espírito da animação, o jeito do apresentador, e trazer para perto no gestual, no caminhar, na postura, a maneira de se comportar. E isso foi me trazendo o Silvio Santos, pela interpretação mesmo, o que acabou ficando, a meu ver, uma grande homenagem a ele”, confessou Hassum no release do filme.
 
É que todo mundo acha que sabe imitar o Silvio, e justamente por isso o ator resolveu fazer o caminho inverso e a partir da preparação corporal que a voz do personagem surgiu. “Quando faço um personagem fictício, posso usar minhas cartas na manga da comédia e tudo mais. Quando interpreto uma personalidade que realmente existiu, e com a proporção e o tamanho do Silvio, tenho que respeitar isso. Não dá para improvisar e fazer com que o público esqueça que estou contando a história do maior comunicador do Brasil”.
 
QUAL É A MÚSICA?
 
O comprometimento de Hassum foi tão grande que a diretora Cris D’Amato não passou um dia no set sem se impressionar. “Acho o Leandro muito próximo ao Sílvio no que diz respeito à composição da personagem. Era assustadoramente parecido, dava até nervoso”, diz rindo.
 
Para confirmar sua impressão sobre a caracterização de Hassum, D’Amato resolveu pedir então que, na hora de contratar a figuração, chamassem pessoas que participavam das caravanas que iam ao programa de Silvio Santos. O resultado foi uma torrente de emoções para todos os envolvidos. Hassum relembra que “foi muito impactante quando entrei em cena como Silvio e vi muitas pessoas chorando porque tiveram a sensação de estar vendo novamente o Silvio ali. Uma senhora chegou a me pegar pelo braço e me disse “estou te vendo aqui, estou pegando na mão do Silvio Santos”. Foi um momento de arrepiar e agora, só de falar, arrepio novamente”.
 
Por essas e outras emoções que tanto a diretora Cris D’Amato quanto o ator Leandro Hassum fazem questão de frisar que Silvio Santos Vem Aí! não é uma comédia, mesmo que ambos sejam conhecidos por terem produzido alguns dos filmes mais populares do gênero no país nos últimos anos.
 
“Isso mesmo, realmente não é uma comédia, mas existem passagens muito engraçadas. A partir do momento em que o filme chega ao domingo, que era o domingo inteiro dele, a gente vai permeando o filme com momentos divertidos com Domingo no Parque, Namoro ou Amizade, Topa Tudo Por Dinheiro, Show de Calouros, vários momentos icônicos na TV. Então tem cenas muito divertidas, mas sempre com o objetivo de contar a história. Nada de piada pela piada”, explicou Hassum. Sempre rir, mas com naturalidade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

90 músicas e 55 discos gringos de 2025

O ano musical brasileiro foi muito bom, mais uma vez, e com alguns destaques acima da média, como sempre. Mas acho quase com certeza que as músicas que mais ouvi em 2025 foram gringas, com destaque para “Drop” do Tunde Adebimpe (TV On The Radio) e “Street Light Moon” do Sons of Sevilla. Mas também rolaram bastante instrumentais como a dos australianos do Surprise Chef (“Fare Evader”), da inglesa Anoushka Shankar (“Daybreak”), dos texanos Khruangbin (“White Gloves ii”) e dos alemães Bacao Rhythm & Steel Band (“Maria También”, que também é do Khruangbin).
 
No mais, foi particularmente difícil escolher uma música só de alguns dos mais potentes discos de 2025: Lux de Rosalía, Boleros Psicodelicos 2 do Adrian Quesada, DeBÍ TiRAR MáS FOToS de Bad Bunny, Hourglass do Antibalas, Cancionera de Natalia Lafourcade e Heroina de Sevdaliza. Então, sem mais blábli, segue a playlist...
 

90 MÚSICAS GRINGAS DE 2025
 
Adrian Quesada – “No Juego” [ft. Angélica Garcia]
Aesop Rock – “Roadwork Rappin”
Aloe Blacc – “Breakthrough”
Amaarae – “S.M.O.”
Aminé – “Familiar”
Ana Tijoux – “Muévelo”
Animal Collective – “Buddies on the Blackboard”
Anoushka Shankar – “Daybreak”
Antibalas – “Solace”
Arcade Fire – “Year of the Snake”
Atmosphere – “Really”
Bacao Rhythm & Steel Band – “Maria También”
Bad Bunny – “NUEVAYoL”
BadBadNotGood – “Found a Light (Beale Street)” [ft. V.C.R]
Bishop Nehru – “Nothing to Lose”
Blood Orange – “Mind Loaded” [ft. Caroline Polachek, Lorde & Mustafa]
Blundetto – “Coteau Caché” [ft. Pupajim]
Bomba Estéreo – “La Bilirrubina”
Brother Ali – “D.R.U.M.”
Capicua – “Ao Ocaso” [ft. Toty Sa'med]
Chance the Rapper – “Tree” [ft. Lil Wayne & Smino]
Cochemea – “Omeyocan”
DakhaBrakha – “9 Nedilechok”
Danger Mouse & Black Thought – “Up” [ft. Rag'n'Bone Man]
Daniel, Me Estás Matando – “Se Equivocó”
David Byrne – “What Is The Reason For It?” [ft. Hayley Williams]
De La Soul – “Run It Back” [ft. Nas]
Dear Silas – “Still Southern Playalistic”
Dijon – “Another Baby!”
Earl Sweatshirt – “Heavy Metal aka ejecto seato!”
El Michels Affair – “Mr. Brew”
Eva B & Taimour Baig – “Black Vigo”
Flea – “A Plea”
Gorillaz – “Damascus” [ft. Omar Souleyman & Yasiin Bey]
Greentea Peng – “Stones Throw”
Hermanos Gutiérrez – “Elegantly Wasted” [ft. Leon Bridges]
Hope Tala – “Magic or Medicine”
Hot Chip & Sleaford Mods – “Cat Burglar”
Indys Blu – “Saddest Song”
Jalen Ngonda – “All About Me”
Jeff Goldblum & The Mildred Snitzer Orchestra – “The Best Is Yet To Come” [ft. Scarlett Johansson]
Jorja Smith – “The Way I Love You”
Kali Uchis – “Territorial”
Kamauu – “Anthem”
Karol G – “Latina Foreva”
Kaytranada – “Space Invader”
Khruangbin – “White Gloves ii”
Kim Gordon – “Bye Bye 25”
Kokoroko – “Da Du Dah”
La Boa – “La Maquina de Tony”
Laufey – “Snow White”
Lea Maria Fries – “Witch's Broom”
Lella Fadda – “Tarat Tarat Tat”
Lido Pimienta – “Aún Te Quiero”
Lily Allen – “Nonmonogamummy”
Little Simz – “Young”
Lizzo – “Love in Real Life”
Lous and The Yakuza – “Sad Boy's Anthem”
Lupe Fiasco – “SOS”
Mark Ronson & Raye – “Suzanne”
Mick Jenkins – “Publix”
Moonchild Sanelly – “Falling”
Natalia Lafourcade – “Luna Creciente” [ft. Hermanos Gutiérrez]
Nightmares On Wax – “Bang Bien” [ft. Yasiin Bey]
Olympia Vitalis – “Painted Smiles”
Pachyman – “Hard to Part”
Panda Bear – “Ends Meet”
RaiNao – “Sofocón”
Rapsody & Madlib – “Daddy's Girl”
Rema – “Kelebu”
Rosalía – “Berghain” [ft. Björk & Yves Tumor]
Sam Akpro – “I Can't See The Sun”
Şatellites – “Yok Yok”
Seun Kuti & Egypt 80 – “Move (Keep Moving Version)” [ft. Kamasi Washington]
Sevdaliza – “Heroina” [ft. La Joaqui]
Skiifall – “Her World” [ft. Jorja Smith]
Skunt (Lady Leshurr) – “Tobasco”
Sons of Sevilla – “Street Light Moon”
Sudan Archives – “My Type”
Surprise Chef – “Fare Evader”
The Animeros – “Ponchote de Ritmo”
The Bongolian – “Master Blaster Tendulkar”
The Diasonics – “Larks”
The Olympians – “California”
The Young Gods – “Blackwater”
Tigerbalm & Giorgio Lopez – “Nayar”
Timbaland – “Lion's Roar”
Tunde Adebimpe – “Drop”
Yamê – “Shoot”
Yukimi – “Sad Makeup”

