um dos cineastas mais instigantes em atividade, lynch assinou seu último longa em 2007 (império dos sonhos), mas segue em intensa atividade na internet. seu site oficial é permanentemente atualizado com novos mistérios, no twitter trata de metereologia e meditação, e recentemente lançou um ambicioso projeto (que ainda não consegui parar pra ver) com histórias de pessoas comuns em todos os cantos dos estados unidos. chama-se interview project.
detalhe importante: quem fez a entrevista por telefone foi o colega bruno segadilha. tava armado de coragem pra falar com o homem ao vivo, mas por telefone acabei amarelando. valeu bruno.
O CAVALHEIRO DAS TREVAS
Choveu muito no dia em que David Lynch colocou os pés em São Paulo. Coisa braba mesmo, principalmente porque a cidade não via gota de chuva há um mês. Logo os metereologistas se apressaram em desmentir qualquer ligação entre a presença do diretor de filmes como Veludo Azul (1986) e Cidade dos Sonhos (2001) e a tempestade que desabou sob a cabeça dos paulistanos. Certo mesmo, disseram eles, é que foi a primeira vez que Lynch pisou em solo brasileiro – também esteve no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e Porto Alegre -, e que sua visita não teve nenhuma relação com cinema. O motivo foi a turnê mundial de divulgação do livro Em Águas Profundas – Criatividade e Meditação, no qual Lynch mostra o que 35 anos de meditação transcendental podem fazer para um artista (ele, no caso) e para o mundo.
Quer dizer então que o homem que criou algumas das imagens mais perturbadoras do cinema nas últimas décadas é um adepto da meditação? Pois é, o fato é esse, tão surpreendente quanto verdadeiro. Mas o cineasta só tornou isso público quando criou, em julho de 2005, a Fundação David Lynch, com o objetivo de difundir os ensinamentos de Maharishi Mahesh Yogi (1917-2008), o guru que fez a cabeça dos Beatles no final da década de 1960. “A meditação transcendental já me ajudou muito porque você mergulha em uma criatividade infinita e trabalha com mais felicidade e energia”, disse durante um bate-papo com uma platéia de jornalistas e fãs. Do lado de fora do teatro, uma pequena multidão serpenteava pelos corredores na expectativa da tarde de autógrafos.
De terno preto e calça branca, Lynch sempre fecha os olhos antes de responder a qualquer pergunta. Fala pausadamente e, mesmo que negue, adota uma postura cool de pregador apaixonado quando dispara a falar sobre os benefícios da prática oriental. Diz que deseja implementar, com sua Fundação, a meditação em escolas primárias por todo o mundo para que uma nova geração espalhe a paz. “Todos têm consciências, mas nem todos possuem a mesma quantidade. O potencial para a glória humana é a consciência infinita, a iluminação. Um dos efeitos colaterais dessa expansão de consciência é que a negatividade começa a desaparecer. Stress, tensão, ansiedade, mágoa, depressão, ódio, raiva e medo começam a dispersar. Essa é a paz verdadeira, a ausência de toda negatividade”.
Um clima de bondade e compreensão se espalha pelo ambiente, mas estamos no Brasil e algum bem humorado da platéia dispara – “Você acredita que se as pessoas meditassem mais compreenderiam melhor seus filmes?”. O diretor dá uma risadinha e responde que “Com certeza! Compreensão infinita”. Aplausos e gargalhadas gerais.
A relação aparentemente contraditória entre seus filmes sombrios e a prática pacífica da meditação é a que mais confunde platéias mundo afora. “O artista não tem que sofrer para mostrar sofrimento. Essa mania deve ter começado na França. Algum artista achou que com um pouco de raiva e alguma melancolia poderia pegar garotas. Mas basta ir um pouco adiante para entender que amargura e raiva ocupam a mente e deixam pouco lugar para a criação”. Lynch não sofre mais, talvez por isso consiga se dividir entre cinema, pintura, música, internet, boletins metereológicos para rádio, uma marca de café orgânico e, claro, sua Fundação. Mas, afinal, o que David Lynch sabe sobre David Lynch? “Nada!”, arremata orgulhosamente.
