escrevi regularmente na tam magazine entre os anos de 2004 e 2007. época de tatiana engelbrecht como editora-chefe. ela, que continua firme e forte lá na editora spring, sempre confiou e me deu muita liberdade nos textos. foi um tempo em que pude apurar o estilo, geralmente em perfis, e conheci pessoas sensacionais. elas certamente aparecerão por aqui, mas começo pelo fim. em dezembro de 2007, na última edição da tam magazine pela spring, emplaquei duas pautas. uma sobre a cantora e compositora alzira espíndola e outra sobre o fotógrafo otto stupakoff. aqui vai o texto sobre o otto, fruto de algumas horas ao lado de um homem cheio de histórias, contradições, alegrias, amargura e muito, muito talento.
COMPAIXÃO & BELEZA
“De tanto uso e abuso, as palavras no Brasil perdem rapidamente seu valor inicial. Todo mundo é ilustre, grande, o maior, formidável, extraordinário, internacional, fora de série, numa total confusão de valores, pesos e medidas. Que fazer então quando essas palavras se impõem para definir o trabalho de um artista? Usá-las, sem dúvida, esclarecendo antes, porém, que elas refletem uma realidade criadora. Não são apenas levianas provas de elogio fácil como tantas vezes acontece. No caso de Otto Stupakoff e de sua realização artística, a explicação fácil é desnecessária, pois diante do resultado que obtém com a câmera, posta diante do mundo para captá-lo e fazê-lo permanecer, ninguém pode duvidar que estamos enfrentando um artista extraordinário cujo sucesso internacional é motivo de orgulho para todos que no Brasil lutamos por nossa afirmação cultural”. Jorge Amado escreveu estas linhas, no dia 6 de outubro de 1980, em carta endereçada ao amigo e fotógrafo Otto Stupakoff. Este Brasil retratado pelo escritor baiano, infelizmente, não mudou, mas a arte de Otto segue digna destes e outros elogios.
De volta ao Brasil há cerca de dois anos após décadas morando em lugares como Paris, Nova York, Miami e Bangkok, Otto recebeu a reportagem da TAM Magazine no flat que mora em São Paulo, cidade que o viu nascer 72 anos atrás. “Vamos tomar um café na padaria e depois a gente volta, porque estou com aqueles últimos estertores da fome que normalmente surgem pouco antes da morte”, e soltou uma risadinha matreira. No caminho do flat até a padaria, Otto cumprimentou todos que cruzaram seu caminho, do porteiro à atendente da padaria, e todos responderam de volta, íntimos. “Vamos ficar perto de mulher bonita”, e dá-lhe outro sorriso malandro. O pedido é o de sempre: croissant simples, suco de melancia, café com leite e dois ovos fritos com gema mole.
“Estou interessado em desenvolver um trabalho sobre a mulher brasileira. Adoro as mulheres. As nossas revistas se preocupam em procurar mulheres que mais pareçam com as de fora e a nossa é desprezada. Olha, nunca fotografei modelos, e sim, mulheres. Modelo é cabide. Foi graças a isso que encontrei meu caminho no exterior. Quando se tratava de ver as coisas de uma maneira humana eles me chamavam”. Foi assim, acompanhado de um humanismo severo e avesso a deslumbres, que Otto Stupakoff se tornou o primeiro fotógrafo brasileiro a ser conhecido e disputado no exterior a partir da década de 1960.
Antes de partir nesta jornada, o paulistano descendente de russos registrou o surgimento de Brasília e da bossa nova, fez capas para LPs de Dorival Caymmi [como esse Caymmi e o mar, de 1957] e Luiz Bonfá, e teve papel fundamental na criação de imagens modernas para os recém-nascidos mercados de publicidade e moda no Brasil durante a segunda metade da década de 1950. Mas Otto queria mais. “Admiro muito o culto a beleza na tradição oriental. O segredo do sucesso japonês, por exemplo, é o respeito e a apreciação da beleza. Isso está no japonês desde que nasce. Eu, no momento, estou sofrendo muito de abstinência de beleza porque no Brasil existe um descaso muito grande. Você acha que um japonês veria uma calçada esburacada como essa e diria que é problema da Prefeitura? O brasileiro nunca assume responsabilidade. A culpa é sempre do outro”.
Voltamos ao discreto quarto e sala que o fotógrafo divide com tintas, pincéis, arquivos de negativos e fotos em papel (o seu grande arquivo foi recentemente doado ao Instituto Moreira Salles), o notebook com seu recente trabalho digital e um pequeno aquário com peixes dourados e objetos flutuantes feitos por ele mesmo. Aliás, o digital é melhor ou pior? “Não gosto de discutir técnica, portanto a minha resposta é a seguinte: a câmera, o filme, o chip, tudo isso não tem significado nenhum, porque as câmeras são todas iguais; elas simplesmente registram o teu sentimento. E você não fotografa com a câmera e sim com tua mente e o coração”. Enquanto esteve em terras estrangeiras, onde criou seis filhos de dois casamentos, a mente e o coração de Otto trabalharam como nunca.
Teve clientes como Harper’s Bazaar, Vogue, Life Magazine, Esquire, Le Figaro, Glamour, Elle e Vanity Fair, e assim conseguiu passe livre para fotografar círculos restritos de glamour e poder. Agora, nem adianta perguntar como foi tirar fotos de pessoas tão diversas quanto Jack Nicholson, Sophia Loren, Richard Nixon, Grace Kelly, Harold Pinter, Truman Capote, Leonard Cohen, Sérgio Mendes, Pelé e Xuxa [ao lado, antes de ser dos baixinhos], pois Otto não gosta de futilidades. Outras coisas o tiram do sério: falta de profissionalismo e falsas amizades. Até hoje não engole o fato de ter sido esnobado pelos “amigos” quando esteve no Brasil entre 1976 e 1980. Foram quatro anos com pouquíssimos trabalhos e muitas ligações sem resposta. Se não fosse Pietro Maria Bardi a lhe dar a honra de ocupar o salão principal do MASP, em 1978, com uma ampla retrospectiva...
“Tenho consciência da minha responsabilidade social para com a humanidade e quando digo que a meta final da minha produção é a compaixão, as pessoas ficam surpresas. Mas toda arte é comunicação e isto implica em um aprendizado sobre o ser humano. Por isso sou fotógrafo e tenho imenso prazer em comunicar aquilo que sei. Levei muitos anos para chegar onde cheguei, e não foi batendo chapas, e sim aprendendo com as pessoas. E isto é coisa que não acaba”. O dia chegou ao fim e a noite vem comendo pelas beiradas. Otto acompanha o repórter até o carro e se despede com um abraço caloroso. E agora? “Vou aqui perto comprar a comida dos peixes”. Otto Stupakoff está de volta e o Brasil ainda tem muito o que aprender.
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