 
55 DISCOS GRINGOS DE 2025
 
Já falei logo acima de alguns dos discaços gringos do ano – Lux de Rosalía, Boleros Psicodelicos 2 do Adrian Quesada, DeBÍ TiRAR MáS FOToS de Bad Bunny, Hourglass do Antibalas, Cancionera de Natalia Lafourcade e Heroina de Sevdaliza –, então agora quero destacar outras belezuras de outros países.
 
Tem o retorno da rapper portuguesa Capicua (Um Gelado Antes do Fim do Mundo), a bossa francesa do produtor Blundetto (Cousin Zaka Vol. 3), o jazz funk originário do Cochemea (Vol 3: Ancestros Futuros), o pop afiado da ganense-americana Amaarae (Black Star), o mergulho afrobeat do veterano Timbaland (Timbo Progression), a inquietude genial do mestre David Byrne (Who Is The Sky?), mais um fino acerto da rapper inglesa Little Simz (Lotus), as colombianices pop de Kali Uchis (Sincerely: P.S.) e Karol G (Tropicoqueta), e a novidade adubada com raízes porto-riquenhas de Pachyman (Another Place).
 
Adrian Quesada - Boleros Psicodelicos 2
Aesop Rock - Black Hole Superette
Aloe Blacc - Stand Together
Amaarae - Black Star
Aminé - 13 Months of Sunshine
Anoushka Shankar - Chapter III: We Return to Light
Anthony Joseph - Rowing Up River To Get Our Names Back
Antibalas - Hourglass
Arcade Fire - Pink Elephant
Atmosphere - Jestures
Bacao Rhythm & Steel Band - Big Crown Vaults Vol. 4
Bad Bunny - DeBÍ TiRAR MáS FOToS
Blood Orange - Essex Honey
Blundetto - Cousin Zaka Vol. 3
Bonbon Vodou - Épopée Métèque
Brother Ali - Satisfied Soul         
Ca7riel & Paco Amoroso - Papota
Capicua - Um Gelado Antes do Fim do Mundo
Chance the Rapper - Star Line
Cochemea - Vol 3: Ancestros Futuros
David Byrne - Who Is The Sky?
De La Soul - Cabin in the Sky
Dijon - Baby
Earl Sweatshirt - Live Laugh Love
El Michels Affair - 24 Hr Sports
Freddie Gibbs & The Alchemist - Alfredo 2
Jeff Goldblum & The Mildred Snitzer Orchestra - Still Blooming
Kali Uchis - Sincerely: P.S.
Karol G - Tropicoqueta
Kaytranada - Ain't No Damn Way!
Khruangbin - The Universe Smiles Upon You II
Kokoroko - Tuff Times Never Last
La Boa - La Boa Meets Tony Allen
Laufey - A Matter of Time
Lido Pimienta - La Belleza
Lily Allen - West End Girl
Little Simz - Lotus
Lizzo - My Face Hurts From Smiling
Mavis Staples - Sad and Beautiful World
Natalia Lafourcade - Cancionera
Nightmares on Wax - Echo45 Sound System
Pachyman - Another Place
Panda Bear - Sinister Grift
Rosalía - Lux
Sam Akpro - Evenfall
Sevdaliza - Heroina
Sudan Archives - The BPM
Surprise Chef - Superb
The Bongolian - Indian Summer Love
The Diasonics - Ornithology
The Young Gods - Appear Disappear
Timbaland - Timbo Progression
Tunde Adebimpe - Thee Black Boltz
Tyler, The Creator - Don’t Tap the Glass
Yukimi - For You

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

54 músicas e 36 discos brasileiros de 2025

Entra ano e sai ano – estou fazendo essas retrospectivas desde 2009 – e continuo sem saber definir como foi a música brasileira do ano que passou. Que cara ela teve? Algum gênero? Alguma região? Faço a mínima ideia e acho que isso é bom. Ah, pra não ser tão vago, tenho uma certeza, mas só posso dizer por mim mesmo: tenho ouvido música brasileira de mais lugares e de uma maior variedade de pessoas, vivências, estímulos. 

Sei também que foi muito difícil escolher uma música só do disco do Don L e do Baco Exu do Blues, bem como do Rodrigo Ogi & niLL, do Seu Pereira e Coletivo 401, do Siba e do Mateus Fazeno Rock. 

Só dois artistas emplacaram duas faixas na lista porque não eram do mesmo trampo. Alessandra Leão veio com “Onça” (do disco com Sapopemba) e “Tatuzinho” (parceria com Kiko Dinucci que Alessandra já havia gravado no discos Brinquedo de Tambor e Pedra de Sal e agora volta como arrocha em dueto com Liniker e acompanhadas por Chico Correa). E Thiago França chegou com mais instrumentais pedrada com sua Charanga e outro instrumental poderoso, mas dessa vez em parceria com o bróder Marcelo Cabral. Sem mais...

 


54 MÚSICAS BRASILEIRAS DE 2025

A Espetacular Charanga do França – “Charanga Pagodão”
Abacaxepa – “Beijo Safado” [ft. Felipe Cordeiro]
Afrocidade – “Orìkí”
Alessandra Leão & Sapopemba – “Onça” [ft. Thais Nicodemo, Tamiris Silveira & Marcelo Cabral]
Alessandra Leão & Liniker – “Tatuzinho” [ft. Chico Correa]
Arnaldo Antunes – “Pra Não Falar Mal” [ft. Ana Frango Elétrico]
Arthur de Faria & Pedro Longes – “Bela Baila”
Baco Exu do Blues – “Romance Latino” [ft. Teto]
Bárbara Eugênia – “Pare” [ft. Rafael Castro]
Carlos Dafé & Adrian Younge – “O Baile Funk Vai Rolar”
Clube do Balanço – “Pacutiquibê Iaô”
Crizin da Z.O. – “Repetição Um” [ft. Kiko Dinucci]
Daúde & Lia de Itamaracá – “As Negras”
Deize Tigrona – “Melhor Amiga” [ft. MC Tha]
DJ Caique – “Salsa Groove”
Dom Salvador, Adrian Younge & Ali Shaheed Muhammad – “Não Podermos o Amar Parar”
Don L – “Bandido”
Dona Onete – “Quatro Contas”
Drik Barbosa – “Sob Medida” [ft. Cristal & Stefanie]
Duda Beat – “Foimal” [ft. Boogarins]
Elo da Corrente & BEATDOMK – “Sem Acordo”
Emicida – “Finado Neguim Nemo?”
FBC & Coyote Beatz – “Cabana Terminal”
Felipe Antunes – “Embarcação”
Filarmônica de Pasárgada – “Ladeira da Memória” [ft. Ná Ozzetti]
Gang do Eletro – “Baladeira”
Jadsa – “Big Bang”
Johnny Hooker & Ney Matogrosso – “Viver e Morrer de Amor na América Latina”
Karnak – “Carlevindo é Boy”
Lucas Santtana & Gilberto Gil – “A História da Nossa Língua”
Luedji Luna – “Apocalipse” [ft. Seu Jorge & Arthur Verocai]
Marcelo D2 – “Tataruê”
Marietta – “Fogo Sagrado” [ft. A Pretaa]
Marina Sena – “Lua Cheia”
Mateus Fazeno Rock – “Melô do Sossego” [ft. Fernando Catatau]
Moreno Veloso & Jussara Silveira – “O Cortejo Afronta”
Pabllo Vittar & Nathy Peluso – “Fantasía”
Pai Guga – “Lua Rosa”
Parteum – “Raciocínio Inteiro”
Pélico e Ronaldo Bastos – “Infinito Blue”
Professor M.Stereo – “Picles de Manga”
Rachel Reis – “Tabuleiro” [com Don L, Nêssa & Rincon Sapiência]
Rei Lacoste – “Leão do Norte”
Rodrigo Ogi & niLL – “Abdul São”
Seu Pereira e Coletivo 401 – “Um Dia” [feat. Totonho e Os Cabra]
Siba – “Máquina de Fazer Festa”
Síntese – “Luzes”
Thiago França & Marcelo Cabral – “Angolana”
Totonho e Os Cabra – “Sulandê” [ft. Mestra Ana do Côco]
Tulipa Ruiz & Yehaiyahan – “Alongo”
Urias – “Deus” [ft. Criolo]
Wado – “Jão” [ft. Fábio Trummer]
Xamã – “Catucada na Bandida” [ft. O Kannalha]
Yago Oproprio – “Percepción”

