sexta-feira, 4 de junho de 2010

yes, nós sempre teremos carmen

até um tempo atrás existia uma revista da porto seguro, nem sei se ainda está por aí. era da área de customizadas da abril e um dos editores era o poeta maranhense (e meu ex-vizinho) celso borges. escrevi uns dois textos pra essa revista, um sobre artesanato e outro sobre carmen miranda (1909-1955), o cinquentenário de sua morte e a ótima biografia do ruy castro. o texto foi publicado em agosto de 2006 e agora sai do baú. foram duas as fontes para essa curta reportagem: o próprio ruy e a cineasta helena solberg (vida de menina e palavra (en)cantada), que fez um documentário sobre carmen (bananas is my business). simbora, só no chica chica boom chic.

PEQUENA, NOTÁVEL & POP

Disseram que ela voltou americanizada. Afirmação das mais injustas em se tratando da primeira artista brasileira a espalhar o país pelos quatro cantos do mundo. Por outro lado, Carmen Miranda também não era uma penca de bananas. E foi exatamente para mostrar o que é que Carmen tem, que o escritor Ruy Castro mergulhou em uma intensa pesquisa para chegar a
Carmen – Uma biografia (Cia. das Letras), livro tão preciso em informações quanto delicioso na leitura. De tal maneira a cantora volta então à vida, após cinquenta anos de sua morte, para garantir de vez seu lugar de destaque na história da cultura brasileira.

Muito antes de tomar de assalto Hollywood, a cantora já vinha fazendo um bem danado a música brasileira. “Carmen desenvolveu nas ruas, principalmente na Lapa, aquele seu jeito de falar - alegre, desembaraçado, cheio de bossa e de gírias - e transplantou isso para sua maneira de cantar. Foi um arraso porque, até então, nossas cantoras eram muito líricas, muito “européias”. Carmen era o Brasil cantando”, afirmou Ruy Castro. As gírias das ruas colaram aos ouvidos de Carmen e encontraram ressonância em sambas compostos por bambas como Assis Valente, Ary Barroso, Noel Rosa, Cartola e Dorival Caymmi. A empatia com o povo foi imediata, tanto que em seu primeiro ano de carreira, 1930, chegou a gravar um disco de 78 rotações (com duas músicas) a cada 18 dias. Em dez anos de carreira no Brasil, Carmen gravou 280 músicas revolucionando a música nacional.

Mas a vida da artista deu uma guinada em 1939 quando aceitou ir para os Estados Unidos tentar a sorte na Broadway. “A cantora Carmen perdeu, porque não pôde mais gravar aqueles sambas e marchas que faziam para ela, mas a personalidade Carmen ganhou”, explica o biógrafo. A ‘pequena notável’ passou a ser chamada de ‘brazilian bombshell’ e começou a cantar quase que exclusivamente para os números musicais de seus filmes na Fox, tais como
Uma noite no Rio (1941) e Entre a loira e a morena (1943). O sucesso de Carmen na Broadway e em Hollywood foi estrondoso, mas os norte-americanos não tinham interesse nenhum em samba ou cultura brasileira. Só que não conseguiam tirar os olhos daquela mulher colorida e extravagante.

A diretora Helena Solberg, autora do documentário
Carmen Miranda - Bananas is my business (1995), defende que Carmen “como grande comediante que era nos passa muitas vezes uma ironia que permite uma leitura entre as linhas dos papéis que, por contrato, era obrigada a representar nos filmes. Ela nos faz rir, rindo de si mesma”. A empatia com a persona de Carmen Miranda continua até hoje, vide o sucesso da exposição “Carmen Miranda para sempre” no Rio de Janeiro e em São Paulo no início do ano. Mas é na música, no samba, que Carmen é mais Carmen e, consequentemente, mais Brasil.

ok, foi rápido. mas por aqui tem sempre material extra. primeiro, um dos melhores (e mais icônicos) números musicais protagonizados por carmen em hollywood. música é "the lady in the tutti frutti hat" (harry warren e l. robin) e está no filme entre a loira e a morena (1943), mais um delírio visual, colorido e geométrico do grande busby berkeley. e depois, a entrevista de helena solberg na íntegra (que foi feita por email).



