O PARAÍSO É AQUI DO LADO
Ou de como Zeus, Krishna, Saddam e Bradock Ribeiro se encontraram em um jardim
Dois dos três tenores estão lá. A saber, Pavarotti e Placido Domingo. Juntos com Piaf, Prince, James Brown, Janis Joplin e Lady Laura. Próximos de Bambi, Mickey, Lassie, Snoopy, Scooby e She-Ra. Todos em uma área arborizada de 18 mil m² cortada por um riacho e protegida, logo na entrada, por uma placa de “Cuidado Cão Bravo”. Estão ao lado do Paraíso. Ou, para ser mais preciso, dividem terreno com a Pousada Paraíso. No maior cemitério de animais de São Paulo, o Jardim do Amigo, tudo é feito com muito respeito pela memória de 8 mil bichinhos enterrados, desde o atendimento profissional até os nomes dos setores disponíveis (Palmeiras, Colinas, Cascata, etc). Mas como todos sabem, inclusive os animais domésticos, a vida é dura e em um dos folders disponíveis na recepção a realidade não é menos cruel: “Não permita que seu animalzinho tão querido seja incinerado junto com restos hospitalares”.
Situado próximo ao Km 35 da Rodovia Castelo Branco, município de Itapevi, o Jardim do Amigo foi inaugurado em novembro de 1993 como filial do argentino Jardin del Amigo, desde 1987 nos arredores de Buenos Aires. A proprietária de ambos, a hermana Adriana Kreuzer, sentiu um estalo quando sua gatinha adoeceu lá pelos idos de 1975. Foi então que percebeu a fragilidade da vida e a ausência de um lugar em sua terra natal, no qual ainda mora, para enterros dignos de animais domésticos. Em tempos de Mercosul foi pioneira no Brasil ao montar um cemitério parque para um público que desembolsa quantias que variam de R$ 190 a R$ 1.313, dependendo do tamanho do animal e do setor escolhido, além de uma manutenção anual que varia de R$ 160 a R$ 330. O setor Colinas sai mais em conta, enquanto o Pinheiros e o Palmeiras são considerados mais elegantes.
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Do outro lado da mesa, Cristina briga com a impressora. Plantonista aos finais de semana, revezando sábados e domingos, ela trabalha no Jardim há sete anos, mas não quer saber de animais na casa que divide com o filho. “Porque é pequena e não quero passar pelo sofrimento que vejo nessas pessoas que vêm aqui. A gente se apega, né?”, e finalmente consegue arrancar uma folha que estava emperrando a impressão de um novo contrato. Daqui a cinco anos, Ligia poderá escolher se permanece com seus gatinhos enterrados ou se encerra tudo de vez e opta pela exumação. Apesar de muito solicitados pela clientela, os caixões de madeira foram abolidos por atrapalhar a decomposição. Lá fora um outro funcionário do cemitério (são dez ao total) anuncia em voz baixa que havia terminado a pequena cova situada na Alameda da Brisa.
Ligia vai até o carro, abre a porta e tira algo enrolado em um cobertor xadrez. Seu choro volta enquanto leva Dolly até a sala de velório, ao lado da recepção. O pequeno cômodo, com um banheiro em anexo, está abarrotado de mensagens escritas à mão ou impressas, inclusive em japonês, além de brinquedos, fotos, desenhos e imagens de Santo Expedito, São Lázaro e São Francisco de Assis. Ligia coloca suavemente sua gatinha branca sobre a mesa da sala e seu choro ganha o reforço de soluços. Hora de deixá-las a sós.
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Sem nenhuma cerimônia, mas com alguma suavidade, o funcionário cobre o fundo da cova com plástico, envolve Dolly com uma manta branca de algodão e deposita o corpo a três palmos do chão. Léo, o outro gato, está um pouco abaixo. Enquanto a terra vai sendo jogada, Ligia olha para os lados em busca de algo que acaba por encontrar numa encosta próxima. Lança duas pequenas flores e é o fim. “Tem uma coisa que gostaria de falar para sua reportagem. É muita maldade o que se tem feito aos animais, muito abandono e judiação. Falo isso, mas a verdade é que ainda fazem pior com as pessoas, né?”
Mal o carro de Ligia atravessa a ponte sobre o riacho surge um casal na recepção para encerrar sua estada na Pousada Paraíso. Inaugurada em 2001 com o objetivo inicial de abrigar donos de animais de outras cidades e Estados, a pousada “em estilo colonial” vem recebendo cada vez mais jovens casais sem filhos em seus doze quartos. Desfrutam da piscina, da churrasqueira, do salão de eventos e ainda podem fazer shiatsu, cromoterapia ou reflexologia. Logo ali, depois da ponte, passando o jardim. É o Paraíso, afinal.
3 comentários:
Acho que fui uma das primeiras a ler este texto. antes mesmo de enviá-lo a piauí. a novidade ficou por conta das fotos. vc tvz seja a única pessoa que conheço que consegue fazer coisa que preste com a câmera de um cel. e, tá, morri de rir pensando no seu xará. bejo danf
sensacional o texto, reli na revista que tenho e a sua versão. posso dizer que gostei mais dessa :)
abraços
El panaton
preferi a sua versão também, Dafne.
mas é engraçado, eu achava q a mão peluda era menos atroz, já que os textos da piauí tem essa de, uhn, é..., "new jornalism" (odeio esse termo)
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