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COMPAIXÃO & BELEZA
“De tanto uso e abuso, as palavras no Brasil perdem rapidamente seu valor inicial. Todo mundo é ilustre, grande, o maior, formidável, extraordinário, internacional, fora de série, numa total confusão de valores, pesos e medidas. Que fazer então quando essas palavras se impõem para definir o trabalho de um artista? Usá-las, sem dúvida, esclarecendo antes, porém, que elas refletem uma realidade criadora. Não são apenas levianas provas de elogio fácil como tantas vezes acontece. No caso de Otto Stupakoff e de sua realização artística, a explicação fácil é desnecessária, pois diante do resultado que obtém com a câmera, posta diante do mundo para captá-lo e fazê-lo permanecer, ninguém pode duvidar que estamos enfrentando um artista extraordinário cujo sucesso internacional é motivo de orgulho para todos que no Brasil lutamos por nossa afirmação cultural”. Jorge Amado escreveu estas linhas, no dia 6 de outubro de 1980, em carta endereçada ao amigo e fotógrafo Otto Stupakoff. Este Brasil retratado pelo escritor baiano, infelizmente, não mudou, mas a arte de Otto segue digna destes e outros elogios.
De volta ao Brasil há cerca de dois anos após décadas morando em lugares como Paris, Nova York, Miami e Bangkok, Otto recebeu a reportagem da TAM Magazine no flat que mora em São Paulo, cidade que o viu nascer 72 anos atrás. “Vamos tomar um café na padaria e depois a gente volta, porque estou com aqueles últimos estertores da fome que normalmente surgem pouco antes da morte”, e soltou uma risadinha matreira. No caminho do flat até a padaria, Otto cumprimentou todos que cruzaram seu caminho, do porteiro à atendente da padaria, e todos responderam de volta, íntimos. “Vamos ficar perto de mulher bonita”, e dá-lhe outro sorriso malandro. O pedido é o de sempre: croissant simples, suco de melancia, café com leite e dois ovos fritos com gema mole.
“Estou interessado em desenvolver um trabalho sobre a mulher brasileira. Adoro as mulheres. As nossas revistas se preocupam em procurar mulheres que mais pareçam com as de fora e a nossa é desprezada. Olha, nunca fotografei modelos, e sim, mulheres. Modelo é cabide. Foi graças a isso que encontrei meu caminho no exterior. Quando se tratava de ver as coisas de uma maneira humana eles me chamavam”. Foi assim, acompanhado de um humanismo severo e avesso a deslumbres, que Otto Stupakoff se tornou o primeiro fotógrafo brasileiro a ser conhecido e disputado no exterior a partir da década de 1960.
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Voltamos ao discreto quarto e sala que o fotógrafo divide com tintas, pincéis, arquivos de negativos e fotos em papel (o seu grande arquivo foi recentemente doado ao Instituto Moreira Salles), o notebook com seu recente trabalho digital e um pequeno aquário com peixes dourados e objetos flutuantes feitos por ele mesmo. Aliás, o digital é melhor ou pior? “Não gosto de discutir técnica, portanto a minha resposta é a seguinte: a câmera, o filme, o chip, tudo isso não tem significado nenhum, porque as câmeras são todas iguais; elas simplesmente registram o teu sentimento. E você não fotografa com a câmera e sim com tua mente e o coração”. Enquanto esteve em terras estrangeiras, onde criou seis filhos de dois casamentos, a mente e o coração de Otto trabalharam como nunca.
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“Tenho consciência da minha responsabilidade social para com a humanidade e quando digo que a meta final da minha produção é a compaixão, as pessoas ficam surpresas. Mas toda arte é comunicação e isto implica em um aprendizado sobre o ser humano. Por isso sou fotógrafo e tenho imenso prazer em comunicar aquilo que sei. Levei muitos anos para chegar onde cheguei, e não foi batendo chapas, e sim aprendendo com as pessoas. E isto é coisa que não acaba”. O dia chegou ao fim e a noite vem comendo pelas beiradas. Otto acompanha o repórter até o carro e se despede com um abraço caloroso. E agora? “Vou aqui perto comprar a comida dos peixes”. Otto Stupakoff está de volta e o Brasil ainda tem muito o que aprender.
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