fazia tempo que não postava nenhum texto então fui ao baú, mais especificamente ao das minhas colaborações para a editora spring, e catei esse sobre a cantora alzira espíndola (ou alzira e), que foi publicado, junto com o perfil do saudoso otto stupakoff, em dezembro de 2007 na tam magazine (última edição dessa revista na casa).
sou fã de alzira, de sua voz diferente, de seu jeito tímido, de sua amizade intensa com itamar assumpção (foi nos fundos de sua casa de pinheiros que entrevistei, em 1998, o nego dito; entrevista publicada originalmente na revista a nível D e depois no gafieiras). poucos artistas brasileiros possuem discos tão belos e autorais quanto amme (baratos afins, 1992), peçamme (baratos afins, 1996), ninguém pode calar (dabliú, 2000), paralelas (duncan discos, 2005) e alzira e (duncan discos, 2007). e olha que ela só tem mais outros dois solo! bem, de lá pra cá, além de shows e projetos, alzira só lançou um compacto com a canção "chega disso", outra parceria com o poeta arrudA, mas que tinha sido lançada anteriormente pela amiga zélia duncan (dá pra ouvir no myspace). enfim, não deixe de conhecer alzira espíndola. ouça e ame.
DE INTIMIDADE SE FAZ MÚSICA
Ser independente não é das coisas mais fáceis na vida, principalmente no Brasil. Muita bateção de cabeça, portas fechadas, grana curta e todo um calvário de problemas grandes, médios e pequenos. Existem compensações, claro, e a liberdade é uma delas. Perto de completar 50 anos, a cantora e compositora Alzira Espíndola sabe dos caminhos que chegam e dos que se afastam; e agora comemora uma outra fase de sua independência fortalecida por uma nova geração de ouvintes e pela rapidez de comunicação proporcionada pela internet. Mas não é porque Alzira Espíndola agora assina Alzira E (“além de abreviar o Espíndola confirma que nunca estou só”, e dá uma risadinha) que seu principal motor criativo mudou de foco. Afinal, é da intimidade com amigos como Itamar Assumpção, arrudA, Alice Ruiz e Zélia Duncan, com a cidade de São Paulo e com as raízes sulmatogrossenses que nasceu e nasce sua música.
“Não sei cantar sem viver. Ter certeza disso me deu uma nova segurança. Não me sinto perdida na minha carreira e nem com as minhas músicas. Quer dizer, nunca toquei no rádio, nunca fui à Globo, não tenho gravadora, mas estou feliz, cara! Não adianta ter tudo isso e não ter o que tenho. Eu me achei. A lição é essa”. Descobrir isto levou tempo e essa história começa em Campo Grande (MS) com a pequena Alzira fazendo vocais e tocando violão junto com os irmãos Geraldo e Celito e a irmã Tetê Espíndola em shows caseiros e no circo que de vez em quando apeava em frente de casa. Alzira, a mais nova, era a mascote da família musical e foi chamada pelos irmãos para formar o Luz Azul.
O grupo durou pouco porque as irmãs decidiram sair de casa, ambas para São Paulo, mas por razões diferentes. Tetê veio em busca de horizontes para o seu trabalho, mas Alzira veio mesmo para ter um bebê e formar família. Tetê saiu na frente e através de um novo amigo, o compositor Arrigo Barnabé, conseguiu um contato para gravar seu primeiro LP. Nasceu assim, em 1978, o disco Tetê & O Lírio Selvagem, sendo que os tais lírios eram os irmãos Sérgio, Celito e Alzira. “Só fui cantar, ter coragem de cantar sozinha em público, aos 21 porque achava que não era cantora. Só fazia uns vocalzinhos. Mas na verdade fazia as vozes mais difíceis, as quartas. Então fui desenvolvendo um vocal diferente e me aperfeiçoando nesse negócio. Fui onde tinha uma beirinha pra mim”. O Lírio Selvagem também não durou, mas desde então os Espíndola mantém uma saudável combinação: eventualmente participam uns dos trabalhos dos outros, mas cada um mantém sua carreira.
Entre o final da década de 1970 e o início dos anos 80, Alzira conheceu toda a turma da Vanguarda Paulistana, mas ainda tímida optou por se dedicar à família e logo vieram outras três crianças no auto-exílio em Ubatuba (SP). O violão nunca lhe deixou, muito menos os amigos e as parcerias, só que tudo tem seu tempo e Alzira voltou de vez a São Paulo, em 1987, para dar início a sua carreira solo. “Eu me identifiquei mais com o pessoal de São Paulo porque nunca consegui compor essas músicas regionais como fazem até hoje Almir Sater, Paulo Simões e até a própria Tetê; trabalhos que exaltam a natureza, os animais. Sempre quis fazer uma coisa mais urbana”. Para seguir em frente, no entanto, Alzira sentiu a necessidade de fazer de sua estréia discográfica um acerto de contas com o seu passado de toadas, guarânias e outras bossas do Centro-Oeste. Feito o disco, estava livre para ser o que bem quisesse.
Seu grande mentor nestes novos tempos de liberdade foi, sem dúvida, o amigo Itamar Assumpção que depois de muita insistência (por parte dela) se tornou seu diretor musical e principal parceiro, além de amigo até debaixo d’água durante boa parte da década de 1990. “[Foi uma relação] intensa e complexa, mas com muito amor. A gente teve muito amor para segurar a nossa convivência e um dos frutos disso é que as nossas filhas ficaram muito amigas [Iara Rennó e Anelis Assumpção, integrantes da banda DonaZica]. Não tem nenhum momento da minha carreira que eu não fale o nome dele”, afirmou, olhos levemente marejados, sobre o artista que deixou a todos orfão em 2003. Os outros frutos dessa amizade foram os belos discos Amme (1992) e Peçamme (1996), além de uma série de canções que já foram gravadas por artistas como Ney Matogrosso, Zélia Duncan e Carlos Navas.
A partir deste encontro com Itamar, Alzira se sentiu segura para encarar o que viesse pela frente, desde um disco em que interpretou composições de Maysa (Ninguém Pode Calar, 2000) até uma reunião de música e poesia com a amiga Alice Ruiz (Paralelas, 2005). Agora, vinte anos depois de sua estréia em disco, a cantora e compositora lança um novo disco, Alzira E, feito em parceria com o jovem poeta arrudA, autor do blog Saudade do Papel. “Tudo o que o Arruda escreveu é como se também fizesse parte de mim. Tem que rolar essa história íntima. Não sou um artista que tenha técnica e por isso entro em um trabalho sem saber pra onde vou, mas sempre parto da minha vida cotidiana. Vivi as músicas regionais pantaneiras, vivi Maysa, vivi Itamar Assumpção, vivi Alice Ruiz e agora o arrudA. Tá bem claro que pra mim é assim. Ah, e outra coisa que é bom falar, não acho que o pop não possa ter poesia”. Independente, popular, mãe, urbana, compositora, autoral, pantaneira e internauta (“É o fim das barreiras que rotulavam artistas como marginais ou malditos”), tanto faz. Alzira E não está sozinha.
e aqui, o video da música "existem coisas na vida" (alzira e itamar). música originalmente gravada por ney matogrosso no disco inclassificáveis (emi, 2008).
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