sexta-feira, 1 de maio de 2009

tas, uma cabeça brilhante

já entrevistei marcelo tas duas vezes. a primeira em meados de 2006 ("o brasil segundo ernesto varela" saiu na tam magazine de setembro daquele ano, mas acho que não postarei aqui por ser um texto muito calcado na peça multimídia que ele estava levando aos palcos). a segunda aconteceu quase dois anos depois e foi matéria de capa da revista rossi de julho-agosto de 2008 (publicação feita com aquele esmero habitual pela amiga tatiana engelbrecht lá na spring). conversas ótimas, cheias de digressões, do jeito que gosto.
olha issôôô!


reprodução da primeira dupla da matéria para a revista rossi em 2008, quando o cqc ainda estava com meio ano vida (o retrato é da cia. de foto)

ENTENDE O MUNDO QUEM RI MELHOR

Marcelo Tas ainda tinha cabelo quando criou o repórter Ernesto Varela, há pouco mais de vinte anos, em parceria com o amigo Fernando Meirelles. Aparentemente ingênuo, Varela desarmava políticos, artistas, empresários e anônimos com perguntas inesperadas como a célebre “É verdade que o senhor é ladrão?” endereçada a Paulo Maluf. De lá para cá este paulista de Ituverava já fez de tudo um pouco e muito de tudo. Foi coordenador de criação do Telecurso 2000 e um dos idealizadores do Programa Legal, ambos na TV Globo; participou do Rá-Ti-Bum e do Vitrine, na TV Cultura; do Saca-Rolha, na Rede 21/Play TV; escreveu para jornais; atuou em teatro e no rádio; é dono de um dos blogs mais visitados da internet brasileira; e ainda reviveu seu Ernesto Varela em outras ocasiões nos anos 1990.

E agora, do alto de seus 49 anos, Tas é o âncora e a grife do programa Custe o Que Custar (CQC). Inspirado no argentino Caiga Quien Caiga, o programa rapidamente se transformou na mais nova sensação da TV brasileira com uma mistura de jornalismo, investigação, denúncia e muito humor. Apesar de ter sido surpreendido pela resposta rápida do público, Marcelo Tas acredita que o espectador brasileiro há muito queria e precisava de um jornalismo mais crítico. Em entrevista exclusiva para a Rossi este pai de três filhos falou sobre a atualidade de seu Ernesto Varela, o amadurecimento do Brasil e de si próprio e da sua permanente busca por entender as coisas do mundo. Com humor, sempre.

O tipo de matéria feita pelo CQC hoje em dia lembra o que você fazia com o Ernesto Varela há pouco mais de 20 anos. Quais são as semelhanças e diferenças?
Acho que só tem uma diferença: o Ernesto Varela era um repórter fictício, um personagem. No CQC todo mundo está de cara limpa. Mas é tudo da mesma natureza e isso foi o que me agradou porque me convidaram para fazer uma ampliação do que já fiz. Agora tenho uma função nova, tanto pela cara limpa quanto porque tive que aprender coisas que não sabia como, por exemplo, a ser âncora. Todos acham, e eu também achava, que ser âncora é moleza, mas não é não. Ainda mais de um programa de humor polêmico e com uma equipe muito boa. É uma onda bastante alta para surfar.

O programa conseguiu, em pouco tempo, um retorno bastante expressivo. Vocês conseguiram identificar o porquê dessa empatia?
O CQC entrou em um momento muito oportuno. Acho que todo mundo estava sentindo falta de um jornalismo mais crítico e com aquelas perguntas diretas que todo mundo sempre teve vontade de fazer. Isso o Pânico não faz e nem o Casseta & Planeta. Acredito que o telespectador brasileiro estava preparado. O Brasil é um país muito irreverente, porque não poderíamos ter isso? Porque as autoridades e até as celebridades, que são figuras públicas, não vão se submeter a um questionário? Eles ficam o dia inteiro nos falando coisas, então também podem ouvir algumas perguntas, mesmo que não estejam preparados para elas. O ruim para eles é quando se negam a falar.

Mas o que tem acontecido são embates com grandes estruturas como o Congresso [que proibiu a entrada do CQC] e o Zoológico de São Paulo [que os expulsou durante uma reportagem]...
É que a gente passou muitos anos acostumado a assessores de imprensa. Esse caso do Zoológico é muito emblemático porque foi um evento montando pela assessoria, com a presença de um Secretário, e as perguntas tinham que ser aquelas: “ai, que lindo essa nova ala do Zoológico!”. E o jornalista não pode se contentar em divulgar release. Nesse caso descobrimos que várias crianças da periferia foram deslocadas só para fazer uma foto no evento. Elas não sabiam o que estavam fazendo lá e nem quem era o tal Secretário do Bem Estar Social. Ficou aquele mal estar. Não sei qual é o problema das autoridades de não conseguirem lidar com isso. Eles criaram um evento todo bonitinho e a gente foi lá e mostrou o avesso.