36 DISCOS BRASILEIROS DE 2025

Como sempre, dentre os discos que mais me pegaram no ano, tem uns que me pegaram mais. O disco do cearense Don L (Caro Vapor II) é uma explosão de vitalidades, referências e assuntos; enquanto o encontro dos paulistas Rodrigo Ogi e niLL (Manual para Não Desaparecer) é rap old school com olhos no futuro e cheiros de cidade grande. Tem também muito de Bahia com novos trabalhos intensos do Baiana System (O Mundo Dá Voltas) e de Baco Exu do Blues (Hasos), a estreia poderosa e diversa de Rei Lacoste (O Que Você Ouve/O Que Houve Com Você) e a classe suprema de Luedji Luna (que após cinco anos sem gravar, lançou, na verdade, logo dois discos, Um Mar Pra Cada Um e Antes Que A Terra Acabe). 

E como é bom ouvir veteranos produzindo novas belezas. Os discos de Mateus Aleluia e Dom Salvador são grandes preciosidades. 

Vale também destacar os trabalhos do cearense Mateus Fazeno Rock, da baiana Jadsa, dos paraibanos do Seu Pereira e Coletivo 401 e de regulares da casa como Siba, A Espetacular Charanga do França e Alessandra Leão (dessa vez com Sapopemba). Bom demais ouvir as ótimas estreias solo de Pai Guga (Amplexos) e Professor M.Stereo (Tiago Munhoz, beatmaker paulistano que foi do Ascendência Mista, Contrafluxo e Mamelo Sound System). 

Por último, dois belos trabalhos do agora produtor Pupillo (ex-Nação Zumbi): o Novo Mundo de Arnaldo Antunes e Pelos Olhos do Mar, encontro lírico e ancestral de Daúde & Lia de Itamaracá. 

A Espetacular Charanga do França - Bololô
Alessandra Leão & Sapopemba - Exu Ajuô
Arnaldo Antunes - Novo Mundo
Arthur de Faria & Pedro Longes - Canciones con Drama
Baco Exu do Blues - Hasos
Baiana System - O Mundo Dá Voltas
BK' - Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer
Crizin da Z.O. - ACLR+6
Daúde & Lia de Itamaracá - Pelos Olhos do Mar
Dom Salvador - Jazz is Dead 24
Don L - Caro Vapor II: Qual a Forma de Pagamento?
Emicida – Racional Vl. 2: Mesmas Cores & Mesmos Valores
FBC - Assaltos & Batidas
Felipe Antunes - Embarcação
Filarmônica de Pasárgada - Rua Teodoro Sampaio, 1091
Gaby Amarantos - Rock Doido
Gang do Eletro - No Embalo do Tecnobrega
Jadsa - Big Buraco
Luedji Luna - Um Mar Pra Cada Um
Marcelo D2 - Manual Prático do Novo Samba, Vol. 3
Marina Sena - Coisas Naturais
Mateus Aleluia - Mateus Aleluia
Mateus Fazeno Rock - Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem
Negra Li - Silêncio Que Grita
Pai Guga - O Túmulo do Mergulhador
Papatinho - MPC (Música Popular Carioca)
Pélico & Ronaldo Bastos - A Universa Me Sorriu
Professor M.Stereo - Windows
Rachel Reis - Divina Casca
Rei Lacoste - O Que Você Ouve/O Que Houve Com Você
Rodrigo Ogi & niLL - Manual Para Não Desaparecer
Seu Pereira e Coletivo 401 - Obsoleto
Siba - Máquina de Fazer Festa
Totonho e Os Cabra - Ai Dentu: Funk de Embolada e Hip Hop do Mato
Urias - Carranca
Wado - Obstrução Samba

domingo, 23 de novembro de 2025

as 82 vidas de jards macalé

tinha acabado um trabalho e estava prestes a sair pra pegar filha na escola quando dei uma espiada no Instagram. foi então que pulou na minha cara a notícia da morte do Jards Macalé no perfil do próprio Jards. tinha acabado de ser publicada. 1 minuto atrás. lembro bem disso também. 17 de novembro de 2025, a tarde de uma segunda-feira. achei que que iria lamentar. cara foda. um dos maiores. ídolo. viveu bons 82 anos, com vários anos não bons, mas 82, então era de se esperar. ao mesmo tempo tava produzindo bastante, coisas inéditas, numa longa fase ótima. porra, mesmo assim.

só que senti mais do que esperava. chorei uma, duas, três vezes. era por ele, o romântico debochado, o sambista abolerado, o inquieto zen, um artista tão original no que criava quanto no que recriava (afinal ele 'jardsificou' Ismael Silva, Zé Keti, Noel Rosa, Tom Jobim, Geraldo Pereira, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Lupicínio Rodrigues, etc). mas chorei por mim também, provavelmente, porque a sensação foi a de perder um tio muito querido, aquele tipo de tio (ou tia) que transforma sua vida de alguma forma, mostra coisas, tem um humor mais livre. já perdi um tio assim (salve Flores!) e é uma ausência que nunca passa.

passei a noite e a manhã seguinte com esse baque, um vazio. mas também feliz de ouvir tantas histórias de tanta gente, de tanto amor e aprendizado e piada. de lembrar da vez que o entrevistei nos tempos do Gafieiras (e fotografei e escrevi o texto de abre) e vi e fotografei um show dele no pequenino e saudoso Villaggio Café, tudo no mesmo 1º de abril de 2006. e feliz de ver como ele, a música dele, o jeito, o humor, fazem parte do que sou (como Itamar Assumpção, Buster Keaton, Laerte, etc etc etc). oras bolas, é de uma música dele o nome desse blog e um resumo de mim: meu segredo é que sou um rapaz esforçado.

tudo ok no Villaggio Café, em 2006

nos dias e noites que se seguiram desta semana, enquanto trabalhava, ouvi pela primeira vez a discografia de Jards em ordem cronológica, participações em outros discos, pra fazer a minha playlist dele, um resumão musical de 60 anos de carreira. olha só. escuta isso. que cara foda esse Jards Macalé.


acima, a playlist, e abaixo, a lista das 82 músicas pros 82 anos de vida de Jards Macalé, um dos maiores da história mundial de gentes e artistas. é tanto uma homenagem a ele quanto um registro da minha jornada pela música dele, em discos próprios, participações, tributos, ao vivos e em estúdio. mantive a ordem cronológica (só uma que não consegui info) e não estabeleci cotas por disco. o tanto que a música, a voz e o humor de Jards fizeram trilha da minha vida é uma coisa que não tá no gibi.