O bate-papo termina e é hora dos autógrafos. Lynch sai do teatro e logo é cercado por uma alcatéia de celulares e máquinas digitais em fúria deslumbrada. Como um rockstar, um ex-BBB ou uma garota-fruta qualquer, o cineasta precisa do auxílio de seguranças para conseguir chegar até a mesa. A fila cresceu ainda mais e as quatro entrevistas exclusivas prometidas para depois do evento, uma delas para a MONET, parecem seriamente ameaçadas. Dito e feito. Para não decepcionar os fãs, Lynch cancelou seus outros compromissos.
A exclusiva ao vivo foi transferida para o dia seguinte e depois cancelada pelo trânsito de São Paulo (em mais um dia de tormenta). Pode ser por telefone? Claro. Mais uma ligação e um novo cancelamento. E por e-mail? As perguntas foram enviadas na sexta à noite para que David Lynch pudesse respondê-las em alguma pausa no seu fim de semana brasileiro. Mas nada no sábado, muito menos no domingo. A segunda-feira amanheceu sem novidades na caixa de entrada.
Então, do nada e na rua, o celular toca e o assessor do diretor fala com sotaque castelhano que a entrevista vai acontecer por telefone e a qualquer momento. “Ele vai falar. Pode começar a gravar. Serão cinco minutos”.
Gostaríamos de perguntas sobre anões, cortinas vermelhas, estradas sem fim e outras bizarrices. Mas Lynch não gosta de falar sobre seu cinema. Nem mesmo a sua recente paixão pelo cinema digital, despertada após a experiência em Império dos Sonhos (2007), e que o fez decretar a morte do filme (película), consegue demovê-lo. Cerca de dez minutos depois a entrevista acaba. Porém, na hora de transcrever a fita, uma nova surpresa: as vozes estão muito baixas lá no fundo e há um ruído inexplicável matando tudo. Mais uma história estranha, mas conseguimos recuperar alguns trechos da conversa.
“Hoje em dia as pessoas ficam procurando explicação para tudo. É quase uma neurose. Até entendo isso. Hollywood tem a necessidade de fazer filmes que as pessoas entendam. Se há um pequeno ponto de conflito, já não serve. Sempre tive a preocupação de abrir a narrativa para inúmeras possibilidades em meus filmes. Cada um interpreta aquilo que quer, da maneira que entende”, afirmou a quem lhe pede explicações sobre seus filmes. “Não sei se Twin Peaks mudou o jeito de se fazer TV. As séries são muito mais sofisticadas hoje, mas talvez seja pretensão achar que foi por minha causa”, respondeu sobre a série de TV de 1990 que ficou em 3º lugar como uma das melhores de todos tempos segundo votação aqui na MONET (e em 15º na opinião dos leitores). “Não vou muito ao cinema. Primeiro porque não tenho tempo. Segundo porque, como diretor, fico preocupado com detalhes técnicos e não consigo curtir a sessão como uma pessoa normal”, disse no derradeiro trecho recuperado. Logo depois do papo curto e rasteiro, David Lynch embarcou para o Rio. Ao menos a chuva parou em São Paulo.
durante a passagem pelo rio de janeiro: david lynch recebe os cumprimentos de luiza brunet (que, segundo o site ego, furou a fila de autógrafos)
SEJA MELHOR COM DAVID - Alguns ensinamentos que o cineasta espalha pelas páginas de seu livro
A verdadeira felicidade está dentro de você * Idéias são como peixes. Se você quer pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas * Faça sua voz soar e não deixe que ninguém a abafe * Intuição é a emoção e o intelecto trabalhando juntos * Todos nascemos para sermos felizes, felizes como cachorrinhos abanando os rabinhos * Onde há atenção, há vida * Podemos entender o conflito, sem necessariamente viver dentro dele * Somos como lâmpadas. Quando o contentamento começa a crescer dentro de nós, isso é como uma luz; essa luz afeta o meio ambiente * Se você continuar fiel ao que pensa, e refletir a respeito do que faz, estará no caminho certo * Nunca desista de uma boa idéia e nunca aceite uma má idéia * Mantenha os olhos no donut e não no buraco
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