Como lidar com essa responsabilidade de denunciar falhas e erros do Estado?
Com bastante cuidado. Isso é uma coisa que a gente discute muito internamente. Nós começamos a atrair a atenção de muita gente, tanto das autoridades quanto do público, então aumentou a nossa responsabilidade. Nós não podemos fazer o que estamos criticando, ou seja, denúncias vazias, explorar fatos de uma maneira exagerada, fazer perguntas que não são pertinentes. Nossa equipe é muito jovem e passei a encarnar o papel de bombeiro porque é preciso segurar os meninos, afinal, pela idade, eles às vezes passam do ponto. É uma questão de ajuste, mas no geral temos acertado bastante. Outra coisa que é importante falar é que o programa é, acima de tudo, de humor. Não queremos virar os justiceiros ou a patrulha da moral e dos bons costumes. Mas o fato de unirmos humor com assuntos sérios faz com que nossas denúncias fiquem mais agudas. Caminhamos no fio da navalha entre a tragédia e a comédia.

Mudando um pouco de assunto. Li recentemente em uma entrevista que você tem uma casa no campo. Como está sua relação com São Paulo?
Melhor. Há oito anos, na época que comprei essa casa, a minha relação estava muito ruim [risos]. Eu brigava e xingava muito São Paulo e isso não deve ser feito porque é uma cidade muito acolhedora. Aí, o que eu fiz? Comecei a mudar meus hábitos e o principal, que consegui mesmo e foi muito difícil, foi me libertar do automóvel. Outra coisa: trabalho remoto. Isso é uma coisa que sempre fiz, mas agora faço com mais eficiência, disciplina e qualidade. E não deixei de usar a cidade, mas tenho conseguido me programar melhor fugindo dos horários absurdos de trânsito. Isso fez minha vida em São Paulo se tornar melhor. Essa casa em São Bento do Sapucaí ajudou a me desconectar. O sinal de celular é ruim, não tem internet e até há pouco tempo não tinha energia elétrica. Aí voltei a ler mais, escrever, fotografar, pintar, desenhar e a ficar mais com meus filhos. E agora que estou entrando na Terceira Idade nasceu em mim uma verdadeira loucura por plantas [risos]. Acho um privilégio você plantar uma árvore e poder acompanhar seu crescimento. Mandioquinha, por exemplo, virei um grande conhecedor de mandioquinha [risos].

Trabalho remoto significa trabalhar em casa. A nossa relação com a casa vai mudando conforme crescemos e amadurecemos, então como está atualmente a tua relação com sua casa?
Olha, a minha casa foi crescendo muito. Estamos a um ano nesta casa nova e a quantidade de gente que já dormiu lá é impressionante [risos]. Gosto muito de casa e percebi que quando você abre espaço as pessoas aparecem. Atualmente estamos vivendo uma fase de muitas invasões boas. Tem sempre muita gente, muito barulho, agitação e aprendi a conviver com isso. Antes precisava de silêncio absoluto e aí me trancava no escritório, mas agora não, o escritório fica aberto e tem gente entrando e saindo o tempo inteiro, e isso não me desconcentra tanto. Minha casa é quase uma farmácia de plantão [risos]. A porta não fecha [risos].

Você acabou de falar que está vivendo em harmonia com a cidade e com sua casa agitada. Como você avalia então este seu momento de vida?
Estou numa fase de alinhamento. Na década de 1990 comecei a fazer coisas muito variadas e isso é enlouquecedor. Eu gosto, mas é enlouquecedor. Chega um momento em que você pensa, ‘não cabe tanta coisa diferente dentro de uma mesma pessoa’. O CQC me trouxe, de certa maneira, ao início da minha vida profissional e isso causou um alinhamento com o trabalho que faço no UOL, que me ocupa muito tempo porque tem o blog e as séries de vídeos, como a que fiz na China e a que faremos sobre eleições, tudo exclusivamente para internet. E agora quero acreditar... e falo isso mais pra me convencer do que qualquer outra coisa [risos]... que está rolando esse alinhamento em direção ao entendimento do Brasil e do mundo através do humor e do jornalismo, que é o meu DNA.

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