"Sem essa" (1969)
"Soluços" (1969)
"Farinha do desprezo" (1972)
"Vinheta Vapor Barato/Revendo amigos" (1972)
"Mal secreto" (1972)
"Movimento dos barcos" (1972)
"Meu amor me agarra e geme e treme e chora e mata" (1972)
"Rua Real Grandeza" (1974)
"Imagens" (1974)
"Anjo exterminado" (1974)
"Dona de castelo" (1974)
"Mambo da Cantareira" (1974)
"Mora na filosofia/E daí?" (1974)
"Boneca semiótica" (1974)
"Choro do Archanjo" (1976)
"Conto do pintor" (1976)
"Sim ou não" (1976)
"Black and blue" (1976)
"Contrastes" (1976)
"Pai e mãe" (1977)
"Vela no breu" (1977)
"Tio Barnabé", com Marlui Miranda (1977)
"Cabritada mal sucedida" (1981)
"Olha o Padilha" (1981)
"Chega de saudade" (1981)
"Let's Play That", com Naná Vasconcelos (1983-1994)
"Pano pra manga", com Naná Vasconcelos (1983-1994)
"Luz", com Naná Vasconcelos (1983-1994)
"Quero viver sem grilo" (?)
"Crotalus Terrificus" (1985)
"Para ver as meninas" (1987)
"Luz negra" (1987)
"Exemplo" (1987)
"Acertei no milhar" (1987)
"Cor de cinza" (1991)
"Falta um zero no meu ordenado" (1994)
"Estrupício", com Itamar Assumpção (1994)
"Laranja madura", com Itamar Assumpção (1995)
"Dindi" (1996)
"Rei de Janeiro" (1998)
"Favela" (1998)
"Cidade Lagoa" (1998)
"Mais uma luz" (1998)
"Coração do Brasil", com Monarco (1998)
"O Rei do gatilho" (2001)
"Choro esdrúxulo" (2001)
"Tira os óculos e recolhe o homem" (2001)
"Roendo as unhas" (2003)
"Positivismo" (2003)
"Berceuse Crioulle", com Maria Bethânia (2005)
"Senhor dos sábados" (2005)
"Vapor barato", com Jr. Tolstoi (2005)
"Olhos de lince", com Waly Salomão (2005)
"Pontos de luz", com As Gatas (2005)
"Ne me quitte pas" (2008)
"Ronda" (2008)
"Só assumo só" (2008)
"Juízo final", com Elton Medeiros (2011)
"Negra melodia", com Luiz Melodia (2011)
"Faisão dourado (Tendência e cor)", com Dorgas (2012)
"Cogito", com Rogério Skylab (2014)
"Volta", com Samba Noir (2015)
"Gotham City" (2015)
"Canalha" (2015)
"A saudade mata a gente", com Guinga, Moacyr Luz e Zé Renato (2016)
"Vampiro de Copacabana" (2019)
"Trevas" (2019)
"Buraco da Consolação", com Tim Bernardes (2019)
"Pacto de sangue" (2019)
"Meu amor meu cansaço" (2019)
"Tempo e contratempo" (2019)
"Peixe", com Juçara Marçal (2019)
"Ontem e hoje", com João Donato (2021)
"Síntese do lance", com João Donato (2021)
"Um abraço do João", com João Donato (2021)
"Sem samba não dá", com Criolo e Ana Frango Elétrico (2023)
"Amor inatura" (2023)
"Coração bifurcado" (2023)
"Grãos de açucar" (2023)
"A foto do amor" (2023)
"Para um novo amor chegar" (2023)
"Acender as velas", com Sergio Krakowski Trio (2024)

Jards, durante a entrevista para o Gafieiras, em 2006
[foto minha]

domingo, 9 de novembro de 2025

a morte e a morte de ângela

matéria bem especial essa que saiu na edição de novembro da Revista Monet porque tudo fica melhor quando rolam entrevistas mesmo, exclusivas. o assunto da vez foi a minissérie Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, estreia nacional do mês na HBO. pensei que seria interessante conversar tanto com as responsáveis pelo podcast Praia do Ossos quanto com gente da minissérie, afinal uma gerou a outra. Branca Vianna e Flora Thomson-DeVeaux toparam na hora, mas o pessoal do audiovisual dá um pouco mais de trabalho. originalmente queria falar com Marjorie Estiano (a protagonista) e Andrucha Waddington (o diretor), e acabou rolando Marjorie e Emílio Dantas (o antagonista).

só que em um momento crucial pareceu que as respostas de Marjorie e Emílio não chegariam a tempo. então fui obrigado rapidamente a estruturar o texto ao redor da pesquisa e das respostas de Branca e Flora. terminei o texto, fiquei satisfeito, e mandei pra edição. beleza. daí que algumas horas depois chegaram as respostas de Marjorie e Emílio e era impossível inseri-las no texto. não fariam sentido. o bróder e editor de mão cheia Luís Alberto Nogueira conseguiu mais dois páginas e as colocou como boxes. não dava para perder o material. aqui no Esforçado segue como na revista, o texto e essas duas entrevistas em separado. ficou melhor que a encomenda.

QUEM AMA NÃO MATA

A história da vida e morte de Ângela Diniz, em um crime que abalou o Brasil na década de 1970, é recontada em minissérie na HBO

“Não a mereci, porque não soube compreendê-la, não estava à altura dela. Ela deve ser lembrada com respeito. Desculpe-me, Ângela”. Essa reflexão e pedido de desculpas foi escrito por Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, na contracapa do livro Mea Culpa (2006), lançado 30 anos após ter assassinado Ângela Diniz com quatro tiros em 30 de dezembro de 1976 numa casa na Praia dos Ossos, em Búzios, Rio de Janeiro. 

O arrependimento de Doca pode até ter sido sincero, mas a realidade inescapável é que Ângela tinha apenas 32 anos, e três filhos, quando foi morta por “legítima defesa da honra” de Doca Street, que morreu em 18 de dezembro de 2020, aos 86 anos, vítima de um ataque cardíaco. Ele pode refazer sua vida. Ela, obviamente, não. E toda essa história que movimentou o país na virada dos anos 1970 para os 80, e deu força para o movimento feminista brasileiro, é recontada agora nos seis episódios da minissérie Ângela Diniz: Assassinada e Condenada.

Dirigida pelo experiente Andrucha Waddington – de Eu Tu Eles, Casa de Areia, Sob Pressão, Chacrinha: O Velho Guerreiro e Vitória –, a minissérie é uma adaptação do premiado podcast Praia dos Ossos, lançado em 2020 pela Rádio Novelo, e tem um elenco de peso encabeçado por Marjorie Estiano (Ângela), Emílio Dantas (Doca), Antônio Fagundes, Thiago Lacerda, Stepan Nercessian, Camila Márdila e Renata Gaspar.

Diferentemente do longa Ângela (2023), que optou por focar no drama do relacionamento abusivo do casal com Isis Valverde e Gabriel Braga Nunes nos papéis principais, Ângela Diniz: Assassinada e Condenada vai realmente além seguindo os passos das pesquisas profundas e muitas entrevistas feitas para o podcast. É o antes, o durante e o depois de uma tragédia anunciada, afinal de contas, nos ínfimos quatro meses de relacionamento entre Ângela e Doca ficou claro que a violência doméstica, disfarçada de paixão fulminante, era o tom predominante.