Você escolheu um tom bastante pessoal no filme, um tom de descoberta dessa imagem da Carmen que te assombrava/perseguia/encantava... quando a Carmen começou a te perseguir? O que mais te encanta nela? E como foi a decisão de assumir esse tom íntimo para o filme?
Na verdade, como na maioria dos documentários, foi um processo que iniciou-se com a pesquisa e que foi se aprofundando até que o personagem começou a se delinear e a tomar vida própria. Os fatos são importantes, mas a maneira como nos tocam e a leitura que fazemos deles é o que vai determinar o caminho que decidimos seguir. O ponto de vista que começamos a adotar é que irá delinear o filme. Morei muitos anos fora do Brasil e essa experiência de sentir-se um estrangeiro e estar sendo definido pelo olhar do outro acho essencial para entender a saga de Carmen. A ascensão vertiginosa dela quando chega nos Estados Unidos me fez compreender também que havia uma série de coincidências que foram determinantes para a trajetória de sua carreira. Em vez de um ponto de vista digamos jornalístico optei por um envolvimento pessoal e afetivo que achei que poderia aproximar a audiência através da emoção

Tenho uma impressão de que até hoje o movimento feminista brasileiro (o movimento organizado) não conseguiu comprender o pioneirismo e a modernidade da mulher/artista/profissional Carmen, ficando mais com o estereótipo que Hollywood grudou nela. Você concorda?
Sabia-se muito pouco sobre a vida pessoal de Carmen, fora do Brasil, além da imagem extremamente bem construída pela publicidade e a mídia. No Brasil a cobertura controvertida dada pelos jornais deixava perceber que havia uma série de conflitos que começaram a ser esclarecidos na sua última visita ao Brasil. A maneira como ela conduziu sua vida profissional dentro do contexto que lhe foi oferecido é certamente uma das maiores histórias de sucesso no mundo de entretenimento de um artista brasileiro nessa área. Acho que a biografia de Ruy Castro e meu filme estão ajudando a termos uma visão mais objetiva e ao mesmo tempo mais complexa de Carmen . Em relação às mulheres acho que sua história vai muito além de tornar-se uma referência só para um grupo específico. Acho que a qualidade de ícone a transforma em algo muito mais abrangente, já que toca numa questão de identidade que é muito profunda. Acho que só com o tempo outras leituras irão acontecer. Isso é verdade a respeito de muitos personagem que através dos tempos foram sendo redefinidos de formas diferentes. Acho que isso irá acontecer com Carmen.

Qual, ao seu modo de ver, é a verdadeira contribuição de Carmen Miranda para a cultura brasileira?
O que acho interessante é a brasilidade assumida em um momento aonde nossa elite ainda se pautava por um modelo europeu. A semana de 22 acontece dentro de uma vanguarda intelectual, mas Carmen, como diz Caribé da Rocha em sua entrevista no filme, era povo, era o que tínhamos de mais autêntico. Como grande comediante que ela era, ela nos passa muitas vezes uma ironia que permite uma leitura entre linhas dos papéis que por contrato era obrigada a representar nos filmes da Fox. Ela nos faz rir, rindo de si mesma.

Como é hoje tua relação com o filme, passados dez anos? E tua relação com a Carmen? Você leu o livro do Ruy Castro? O que achou?
Acho o livro de Ruy Castro da maior importância. Ele mergulhou fundo na sua pesquisa e como em outras de suas biografias o fez com paixão. O filme se mantém muito vivo e atual até hoje. É muito interessante ver como ele levanta uma quantidade de temas diferentes. Recentemente em uma Universidade o debate se prolongou por duas horas depois da projeção.


e pra encerrar, um video com ná ozzetti cantando "disseram que voltei americanizada" (vicente paiva e luis peixoto), uma das músicas do disco balangandãs (mcd, 2009), um delicioso tributo a pequena notável.

Nenhum comentário: