segunda-feira, 18 de julho de 2011

dizem que roque santeiro...

nessa edição de julho da revista monet, a nº 100, estreamos uma seção que trará reportagens sobre bastidores de clássicos da tv e do cinema. começamos com roque santeiro, que volta a ser exibida a partir de hoje às 0h15 no canal viva, e também escrevi a segunda, sobre a minissérie agosto, que está na edição de agosto que acabamos de mandar pra gráfica. agradecimentos a itaici brunetti perez que entrevistou lima duarte e josé wilker.

tô certa ou tô errada?

CLÁSSICOS - ROQUE SANTEIRO

Poucas cidades fictícias são tão profundamente brasileiras como Asa Branca, e não coincidentemente ela foi o principal cenário de uma das novelas de maior sucesso no país. A vegetação e os sotaques de várias regiões foram misturados em vários metros quadrados de ilusão em Guaratiba, extrema Zona Oeste do Rio de Janeiro, e personagens memoráveis como Viúva Porcina, Sinhozinho Malta e Zé das Medalhas encarnaram tipos muito reconhecíveis tanto naquele ano de 1985 quanto agora. Mas a história de Roque Santeiro, que agora ocupa o lugar da reprise de Vale Tudo no Canal Viva, não foi um mar de rosas e teve um início bastante conturbado anos antes de sua consagração.

Tudo começou com Dias Gomes (1922-1999), seu autor, que em 1963 escreveu O Berço do Herói. Dois anos depois, e já com o país mergulhado na ditadura militar, a peça teatral foi censurada e proibida (tratava de um falso herói que foi integrante da Força Expedicionária Brasileira), e de nada adiantou Gomes ter feito tanto sucesso com O Pagador de Promessas e O Bem Amado. Para os militares, o autor baiano era um comunista e isso bastava para qualquer proibição.

Dez anos depois, e com a repressão militar ainda mais forte, a TV Globo decidiu produzir sua primeira novela a cores e chamou Dias Gomes para escrevê-la. Daí surgiu Roque Santeiro, uma adaptação de O Berço do Herói ambientada na fictícia Asa Branca e com o trio de protagonistas interpretados por Betty Faria (Viúva Porcina), Lima Duarte (Sinhozinho Malta) e Francisco Cuoco (Roque Santeiro). Tudo corria às mil maravilhas quando uma ligação telefônica de Gomes foi interceptada pelos militares e sua esperteza foi descoberta.

Com dez capítulos editados e quase trinta gravados, Roque Santeiro foi proibida pela Censura Federal na noite de sua estreia. A justificativa era curta, grossa e, claro, sem direito de resposta: “A novela contém ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja.” Apressadamente, a Globo colocou no ar uma reprise de Selva de Pedra, enquanto outra era escrita (Pecado Capital). Ironicamente as duas eram assinadas por Janete Clair, então mulher de Dias Gomes.

Foram preciso mais dez anos para que o público brasileiro conseguisse assistir as estripulias dos moradores de Asa Branca. Só que a essa altura do campeonato, Gomes não queria mais saber de escrever novelas e indicou o iniciante Aguinaldo Silva para o seu lugar. “Dias tinha 40 capítulos da primeira fase de Roque Santeiro já escritos. Eram capítulos mais curtos para as 22h. Fiz uma readaptação para o horário das 20h, mexi em todos os capítulos já prontos e, a partir dali, continuei a novela. Fui até o capítulo 163 e Roque Santeiro se tornou uma obsessão nacional. Mas o Dias decidiu que ele é que teria que acabar a novela. Tivemos um grande arranca-rabo por causa disso. A desavença durou anos, mas, a certa altura, acabou. (...) Sempre digo que Roque Santeiro é uma novela de Dias Gomes escrita por mim”, declarou Silva no livro Autores - Histórias da Teledramaturgia.



Como sinal de respeito, os atores e atrizes da primeira versão foram chamados para reprisar seus papéis, mas poucos concordaram e do trio principal apenas Lima Duarte seguiu como Sinhozinho Malta. “Pouca coisa mudou de uma versão para outra. O que mudou mais foi a relação com os outros personagens, o que altera muito na composição. Por exemplo, o bordão ‘tô certo ou tô errado?’ já existia e era do Dias Gomes, mas o barulho de cascavel, na hora de balançar o relógio, foi idéia minha”, relembrou Lima Duarte em entrevista para MONET. E ao seu lado, nessa versão definitiva de 1985, vieram Regina Duarte (Porcina) e José Wilker (Roque).

O humor escrachado disfarçando críticas sociais, os bordões inesquecíveis para inúmeras gerações, tudo isso e muito mais estão nos 209 capítulos de Roque Santeiro, e boa parte é de responsabilidade de Aguinaldo Silva. “Nunca havia feito uma comédia e, quando comecei a escrever Roque, descobri que essa era a minha praia, o tipo de trabalho que queria fazer. Percebi que, através da comédia exacerbada e da farsa, conseguia dizer coisas que, provavelmente, se fizesse a sério, não teriam a mesma força.”

E assim, sem perceber, o espectador era levado a entrar gargalhando nessa história sobre um herói/santo de mentira (Roque Santeiro) que todos achavam que estava morto e que volta a sua cidade natal, atrapalhando a vida dos poderosos do lugar (Sinhozinho Malta, o prefeito Florindo Abelha e o empresário Zé das Medalhas) e das mulheres do seu passado (Viúva Porcina e Mocinha Abelha). Para bagunçar ainda mais o coreto, uma equipe de filmagem chega a Asa Branca para reencenar as aventuras desse “santo homem” e o ator que faz Roque Santeiro (Fábio Jr.) dá em cima de boa parte do elenco feminino. Realmente não dava para acompanhar o cotidiano de Asa Branca de forma séria.

O sucesso da novela foi tão grande que a audiência girava em torno de 60 milhões de espectadores, o que na época representava de 67% a 80% das TVs ligadas, segundo dados do IBOPE. E ainda ganhou livro, álbum de figurinhas, duas trilhas sonoras e exibições de sucesso em Cuba e Angola (o mercado popular da capital Luanda é até hoje chamado de Roque Santeiro), além de ter marcado a estreia em novelas de Patrícia Pillar, Maurício Mattar e Cláudia Raia. Sem falar que Raia e Yoná Magalhães ainda posaram nuas para a Playboy.

“Só fui perceber que Roque Santeiro foi importante depois que acabou, o que e me levou a olhar para a televisão de um modo diferente, como um veículo realmente capaz de conversar com um país. Eu tinha a sensação que antes do Roque Santeiro, o Brasil era um país que se dividia pelo menos em quatro, porque o Acre não conversava com o Rio Grande do Sul, Roraima não conversava com Goiás, e por aí vai. A gente era muito estranho um pro outro, e depois da novela, viajando pelo país, de repente eu percebi o quanto a televisão tinha sido capaz a ajudar este país a ser um só”, afirmou José Wilker a MONET durante uma brecha nas filmagens de seu primeiro longa como diretor, Giovanni Improta (personagem criado por Aguinaldo Silva, vejam só).

Se Wilker demonstrou alegria ao falar sobre a volta da novela, Lima Duarte pareceu um pouco temeroso. “Estou apavorado. Tem uma expectativa tão grande em torno da reprise que tenho receio de que as pessoas se decepcionem. Peço ao expectador que se lembre de que ainda não tínhamos internet. Por outro lado, peito e bunda não tinham tanta importância e os galãs ainda não eram um iogurte e, o mais importante, ainda não existia o BBB.” Sim, a realidade era outra, mas Asa Branca continua afiada como sempre.


p.s.: os dois volumes da trilha sonora de roque santeiro fizeram muito, muito, muito sucesso. pense em "isso aqui tá bom demais" (dominguinhos e chico buarque), "sem pecado e sem juízo" (baby consuelo), "mistérios da meia noite" (zé ramalho), "de volta pro aconhego" (elba ramalho), "vitoriosa" (ivan lins) ou então "chora coração" (wando), aqui numa versão voz & violão caseiro do usuário Apoc4liptico, conterrâneo meu de fortaleza.

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