POR TRÁS DA HONRA

Uma das fundadoras da Rádio Novelo, a linguista Branca Vianna foi a idealizadora e apresentadora do podcast Praia dos Ossos. “Me lembro bem do assassinato da Ângela, do julgamento do Doca e da argumentação do advogado dele de que o crime teria sido motivado por legítima defesa da honra. Foi um caso muito noticiado e já tinha 13 anos quando aconteceu. Além disso, a minha mãe, Branca Moreira Alves, foi uma das feministas que organizaram o movimento de protesto e mobilização que ganhou o nome de ‘Quem ama não mata’”, disse. 

Então Branca Vianna, junto das outras fundadoras da Novelo, a jornalista Paula Scarpin e a tradutora e pesquisadora Flora Thomson-DeVeaux, começou a trabalhar na história de Ângela Diniz no início de 2019 e lançaram os oito episódios do podcast entre agosto e outubro de 2020. Durante todo o longo processo de entrevistas – foram cerca de 60 – e pesquisa em revistas, jornais e telejornais, o trio Novelo logo percebeu que precisariam dar conta de uma história com muitas camadas.

“Fizemos Praia do Ossos para contar como um assassino confesso acabou condenado a uma pena de apenas dois anos de prisão com sursis, saindo livre do tribunal. Como um homem mata uma mulher com quatro tiros na cara e vira herói? Também nos interessou o efeito que a justificativa oferecida pelo advogado do Doca Street teve no nascente movimento feminista da época. A noção de que o Doca teria matado a Ângela por amor prevaleceu no primeiro julgamento [1979] e em grande parte da opinião pública naquele momento. Então, as feministas se mobilizaram por este e outros feminicídios da época e conseguiram impactar a opinião pública e as autoridades a respeito do tema da violência doméstica”, afirmou Branca Vianna. 

O resultado desse movimento foi que a Promotoria recorreu da sentença e houve um segundo julgamento, em 1981, e dessa vez Doca Street foi condenado a 15 anos de prisão (cumpriu 5 até obter liberdade condicional em 1987). Foi uma vitória pontual, mas uma vitória, e o movimento feminista brasileiro só foi conseguir mudanças mais concretas em 2006 (com a promulgação da Lei Maria da Penha) e em 2023 (com o STF declarando a ilegalidade do argumento de “legítima defesa da honra”).

Doca e Ângela

POR TRÁS DO MITO

Tal qual Branca Vianna, Flora Thomson-DeVeaux também é uma personagem do podcast, tanto nas entrevistas quanto nos achados em arquivos, mas nos créditos ela é responsável pela pesquisa, coordenação de produção e tratamento de roteiro. “Terminei meu doutorado em letras lusófonas na Brown University e comecei a fazer a pesquisa do podcast no mês seguinte. Foi fascinante passar do Rio de Janeiro do Machado de Assis [Flora traduziu para o inglês Memórias Póstumas de Brás Cubas] direto para o mundo das colunas sociais dos anos 1970 no Brasil”, explicou.

E Ângela Diniz vivia nas colunas sociais desde que se casou muito jovem em Belo Horizonte, e depois vieram os três filhos, o “desquite”, os escândalos, a mudança para o Rio de Janeiro, o desejo de ser livre sem ser julgada. Enfim, tudo o que era da vida da “Pantera de Minas” – apelido criado pelo jornalista Ibrahim Sued –, era notícia. 

“Boa parte do que faz a história da Ângela relevante hoje é o papel que esse caso desempenhou ao impulsionar o movimento feminista brasileiro para as ruas, no combate à violência. Mas para além desse capítulo da história, a desumanização da Ângela, primeiro na mídia e depois no tribunal do júri, continua tristemente atual – sem falar na espiral tão conhecida de violência dentro do relacionamento com Doca que acabou culminando num feminicídio”, explicou Flora. 

Como não poderia deixar de ser, as responsáveis pelo Praia dos Ossos buscaram entender Ângela em toda sua complexidade e o crime que tirou a sua vida, e também o criminoso que o cometeu, como parte de uma estrutura maior de poder masculino sobre o corpo feminino. Branca lembra que “Ângela era retratada na imprensa como a sensual e meio porra louca, uma descrição obviamente redutora e preconceituosa. Foi muito interessante tentar entender quem ela foi, o que pensava, o que queria da vida, quem eram seus amigos, namorados e família, como ela foi criada, como era a sociedade em que ela cresceu”. 

Já Flora, mais estrangeira no lugar que no momento, confessa que foi fisgada de imediato “pelo desafio de encontrar a pessoa por trás do mito, em vida e em morte. Isso foi uma alegria e uma tristeza ao mesmo tempo, claro – é muito estranho conhecer uma pessoa na ausência dela, e por um motivo tão trágico”. Mas, por mais dolorida que seja, a história trágica de Ângela Diniz precisa ser contada sempre. Para nunca ser esquecida e, quem sabe, um dia jamais ser repetida.

ENTREVISTA MARJORIE ESTIANO (ÂNGELA DINIZ)

O quanto você já conhecia da história da Ângela Diniz antes de embarcar no projeto? Já tinha ouvido o podcast? Como esse projeto chegou até você e o que te levou a aceitá-lo?

Não conhecia a história da Ângela quando Andrucha me convidou e o podcast não tinha nem sido lançado também. Ele já tinha comprado os direitos, e ainda não tinha roteiro, mas aceitei na mesma hora. Tenho uma relação com o Andrucha de muita admiração, respeito e confiança [trabalharam juntos em Sob Pressão, tanto filme quanto série]. Ele é, para além de um artista que me inspira muito, um grande amigo. Estarei com ele sempre que chamar. Mas ao mesmo tempo, é um tema que me mobiliza muito. É uma causa que impacta a sociedade inteira, mas especialmente as mulheres e como tal, me sinto pessoalmente convocada. A necessidade de se discutir esse tema à exaustão até que mudanças realmente efetivas aconteçam é de extrema urgência. E depois de ouvir o podcast fiquei perplexa. O podcast Praia dos Ossos, do Rádio Novelo é incrível, muito rico, detalhado, requintado…a abordagem da Branca Viana é clara e complexa ao mesmo tempo, devorei a narrativa e já comecei a me planejar, planejar meu estudo e pesquisa.

Quais eram suas impressões sobre Ângela antes de encarná-la? E depois? Mudou algo após o término das filmagens?

Acho que a Ângela é uma provocação muito forte a todos nós, indivíduos e sociedade, antes e ainda. Ela como personalidade, seu assassinato, todo desdobramento jurídico e impacto na sociedade. Meu processo de estudo sofre e sofreu inevitavelmente influência da formação patriarcal que habita a todos nós, em menor ou maior grau de desconstrução. Foi um processo muito bonito de apropriação, de consciência de gênero, de investigação do papel político e social que nascer mulher determinou a mim. Esse foi dos aspectos mais difíceis e interessantes, para mim. Falar sobre um tema sem distanciamento é muito delicado. A arte não está dissociada dos valores da sociedade. Uma vez que todos nós ainda somos e vivemos em uma sociedade extremamente machista, conseguir ter clareza sobre a origem de uma escolha artística para a personagem não era possível. Assim sendo, nos restava reconhecer o contexto nebuloso de criação e tentar ao máximo compartilhar as decisões.

O que esse feminicídio tão brutal do passado pode nos ensinar sobre o momento atual?

