sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

fala, padilha!

entrevistei o cineasta josé padilha pruma reportagem na edição de fevereiro da monet (tropa de elite tá estreando no telecine). não costumo gostar de entrevistas por telefone, mas essa conversa com padilha foi bem boa. abaixo, com direito a foto de andré valentim, segue a matéria.

CAPITÃO PADILHA

Parece que foi ontem. O país inteiro foi tomado por uma febre, a princípio disseminada por camelôs, no qual infectados de todas as idades e classes sociais diziam coisas como “Pede pra sair!” ou “Põe na conta do Papa!”. Por todos os lados, DVDs piratas de um filme brasileiro que ainda nem tinha chegado aos cinemas se multiplicavam para, rapidamente, virar tema de debates acalorados. Mas não foi ontem que Tropa de Elite, uma das principais estreias do mês na Rede Telecine, virou assunto nacional. Já se passaram dois anos desde o fim das filmagens do primeiro longa de ficção do diretor José Padilha e, de lá para cá, o fenômeno só ganhou mais corpo. Que o diga o próprio cineasta.

“A popularidade via pirataria foi angustiante, mas teve um lado bacana porque fez com que o público já gostasse do filme antes de ser lançado [em outubro de 2007]. Quer dizer, a relação do público com o Tropa não foi mediada pela crítica. Foi legal aprender isso porque quando você faz cinema quer comunicar, mas não dá para ter certeza se a mensagem vai chegar ou se as pessoas vão se interessar. E o filme pegou na veia”, explicou, em conversa por telefone, com a tranquilidade de quem enfrentou muitos dedos em riste durante o lançamento nos cinemas. Tanto pelos que acharam que o filme e ele eram fascistas quanto pelas pessoas que viam o Capitão Nascimento como o remédio para todos os males brasileiros.

Atento a tudo, o cineasta gosta de listar alguns dos fatores que contribuíram para um dos maiores sucessos da cinematografia nacional: o carisma de Wagner Moura como o atormentado capitão, a câmera inquieta de Lula Carvalho e o complexo roteiro de Bráulio Mantovani, em parceria com Rodrigo Pimentel e com o próprio Padilha. “O Tropa enfoca o problema da violência pela ótica da polícia, o que sempre foi uma premissa do projeto. A gente queria mostrar que o policial também é um ser humano e que se ele se comporta de uma maneira violenta não é de graça e tem causas fortemente relacionadas com a estrutura da corporação, com o abandono e a falência financeira e moral da Polícia Militar. A própria instituição leva o policial a cometer crimes por causa do salário baixo e do risco alto. Também era importante saber como a sociedade civil olha para a polícia e da sua participação nessa economia do tráfico de drogas.”

Visto por 2,5 milhões de pessoas nos cinemas, além de outros 11 milhões que teriam assistido ao DVD pirata segundo dados do Ibope, Tropa de Elite já tinha causado muita comoção interna antes de ser incluído na mostra competitiva do Festival de Berlim em fevereiro de 2008. E aí, para a surpresa de muitos, o filme levou a maior premiação, o Urso de Ouro. “As primeiras perguntas nas coletivas do festival vinham sempre de jornalistas brasileiros e elas acabaram contaminando o debate com esse questionamento se o filme era de direita. Mas o filme foi premiado por um júri presidido pelo Costa-Gavras, que é um cineasta reconhecidamente de esquerda, o que acabou dando um nó na cabeça de muita gente.” Após Berlim, Padilha entrou de vez na lista mundial de “diretores quentes” que já trazia os brasileiros Walter Salles e Fernando Meirelles.

O ano de 2008 seguiu cheio de possibilidades para José Padilha. Surgiram boatos de que o filme iria ser adaptado para uma série de TV e/ou ganharia uma continuação, o que acabou caindo por terra. Depois vieram sinais de Hollywood e o carioca começou a escrever o roteiro de Marching Powder, sobre a história real de um traficante britânico que passou seis anos em um violento e corrupto presídio na Bolívia. O filme será produzido por Brad Pitt e protagonizado por Don Cheadle. Enquanto isso, aqui mesmo no Brasil, Padilha finalizou Garapa, um documentário sobre a fome e que é seu terceiro longa (o primeiro, Ônibus 174, é de 2002).

“Não sei o que o Tropa de Elite ganharia ou perderia se fosse um documentário como meus outros filmes, mas sei o que ele ganhou porque tem uma coisa muito legal no roteiro dele e que nem todo mundo percebe. É que a história de um dos personagens principais, o Matias, é uma metáfora para o Rio de Janeiro”, explicou o flamenguista doente, 41 anos, casado e pai de um menino de 6. “O Matias quer ser um policial convencional, depois um policial do BOPE, quer ser estudante, quer dar seu tapinha ou conviver com os caras que fumam um baseado, quer dar um pulo na favela, quer fazer trabalho social, enfim, quer participar de vários grupos sociais que no fundo são incompatíveis. E ele é o personagem que se torna violento. É uma maneira de dizer que a violência do Rio de Janeiro tem a ver com essa incompreensão entre diferentes grupos sociais que convivem no mesmo espaço.”

De olho nas questões sociais mais urgentes no cenário brasileiro, José Padilha não quer ver a discussão ficar restrita a faculdades e conversas de bares. “A gente juntou dois caminhos no Tropa: o roteiro com uma construção intelectual sofisticada vestido para o público, bem feito e filmado de maneira energética. Tem gente que não consegue passar pela forma do filme e chegar no roteiro. Aconteceu com o Cidade de Deus também.” Padilha respira fundo. Enquanto os projetos em Hollywood seguem em compasso de espera, o cineasta prepara para 2010 sua próxima incursão ficcional, mas desta vez em terreno ainda pantanoso. “O Luiz Eduardo Soares acabou de escrever o roteiro de Nunca Antes na História Desse País, que é uma tentativa de Tropa de Elite no mundo político em Brasília.” Agora, não adianta chamar o Capitão Nascimento para pacificar o Planalto Central. Ele provavelmente seria comido vivo em algum corredor entre o Senado e o Congresso.

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