Acho que o espelho de uma época, nem tão distante, que exibia a violência de forma tão exuberantemente explícita e relacioná-la com a atualidade é um exercício de autoanálise interessante. A cronologia da evolução e da não evolução sob a perspectiva da lei, comportamental, social, política…muito se caminhou, em especial no que diz respeito à liberdade individual da mulher, conquistas muito relevantes, porém, quando me volto para o fato por exemplo, de que minha liberdade de vestir, de transitar por espaços públicos ainda está sujeita a critérios específicos ao meu gênero, a sensação é viver em um recorte no tempo, sem perspectiva de mudança. É um tema extremamente urgente quando 4 feminicídios acontecem por dia em 2024/2025. É necessário que o tema fure a bolha do grupo e ocupe a sociedade inteira. A ponta do iceberg é a morte de uma mulher, mas pra isso acontecer tem uma série de falhas estruturais em absolutamente todos os departamentos da sociedade.

ENTREVISTA EMÍLIO DANTAS (DOCA STREET)

O quanto você já conhecia da história da Ângela e Doca antes de embarcar no projeto? Já tinha ouvido o podcast? Como esse projeto chegou até você e o que te levou a aceitá-lo? 

O nome Ângela Diniz sempre foi bastante familiar, devido à magnitude do crime e à repercussão que ele teve. No entanto, passei a conhecer melhor a história apenas depois de ouvir o podcast Praia dos Ossos. Escutei-o quando foi lançado e depois novamente para me aprofundar antes de trabalhar na série. O projeto me chegou por meio de um convite da Conspiração e, assim que entendi do que se tratava — sendo baseado nesse podcast documental, que acompanhei com muito interesse — achei interessante aceitar. Além disso, senti que era importante revisitar esse assunto, que demorou tanto tempo para ser compreendido e reconhecido desde a sua origem.

Qual maior desafio ao encarar um personagem tão controverso?

O maior desafio é saber que ele existiu de fato. Na ficção, conseguimos enxergar valores distorcidos e atitudes baseadas neles com algum distanciamento, o que dá certo conforto à mente. No entanto, ao lidar com fatos reais — sabendo das intenções e do comportamento do personagem — é muito mais difícil, porque você é constantemente lembrado de que isso aconteceu com alguém de verdade. Esse impacto foi ainda maior ao gravarmos em Búzios, próximos ao local onde tudo ocorreu. Essa proximidade tornou o processo emocionalmente mais intenso.

O que esse feminicídio tão brutal do passado pode nos ensinar sobre o momento atual?

Infelizmente, é a nossa atualidade que nos ensina sobre feminicídio, porque os índices de ocorrência continuam altíssimos, com uma brutalidade crescente, e os criminosos frequentemente pagam pouco ou quase nada pelos atos cometidos. É justamente por esse cenário que considero essencial trazer à tona a história de Ângela. Nesse caso, todos esses elementos ficam muito claros: Ângela era uma mulher que defendia sua liberdade, suas escolhas, sua ética, sua integridade e seus direitos. Em contrapartida, Doca Street estava completamente equivocado em suas certezas, seu moralismo e sua compreensão de relacionamentos humanos. Mais problemático ainda foi o judiciário, que aceitou o argumento da “legítima defesa da honra” — um absurdo que perdurou por mais de 30 anos nos tribunais — além da maneira midiática como o julgamento ocorreu. Esse caso, por ser quase inacreditável, oferece um material importante para que o público compreenda o que significa feminicídio no Brasil e como a sociedade e a cultura lidam com tais crimes.

Como você definiria Doca Street? E o seu Doca Street?

Penso sempre que Doca foi um homem que não entendeu nada, completamente equivocado, incapaz de compreender empatia, afeto, humanidade, amor e respeito. Ele morreu dizendo que amava Ângela Diniz, mas, paradoxalmente, cometeu um crime contra ela — algo absurdo e difícil de acreditar. Ele não questionou valores básicos e importantes e, portanto, agiu de forma equivocada. Mesmo após cumprir a quase insignificante sentença que recebeu, ele não parece ter aceitado o julgamento da sociedade em relação ao que fez. Em resumo, foi uma pessoa completamente fora da realidade, errada e, de certa forma, tosco.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

this is absolute scorsese

como disse no post anterior, a edição de outubro da Revista Monet veio com dois textos meus: o sobre o recém-falecido Ozzy Osbourne e este sobre o muito vivo e ativo Martin Scorsese (e que foi a capa da edição). a deixa foi a estreia na Apple TV+ do documentário em cinco partes intitulado Mr. Scorsese, dirigido por Rebecca Miller.

em dezembro de 2023 escrevi, também para a Monet, sobre o filme mais recente do mestre, Assassinos da Lua das Flores.

Martin Scorsese, Rebecca Miller e Daniel Day-Lewis

O HOMEM-CINEMA
 
Documentário em cinco partes, estreia do mês na Apple TV+, disseca a vida e a carreira de Martin Scorsese, um dos maiores cineastas da história
 
Prestes a completar 83 anos, Martin Scorsese continua frenético e apaixonado. E muito atento, sempre, ao passado, ao cinema, ao presente e, acima de tudo, à própria mortalidade. Talvez por isso esteja trabalhando como nunca, correndo atrás de muitas coisas ao mesmo tempo. Nos últimos dez anos, por exemplo, Scorsese dirigiu três longas épicos (Silêncio, O Irlandês e Assassinos da Lua das Flores), produziu uma série de TV (Vinyl), contou uma história de Bob Dylan (Rolling Thunder Revue), declarou seu amor à Nova York (Pretend It’s a City), narrou mais uma vez seu amor por artistas que o influenciaram (Made in England: The Films of Powell and Pressburger) e se divertiu atuando como si mesmo (na série The Studio). E até arrumou tempo para abrir seus arquivos para a série documental O Lendário Martin Scorsese, estreia do mês na Apple TV+.
 
Dirigida por Rebecca Miller, a série em cinco partes é um mergulho na vida e obra de um dos maiores cineastas do mundo, com direito a muitas cenas nunca antes vistas de bastidores de seus filmes e entrevistas inéditas com amigos e colaboradores como Robert De Niro, Leonardo DiCaprio, Mick Jagger, Daniel Day-Lewis (marido de Miller), Thelma Schoonmaker, Steven Spielberg, Sharon Stone, Jodie Foster, Paul Schrader, Margot Robbie e Cate Blanchett.
 
“Sou muito grata por ter tido a liberdade artística e o acesso para criar um retrato cinematográfico de um dos nossos maiores artistas vivos. Sua obra e vida são tão vastas e tão envolventes que a obra evoluiu de um longa para uma série em cinco partes ao longo de um período de cinco anos; e elaborar este documentário junto com meus colaboradores de longa data foi uma das experiências mais marcantes da minha vida como cineasta”, afirmou a diretora no release oficial de O Lendário Martin Scorsese.

 

UMA JORNADA PESSOAL
 
O bem e o mal, escolhas, lealdade, culpa, espiritualidade, violência, ambiguidades, pecados, moralidade, redenção, tem de tudo na carreira de Martin Scorsese. Desde o início, nos filmes universitários que fez em meados dos anos 1960, até o presente momento, o diretor assinou 26 longas de ficção, 16 documentários, e mais curtas, comerciais, trabalhos como ator, videoclipes, produções executivas, restauração de filmes antigos e sem dar sinais de parar ou desacelerar.
 
O último filme que lançou, o premiadíssimo Assassinos da Lua das Flores, já tem dois anos de existência, e Scorsese ainda não começou a produção de nenhum novo. É que o diretor precisa ter um projeto com roteiro mais desenvolvido e a certeza de quem pagará por sua realização, e essa conjunção de astros às vezes demora para se alinhar.
 
Então agora, agorinha, não é possível cravar qual será o novo longa de Scorsese: pode ser sobre a banda de rock Grateful Dead, ou um novo filme sobre Jesus (baseado em livro de Shusaku Endo, o mesmo autor que Scorsese adaptou em Silêncio), ou a história de um serial killer no século 19 (The Devil in the White City), ou uma cinebiografia de Frank Sinatra (The Old Blue Eyes), ou sobre a chegada da máfia siciliana em Nova Orleans (Midnight Vendetta), ou um drama policial ambientado no Havaí dos anos 1960/70 com DiCaprio, Dwayne Johnson e Emily Blunt, ou ainda outra parceria com DiCaprio, o drama de época Home (baseado em livro de Marilynne Robinson). Em todos, o cineasta enxerga um fio comum.
 
“Procuro sempre descobrir quem somos como seres humanos, como organismo, e do que são feitos os nossos corações. É isso que acho que estou procurando. Em outras palavras: continuo uma pessoa curiosa”, afirmou Scorsese em entrevista para o jornal inglês The Guardian em 2024. Um ano antes, mais prático, o diretor disse à revista GQ que “estou na idade em que você simplesmente... você vai morrer, não tem jeito. Isso não significa que você não aceite conselhos, nem discuta e argumente, mas chega um ponto em que você sabe o que quer fazer. E você não tem escolha”.

 
“VOCÊ ESTÁ FALANDO COMIGO?”
 
Mas Scorsese sempre soube o que quis fazer, mesmo quando não estava em seus melhores momentos. Foi assim com seus curtas universitários, com sua estreia em longas (o realista Quem Bate à Minha Porta?, 1967) e com seu encontro com o lendário Roger Corman (que o ensinou a dirigir com rapidez e poucos recursos, e assim nasceu Sexy e Marginal, 1972).
 
Seguro no ofício e estimulado pelo amigo John Cassavetes, o diretor resolveu dar um passo além em seu terceiro filme e decidiu falar sobre um mundo que sempre lhe foi familiar, o da máfia da Little Italy de Nova York. Caminhos Perigosos (1973) foi tanto um sucesso de crítica que colocou o nome de Scorsese no novo panteão do cinema norte-americano ao lado de Francis Ford Coppola, Brian De Palma, George Lucas e Steven Spielberg, e ainda por cima marcou a primeira colaboração com o ator Robert De Niro.
 
Sem planos a seguir aceitou o convite da atriz Ellen Burstyn para dirigi-la no drama romântico Alice Não Vive Mais Aqui (1974), que continua uma raridade em sua filmografia por ter uma protagonista mulher, mas rendeu um Oscar a Burstyn.
 
Então veio o encontro, via De Palma, com o roteirista (e futuro diretor) Paul Schrader que tinha acabado de escrever a história de um ex-combatente no Vietnã perdido nas impurezas de Nova York. Scorsese viu os demônios internos do escritor russo Fyodor Dostoiesvski na trajetória do atormentado Travis Bickle (Robert De Niro) e pegou Taxi Driver (1976) para si. O filme ganhou Palma de Ouro em Cannes e se tornou, rapidamente, um marco para o cinema. Scorsese estava com tudo e, pela primeira vez, viu seu mundo ruir.
 
Um dos motivos foi o fracasso de bilheteria de seu único musical, o estilizadíssimo New York , New York (1977), estrelado por Liza Minneli e Robert De Niro. Outro foi o estilo de vida recheado de álcool e cocaína que mergulhou junto com o amigo músico Robbie Robertson durante as filmagens do documentário O Último Concerto de Rock (1978). De Niro quem o resgatou do fosso ao sugerir a história de um pouco conhecido boxeador chamado Jake LaMotta. Touro Indomável (1980) tornou-se mais um clássico instantâneo de sua filmografia.
 
Os anos 1980 foram uma montanha russa de emoções para Scorsese, com direito a O Rei da Comédia (1982), com De Niro e Jerry Lewis, uma sátira pouco compreendida em seu lançamento, mas muito cultuada nos últimos anos; a comédia neurótica Depois de Horas (1985); um tradicional drama de bilhar A Cor do Dinheiro (1986), com Paul Newman e Tom Cruise; e o épico espiritual A Última Tentação de Cristo (1988), um filme muito caro às raízes católicas de sua formação.
 
“A beleza do conceito de Nikos Kazantzakis [autor do livro] é que Jesus tem que suportar tudo o que passamos, todas as dúvidas, medos e raiva. Ele me fez sentir como se estivesse pecando - mas ele não está pecando, ele é apenas humano. E também divino. E ele tem que lidar com toda essa culpa na cruz. Foi assim que o direcionei, e era isso que queria, porque meus próprios sentimentos religiosos são os mesmos. Penso muito sobre isso, questiono muito, duvido muito, e depois tenho uma sensação boa. E depois muito mais questionamentos, reflexões e dúvidas”, afirmou Scorsese em entrevista para a revista Film Comment na época do lançamento de A Última Tentação de Cristo.
 

“EU SEMPRE QUIS SER UM GANGSTER”
 
Vieram os anos 1990 e o cineasta começou a década com mais um clássico instantâneo, Os Bons Companheiros (1990), um violento e pulsante filme de mafiosos estrelado por De Niro, Joe Pesci e Ray Liotta. Com essa mesma energia dirigiu o eletrizante Cabo do Medo (1991), o suntuoso drama de época A Idade da Inocência (1993) e mais um filme de mafiosos, Cassino (1995). A década do cineasta encerrou com dois filmes muito espirituais, e muito diferentes entre si, o budista Kundun (1997) e o urbano Vivendo no Limite (1999).
 
Mas mesmo um diretor estabelecido como Scorsese, com alguns clássicos nas costas, sentiu novos baques nos anos 2000 para conseguir fazer seus filmes. O estupendo Gangues de Nova York (2002), o primeiro filme seu com Leonardo DiCaprio e o segundo com Daniel Day Lewis, foi palco de muitas brigas com o produtor Harvey Weinstein, o que acabou prejudicando sua divulgação. Em O Aviador (2004), o estúdio Warner cortou o orçamento na fase de edição e Scorsese precisou tirar dinheiro do próprio bolso para finalizá-lo. A mesma Warner pressionou o diretor para que pelo menos um dos protagonistas de Os Infiltrados (2006) não morresse para que pudessem dar início a uma franquia, e os executivos ficaram visivelmente tristes quando as primeiras exibições-teste aprovaram a visão do diretor (que, finalmente, ganhou seu primeiro e único Oscar de Melhor Direção).
 
Calejado por décadas de brigas com Hollywood, Scorsese seguiu os anos 2010 sem se abalar. Novamente chamou DiCaprio para protagonizar o thriller A Ilha do Medo (2010), depois fez uma bela homenagem aos primórdios do cinema em A Invenção de Hugo Cabret (2011) e mostrou mais uma vez sua eterna energia em O Lobo de Wall Street (2013). Então, aos 70 anos, meteu o pé no acelerador e na última década produziu sem parar como se pode ver no início do texto.
 
Em conversa com o historiador Richard Schickel, Scorsese confessou que “as pessoas dizem: você se leva muito a sério. Mas essa é a realidade. Estou empacado comigo, então é melhor dar ouvidos a mim mesmo e lidar com isso”. Afinal de contas, o tempo não para e nem Scorsese.

no more tears, mama

na edição de outubro da Monet rolaram mais dois textos, um sobre Martin Scorsese e esse aqui sobre Ozzy Osbourne. quem me conhece sabe que não sou do rock, muito menos do metal, então meu conhecimento sobre Ozzy & Black Sabbath era bem superficial. foi interessante pesquisar sobre o cara, os caras, e (re)ouvir alguns clássicos do grupo que são realmente muito bons ("Paranoid" e "War Pigs", por exemplo).

O PRÍNCIPE LOUCO DAS TREVAS DO ROCK

Documentário inédito No Escape From Now, disponível no Paramount+, reconta a vida de Ozzy Osbourne, um dos maiores ídolos do rock e do heavy metal mundial

Mais de 5 milhões pessoas do mundo todo assistiram a transmissão do último show da banda de heavy metal inglesa Black Sabbath. Foi um sábado, 5 de julho de 2025, em Birmingham, muito próximo ao local de origem do grupo, em 1968. Estavam todos os quatro lá, a formação original: o guitarrista Tony Iommi, o baixista Geezer Butler, o baterista Bill Ward e, claro, o vocalista Ozzy Osbourne. É fato que Ozzy, muito debilitado pelo Parkinson, fez toda sua apresentação sentado em um grande trono preto, mas mesmo assim teve força o bastante para arrepiar todos os 45 mil presentes no estádio. Dezessete dias depois, Ozzy morreu aos 76 anos. 

Ninguém faz ideia de como ele conseguiu viver tanto, afinal de contas foram muitos anos com muitas drogas, além de inúmeros problemas de saúde nas últimas duas décadas. Em 2019, Zakk Wylde, guitarrista e parceiro de longa data, deu uma dica para tamanha longevidade: “ele tem uma espécie de energia, de força, que é maior que King Kong e Godzilla juntos... sério mesmo! Ele é durão!”.

A dureza/resiliência de Ozzy, nascido John Michael Osbourne em 3 de dezembro de 1948, certamente veio de berço. Pai e mãe trabalhavam em fábricas na cidade de Birmingham, a segunda maior da Inglaterra, e tiveram seis filhos, sendo que Ozzy foi o quarto, e o primeiro menino da família (Ozzy foi apelido que ganhou ainda criança). Os oito Osbournes moravam apertados em uma pequena casa de dois quartos e o dia a dia era repleto de dificuldades e obstáculos. 

Na escola, Ozzy descobriu que era disléxico e que as pessoas não entendiam seu jeito de falar. Descobriu também a violência quando, aos 11 anos, foi assediado sexualmente por valentões da escola. Pensou em suicídio. Mas, aos 14, ouviu “She Loves You” dos Beatles e sua vida mudou, então quis ser músico e teve a mais cristalina certeza que seria um rockstar. “Aquela música me fez virar de cabeça para baixo. Meu filho sempre me pergunta: ‘Como foi quando os Beatles aconteceram?’. Tudo o que posso dizer a ele é: ‘Imagine ir dormir em um mundo e depois acordar em outro tão diferente e emocionante que te faz sentir feliz por estar vivo’”, disse em entrevista para o New Musical Express em 2016. 

Só que antes da música acontecer, Ozzy precisou trilhar um caminho incerto: aos 15, largou a escola, e nos anos seguintes trabalhou na construção civil, em fábrica automotiva, em um matadouro, e foi aprendiz de encanador, entre outros trabalhos de curta duração. Aos 17, foi preso roubando uma loja de roupas e passou seis semanas preso porque seu pai não pagou a fiança para que ele “aprendesse uma lição”. 

O que aprendeu foi que precisava continuar procurando a música e, aos 19, viu um anúncio no jornal do bairro: estavam procurando um vocalista que estivesse disposto a trazer algo novo e excitante para o rock. Ozzy se identificou e foi assim que conheceu Geezer Butler e pouco depois Tony Iommi e Bill Ward. 

Então, entre o fim de 1967 e o início de 1968, mais um quarteto de rock se formou na Inglaterra. E o nome? Pensaram em ‘Earth’, uma coisa meio hippie, mas já existia uma banda chamada assim, então alguém lembrou de um filme italiano de horror chamado Black Sabbath (1963), dirigido pelo cultuado Mario Bava. A partir daí um certo tom sombrio e pesado foi adotado, tanto nas apresentações quanto nas músicas. 

Corta para o ano de 1970, quando o Black Sabbath lançou seu disco de estreia (Black Sabbath) e já engatou um segundo (Paranoid), consolidando rapidamente uma sonoridade própria e muito sucesso ao embalo de porradas como “War Pigs”, “Iron Man” e as faixas-titulo. Ozzy, frenético e carismático, deu rosto e voz ao que depois seria chamado de heavy metal. Nascia ali, “O Príncipe das Trevas”. Sob o apelido, Ozzy disse em uma entrevista de 2013, que “é só um nome. Não acordei uma manhã e pensei: ‘Sabe de uma coisa, vou me chamar de...’. Começou como uma brincadeira, e estou tranquilo com isso, sabe? É melhor do que ser chamado de babaca”. 

Durante os anos 1970, Ozzy seguiu com o Black Sabbath por mais seis discos, com maior (Master of Reality, Vol. 4 e Sabbath Bloody Sabbath) ou menor sucesso (Sabotage, Technical Ecstasy e Never Say Die!), e muitos shows, muita estrada e brigas em hotel. Sem falar nas doses cavalares de álcool e cocaína. Em 1978, na gravação de Never Say Die!, as relações pessoais e artísticas dentro do grupo haviam se deteriorado a um ponto sem volta. “A gente vivia muito drogado o tempo todo. Íamos para o estúdio e ninguém conseguia acertar uma música, todo mundo tocando uma coisa diferente, porque estávamos muito chapados; então a gente tinha que parar”, relembrou Tommy Iommi em entrevista nos anos 2000. Todo mundo fazia tudo, mas foi Ozzy quem foi mandando embora em 1979 (por, oficialmente, não ser confiável e ter muitas questões com drogas). 

Nos anos 1980, no início de sua bem sucedida carreira solo, Ozzy Osbourne aperfeiçoou e exacerbou a persona que criara no Black Sabbath: o louco, o roqueiro satanista, o polêmico, o que urina em monumento histórico, e morde morcego no palco e pombo em encontro com executivo de gravadora. Nessa segunda fase da sua vida artística, que vai até meados dos anos 1990, vieram também discos aclamados como Diary of a Madman, Bark at the Moon e No More Tears. 

A terceira fase da vida de Ozzy vai de meados dos anos 1990 até sua morte em 22 de julho de 2025 e tem menos relação com música e mais com sua persona midiática. Tudo começou com o Ozzfest, um festival de música criado em 1996 por Sharon Osbourne, sua segunda mulher e mãe de três dos seus seis filhos, e que durou até 2010. A iniciativa foi baita sucesso comercial e deu uma nova visibilidade ao roqueiro que acabou o levando, junto com parte da família, para um reality show pioneiro lançado pela MTV, The Osbournes (2002-05). Na mesma época do reality, Ozzy descobriu que os tremores que sentia não tinham relação com o tanto de drogas que usou e sim com a doença de Parkinson. 

E seguiu trabalhando, produzindo e vivendo, com direito a reencontros com o Black Sabbath, novos discos, outros realities, muitos shows, o olhar louco de sempre, o humor afiado. Em quase 60 anos de carreira, Ozzy Osbourne vendeu mais de 100 milhões de discos, somando os que fez com o Black Sabbath e os da carreira solo, e fez o que queria do jeito que queria, para o bem e para o mal. Mas tinha uma coisinha que o incomodava. 

Em uma entrevista para a revista Spin em 2023, confessou que “nunca me senti confortável com esse título que me deram – ‘metal’. Porque toco pesado, mas as bandas que são [consideradas metal] são realmente pesadas, e todos nós somos colocados na mesma categoria. Quando você é rotulado em um determinado [gênero], pode ser muito difícil fazer algo um pouco mais leve, uma faixa acústica ou qualquer coisa que você queira fazer. Antigamente, era só rock. Ainda é só rock”.